Opinião: Mineração em imóvel público e os ODSs 9 e 11

Contando com espaço relevante na economia do país, a mineração é uma atividade dinâmica e repercute transversalmente, seja a nível de licenciamento ambiental, do planejamento urbano, do controle e fiscalização exercido pela Agência Nacional de Mineração (ANM) ou, por exemplo, no aspecto contratual, quando as atividades forem desenvolvidas em imóvel de propriedade de terceiros (superficiários).

O Código de Mineração (Decreto-lei nº 227/1967) exige que o minerador tenha acordo com o superficiário/proprietário da área, remunerandoo, inclusive com a possibilidade de a exploração mineral ocorrer tanto em propriedade privada quanto em imóvel público.

Recaindo o direito minerário sobre um imóvel público, nesse momento, além da incidência dos dispositivos do Código de Mineração, há a interferência direta do regime jurídico de direito público sobre a concessão da posse do imóvel.

A peculiaridade reside no aproveitamento mineral mediante regime especial de licenciamento (também conhecido como registro de licença), disposto na Lei n° 6.567/1978. Isso porque, diferente dos regimes clássicos, de autorização e de concessão, onde prevalece o direito de prioridade de requerimento, no regime especial de licenciamento a prioridade do requerimento é facultada preferencialmente ao proprietário do solo, conforme prevê o artigo 2° [1] da lei.

Para que terceiro possa explorar através do regime de licença exige-se prévia e expressa autorização do proprietário do solo. A questão posta em debate, entretanto, deflui da exploração mineral, pelo regime de licenciamento, em imóvel de titularidade da administração pública, que, neste caso específico, é que deteria a prioridade no aproveitamento da jazida.

É preciso, neste cenário, compreender as especificidades jurídicas quando a exploração pelo regime especial de licenciamento é realizada por um terceiro (particular) em imóvel de Pessoa Jurídica de Direito Público, hipótese prevista no parágrafo único [2] do artigo 3º da Lei n° 6.567/1978, que prevê a obtenção de assentimento do poder público proprietário, por parte do minerador.

Perceba: no caso, o poder público seria proprietário de imóvel onde está uma jazida, logo, a princípio, a atividade mineral sob o regime especial de licenciamento, nessa área, se exercida por particular, deverá ser precedida de processo publicizado.

Em regra, o bem público tem a sua posse concedida a particular para fins de exploração mineral por meio da figura jurídica da “concessão de uso” (artigo 2º [3], da Lei nº 8.666/93). Tal contrato administrativo é precedido de licitação e é celebrado por prazo determinado, no qual a posse do bem é entregue a título gratuito ou oneroso (Acórdão nº 886/2007-Plenário, TCU).

A concessão de uso de bem público terá (ou pode ter) regulamentação dos estados [4] e municípios, com base na competência legislativa suplementar para a matéria de “contratos administrativos” (artigo 22, XXVI, artigo 24, §2º e 3º e artigo 30, II, da CRFB).

Além das cautelas de estilo, é de bom tom a associação do procedimento de concessão aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS), especialmente o 9 e o 11, da Organização das Nações Unidas (ONU).

O ODS 9 dispõe sobre “indústria, inovação e infraestrutura”, com o objetivo de “construir infraestrutura resiliente, promover a industrialização inclusiva e sustentável, e fomentar a inovação”. E, entre suas metas, note-se a 9.4, internalizada ao Brasil pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea): “até 2030, modernizar a infraestrutura e reabilitar as atividades econômicas para torná-las sustentáveis, com foco no uso de recursos renováveis e maior adoção de tecnologias e processos industriais limpos e ambientalmente adequados”.

Já o ODS 11 versa sobre “cidades e Comunidades Sustentáveis”, a fim de “tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis”. A meta 11.7 foi assim internalizada pelo Ipea: “até 2030, reduzir o impacto ambiental negativo per capita das cidades, melhorando os índices de qualidade do ar e a gestão de resíduos sólidos; e garantir que todas as cidades com acima de 500 mil habitantes tenham implementado sistemas de monitoramento de qualidade do ar e planos de gerenciamento de resíduos sólidos”.

Pois bem, havendo a concessão de uso, há de se destacar as obrigações que acompanham a coisa concedida para uso, tal como o dever de recuperação da área degradada pela exploração minerária (artigo 225, §2º, da CRFB), e é sobre esse ponto que este artigo foca.

Isso porque, em verdade, muito embora seja do minerador o ônus de recuperar a área degradada em decorrência da atividade, a recuperação ambiental possui natureza jurídica propter rem e solidária entre o minerador e o superficiário, conforme, inclusive, jurisprudência do STJ (REsp n° 1.400.243/PR).

Inclusive, não seria raro que o minerador contratasse terceiro para o serviço de recuperar a área degradada pela exploração mineral. Logo, o terceiro subcontratado executaria eventual o Programa de Recuperação de Área Degradada (Prad) aprovado pelo licenciador ambiental, uma vez que a expertise necessária para o desempenho dessa atividade usualmente é diversa daquela para a exploração mineral.

Desse modo, é indicado que no edital e contrato de concessão de uso seja autorizado, expressamente, ao concessionário a possibilidade de contratar terceiro para desempenho de atividade acessória (tal como a de recuperação de área degradada). Como também, seria prudente que o certame previsse como fator competitivo, projetos de mineração que contemplassem os objetivos e metas enunciados nos ODS, inclusive na fase de recuperação da área degradada, que pode vir a ser preparada para a destinação de resíduos sólidos, a depender da periculosidade, associada à efetiva recuperação da degradação.

Portanto, a formatação de um edital é o momento decisivo para a Administração antever alguns eventos que podem ter limitações se não previstas em ato convocatório, ainda mais relacionados com a recuperação da área degradada, como uma possível a vedação de cessão ou transferência da posse do imóvel objeto, segundo o TCU (Acórdão nº 2.050/2014, Plenário).

Cabe ao gestor público ficar atento às limitações legais para estabelecer possibilidades ampliativas (sempre em alinhamento ao interesse público), tanto ao instaurar o certame, quanto da contratação que verse pela concessão de uso de bem público para fins de exploração mineral.

Antes da concessão, há de se ter em mente a possibilidade de promover a inovação, em soluções sustentáveis, da indústria, aliada a uma destinação sustentável dos espaços públicos, promotora do bem-estar do povo, em alinhamento aos ODS 9 e 11 da ONU, principalmente para o momento em que houver a execução do projeto de recuperação de área degradada,

Victor Athayde Silva é sócio do escritório David & Athayde Advogados, mestrando pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos e consultor em Direito Administrativo, Regulatório, Integridade Corporativa, Licitações, Contratos Administrativos, Ambiental, Minerário e Urbanístico.

Johann Soares de Oliveira é sócio do escritório David & Athayde Advogados, pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Multivix (ES) e consultor em Direito Administrativo, Ambiental, Minerário e Urbanístico.

João Pedro Riff Goulart é sócio do escritório David & Athayde Advogados, pós-graduando pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) em Direito Econômico e Regulatório e consultor em Direito Administrativo, Regulatório, Integridade Corporativa, Licitações e Contratos Administrativos.

Consultor Júridico

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