Opinião: (In)exigibilidade de quitação de débito escolar

A exigência de declaração de quitação de débitos escolares é uma prática

condizente com os direitos do consumidor? No presente artigo, vamos entender os limites das instituições de ensino frente ao inadimplemento e o que pode ser feito para resguardar os direitos da instituição e do consumidor. 

O tema das mensalidades escolares está regulamentado na Lei nº 9.870/1999, em especial sobre os limites das instituições de ensino em caso de inadimplemento por parte dos responsáveis ou estudantes. Inicialmente, cumpre destacar que o inadimplemento ocorre quando não há cumprimento da obrigação contratual na forma ou no modo esperado. Assim, na relação existente entre a instituição de ensino e seus alunos e responsáveis, firmada por meio de um contrato de prestação de serviços educacionais, a ausência de pagamento ou atraso da mensalidade caracteriza descumprimento contratual.

Tal relação, contudo, possui particularidades próprias por ter como objeto a atividade essencial da educação, direito fundamental previsto na Constituição, e por ser uma relação consumerista, na qual o estabelecimento de ensino figura como fornecedor de serviço e o aluno, que utiliza o serviço ofertado como destinatário final, como consumidor (artigo 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor).

A ausência de pagamento ou atraso da mensalidade caracteriza descumprimento do contrato de prestação de serviços educacionais, autorizando a instituição de ensino a realizar o desligamento do aluno ao final do ano letivo ou, no ensino superior, ao final do semestre letivo quando a instituição adotar o regime didático semestral (artigo 6°, §1º,

da Lei 9.870/99).

No devido momento, o estabelecimento poderá, ainda, acionar o devedor

judicialmente para executar o contrato firmado entre as partes, assim como incluir o devedor nos cadastros de proteção de crédito.

Inadimplência estudantil: cuidados necessários no momento da cobrança

Em regra, as instituições de ensino privado não possuem a obrigação de

renovação das matrículas de estudantes em inadimplência. Constatada a inadimplência, caracteriza-se prática abusiva a retenção de documentação que assegure a transferência ou o desligamento do aluno antes do fim do ano letivo.

No ato da matrícula, diversos Procons estaduais consideram prática abusiva a exigência de declaração de quitação de débitos, visto não estar entre os documentos obrigatórios pode terminação legal. A título de exemplo, cite-se a Portaria 07/2016 do Ministério Público do Ceará (MPCE), que recomenda às instituições de ensino de “se abster de condicionar a matrícula do aluno à apresentação de ‘declaração de quitação de débito’ da instituição de ensino matriculado anteriormente, com intuito de coibir o aumento no índice de inadimplemento e o comprometimento da lucratividade de seus serviços”.

Segundo o presidente do Instituto de Defesa do Consumidor, Helton Renê, os consumidores têm feito denúncias dessa solicitação realizada por algumas instituições de ensino, as quais exigem o fornecimento da declaração de quitação de débito para aceitar a matrícula do aluno. Também afirmou que as escolas já possuem os meios legais para informar a inadimplência aos órgãos de restrição de crédito, como os

cadastros legais no SPC e Serasa; fora disso, a prática é ilegal.

No caso de alunos já matriculados, a escola não pode impedir o aluno

inadimplente de frequentar as aulas, nem adotar quaisquer medidas que penalizam e constranjam o educando, nos termos do artigo 42 do CDC, que dispõe que na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Não há impedimento para a utilização

dos meios lícitos de cobrança voltadas a recuperar os créditos devidos por parte da instituição de ensino. Isto posto, o repasse de informações pessoais para uma empresa que preste serviços de cobrança pela escola é uma prática de exercício regular de direitos para receber o crédito, estando de acordo com o artigo 7º, VI e X, da Lei Geral de Proteção de Dados. Contudo, as informações utilizadas devem se limitar ao necessário para a concessão e a requisição de dívidas. Em outras palavras, se houver compartilhamento de dados com a finalidade de discriminar o devedor, serão infringidas as normativas e princípios previstos em lei.

Assim, a atenção com os princípios que tratam da proteção dos dados

pessoais no tratamento dos dados pessoais dos estudantes e responsáveis é fundamental.
A sua utilização indevida pode sujeitar o titular a situação de humilhação, discriminação e, consequentemente, a responsabilização da instituição em arcar com indenização por dano moral pela divulgação ou vazamento de situações de inadimplência. 

Implicações do crédito negativado para a matrícula escolar

Em regra, ainda que seja uma temática controversa, a única restrição realmente considerada aceitável para a recusa de matrícula em estabelecimento particular de ensino é se o nome do devedor estiver inscrito no SPC (Serviço de Proteção ao Crédito) ou Serasa. O argumento para que a recusa nesses parâmetros seja aceita está pautada na Lei n° 9.870/1999, artigo 6° — “[…] sujeitando-se o contratante, no que couber, às sanções legais e administrativas […] caso a inadimplência perdure por mais de noventa dias”.

Em suma, a instituição pode (embora muitas não o façam pela onerosidade do procedimento) inscrever o nome do devedor no SPC e no Serasa, bem como tomar as medidas cabíveis para o recebimento do crédito após o 91° dia de vencimento do débito.

E se tem como prática aceitável de mercado a recusa justificada de matrícula com base na consulta aos órgãos protetores do crédito. 

Em atenção às recomendações das autoridades competentes que se

pronunciaram sobre o tema, sugerimos às instituições de ensino:

1) Negativar o consumidor após 90 dias sem quitação das mensalidades, sem recorrer, contudo, a quaisquer sanções pedagógica para os alunos;

2) Alertar com um aviso posto de forma ostensiva que será feita consulta aos órgãos protetores de crédito, dando a oportunidade de evitar constrangimento indesejado para os consumidores;

3) Não realizar qualquer forma de cadastro paralelo envolvendo os consumidores com débitos, por exemplo, por meio de comunicação entre as instituições de

ensino;

4) Compreender que o certificado de quitação dos débitos não está vinculado à matrícula escolar. Consequentemente, o condicionamento da matrícula à apresentação de Declaração de Quitação da instituição anterior tende a ser entendida como uma prática abusiva para com os consumidores.

Por fim, recomenda-se que a instituição de ensino não condicione a matrícula à apresentação de declaração de quitação da instituição anterior, pois esta prática tende a ser entendida como uma prática abusiva violadora dos direitos do consumidor.

Além disso, é fundamental seguir as orientações previstas em lei, para garantir o exercício adequado do direito de cobrança, bem como buscar uma consultoria jurídica de qualidade para auxiliar na tomada das melhores medidas. 

 


Referências

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https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/jurisprudencia-em-temas/cdc-na-visao-do-tjdft-1/definicao-de-consumidor-efornecedor/cdc-e-o-contrato-de-prestacao-de-servicos-educacionais. Acesso em: 22 mar. 2023

Rodrigo da Costa Alves é advogado do Escritório Sarubbi Cysneiros Advogados Associados (SCA).

Ana Giulia de Oliveira é advogada do Escritório Sarubbi Cysneiros Advogados Associados (SCA).

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