Opinião: Prorrogação de concessões das distribuidoras de energia

O racional estrutural e legal

O contrato de prestação dos serviços públicos de distribuição de energia elétrica é um instrumento de longo prazo firmado com o poder concedente, para a operação de uma determinada área de concessão, com prazo de 30 anos, com possibilidade de prorrogação, com certas condições, limites e obrigações, que, em suma, orientam a prestação do serviço adequado e o equilíbrio econômico.

De maneira geral, o modelo econômico subjacente ao negócio de distribuição de energia elétrica deriva de um monopólio natural. Esse monopólio se estabelece, antes de ser constituído em lei, pela subaditividade [1] de custos com as economias de escala para atender o crescimento da demanda.

Nessas condições, o ambiente de competição com dois ou mais provedores não consegue oferecer custos menores do que apenas um fornecedor. O que materializa um monopólio natural é basicamente a dependência do meio físico das indústrias de rede, isto é, a infraestrutura de redes e ativos operacionais, que compreendem os bens concedidos responsáveis por interligar ruas, cidades, estados e regiões dentro de cada área de concessão. Essa complexa infraestrutura elétrica tem como propósito viabilizar o transporte de energia desde o ponto de geração até seu destino final, ou seja, até o consumidor.

A atividade de distribuição, portanto, é singular e, consequentemente, se inspirou nos mais proeminentes casos internacionais para alcançar um desenvolvimento eficiente e seguro. A regra fundamental desse modelo consiste em promover melhorias contínuas na operação, como será explicado posteriormente.

Vale, portanto, trazer alguns conceitos que pavimentam o setor, e, em especial, traçar lições conceituais sobre o modelo do negócio de distribuição de energia elétrica, passando pela gênese contida na Constituição, pela evolução da lei das concessões e do próprio modelo de negócio da distribuição e pela regulação setorial.

A Constituição, em seu artigo 175, parágrafo único, inciso I [2] é expressa ao dispor que a lei disporá sobre o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, incluindo o caráter especial de seus contratos e das respectivas prorrogações.

A Lei 9.074/1995 dispõe que as contratações, outorgas e prorrogações poderão ser feitas a título oneroso em favor da União (§ 1º, artigo 4º) e que as concessões de distribuição de energia elétrica terão prazo limitado de trinta anos, o qual pode “ser prorrogado no máximo por igual período, a critério do poder concedente, nas condições estabelecidas em contrato” (§ 3º, artigo 4º). O interesse na prorrogação deve ser manifestado pelo concessionário ou permissionário em até trinta e seis meses anteriores à data final do respectivo contrato e o poder concedente deve se manifestar sobre o requerimento até dezoito meses antes dessa data (§ 4º, artigo 4º) [3].

As cláusulas essenciais do contrato de concessão estão estabelecidas no artigo 23 da Lei 8.987/1995, havendo menção expressa às condições para respectiva prorrogação (inciso XII) [4].

A Lei 12.783/2013 ratificou a possibilidade de prorrogação dos contratos de concessão dos serviços de distribuição de energia elétrica por uma única vez e pelo prazo de até trinta anos de forma a assegurar a continuidade, a eficiência da prestação do serviço, a modicidade tarifária e o atendimento a critérios de racionalidade operacional e econômica” (artigo 7º[5]).

Sem um grande esforço sistemático, as condições do modelo, incluindo a continuidade e prorrogação dos contratos, são pressupostos fundamentais para a existência e validade do modelo de distribuição de energia elétrica. Com investimentos anuais significativos de aproximadamente R$ 20 bilhões apenas em ativos elétricos, cuja remuneração ocorre ao longo da vida útil desses ativos, há uma interdependência entre o contrato e sua continuidade. Essa relação tem como objetivo promover o crescimento e a adequação da rede, garantindo segurança, qualidade, preços acessíveis e a melhoria contínua dos serviços.

A racionalidade econômica do modelo de distribuição

O modelo de negócio presente nos contratos de concessão das distribuidoras de energia elétrica é fundamentado na regulação baseada em incentivos. Esse modelo busca, de forma contínua e sistemática, por meio de ciclos de revisão tarifária realizados a cada cinco anos, aprimorar a eficiência operacional, os indicadores econômicos e a qualidade dos serviços. Como resultado dessas melhorias, os ganhos de eficiência são direcionados diretamente ao consumidor por meio da modicidade tarifária, refletindo em custos operacionais mais eficientes e, consequentemente, reduzindo efetivamente as tarifas para os consumidores.

Em outras palavras, o operador do serviço de distribuição de energia elétrica tem a responsabilidade de alocar anualmente um capital intensivo para investir e garantir a prestação adequada e contínua do serviço em sua área de concessão. A remuneração desse operador é estabelecida pelo regulador com base em um percentual definido pelo Custo Médio Ponderado de Capital (Wacc regulatório), que incide sobre o capital investido.

Ao contrário de outros setores de negócio, o modelo de distribuição de energia elétrica apresenta uma lógica econômica distinta. Nesse modelo, busca-se entregar ao consumidor, em cada ciclo tarifário de cinco anos, uma tarifa eficiente, baseada nos resultados operacionais e econômicos de cada distribuidora. Isso é alcançado por meio de um modelo de referência estruturado e regulado, estabelecido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), no qual as distribuidoras são incentivadas a buscar os melhores resultados operacionais em cada ciclo. Caso contrário, há o risco de inviabilizar economicamente a concessão e reduzir a parcela de remuneração do acionista.

A parte da tarifa referente à atividade de distribuição, que corresponde aproximadamente a 23% do valor total de uma conta de energia elétrica, é nominalmente decrescente ao longo dos anos, desde que a concessão em questão cumpra os requisitos e indicadores econômicos e de qualidade estabelecidos com base nos melhores benchmarks para cada atividade crítica da operação, tais como qualidade do serviço, continuidade do fornecimento, redução da inadimplência, mitigação das perdas elétricas, entre outros.

Portanto, o modelo adotado para capturar os ganhos de eficiência e revisar continuamente as tarifas em benefício da modicidade tarifária resulta em uma redução estrutural dos custos operacionais, conhecidos como custos eficientes, visando alcançar o menor custo possível para cada atividade específica. Além disso, busca-se melhorar os indicadores de qualidade e desempenho econômico. Essa abordagem pode ser considerada uma espécie de bonificação ao consumidor pelos ganhos de eficiência, traduzida em redução das tarifas em cada período pelas distribuidoras.

Você deve estar se perguntando o porquê a redução sistemática na parcela da tarifa de distribuição passa despercebida pelos consumidores. A resposta é simples: a conta de luz é composta por diversos componentes e custos, como geração, transmissão, encargos setoriais e tributos. A cada revisão tarifária, quando se somam todos esses componentes, a redução estrutural no custo das distribuidoras acaba sendo ofuscada pela pressão exercida pelos demais elementos. Confira o gráfico abaixo, que revela as oscilações nos custos presentes na conta de luz ao longo dos últimos 11 anos.

Ao examinar o desempenho das diferentes componentes tarifárias presentes em uma fatura de energia elétrica, como transmissão, geração, distribuição, encargos setoriais e tributos, observa-se que a parcela referente à distribuição apresenta um reajuste inferior à taxa de inflação do período. Essa diferença é atribuída à eficiência operacional, conhecida como Fator X, que é calculada em cada ciclo tarifário e é deduzida do valor correspondente à distribuição. Esse aspecto comprova a eficácia e coerência do modelo vigente.

Por outro lado, se a distribuidora não alcança os indicadores econômicos e de qualidade estabelecidos, ocorre uma mudança de cenário. Isso resulta na redução da rentabilidade permitida, na perda de atratividade e na capacidade de investimento. Consequentemente, é estabelecido um plano de resultados rigoroso em conjunto com a Aneel e o operador, e em casos extremos, a caducidade dos direitos da distribuidora é uma possibilidade, nos termos da lei e do contrato vigente.

Em outras palavras, dentro do contexto do modelo legal e regulatório vigente, baseado nos conceitos de regulação por incentivo, a eficiência torna-se um fator determinante para a existência e continuidade das concessões. Aqueles que demonstram eficiência operacional e cumprem os requisitos estabelecidos têm seu espaço garantido, sendo reconhecidos e beneficiados pelo modelo em vigor. Por outro lado, para aqueles que não conseguem alcançar os padrões de eficiência estabelecidos, o cenário é diferente, enfrentarão restrições e dificuldades. Essa dinâmica ressalta a importância de uma gestão eficiente e estratégica, garantindo viabilidade e competitividade às concessionárias em um ambiente regulatório cada vez mais exigente.

Segundo a perspectiva adotada, seja sob uma análise constitucional, legal, contratual ou econômica, denota-se que sobre os contratos de concessão de distribuição de energia elétrica, incidem regramento e modelo próprios, os quais pelas razões acima, emolduram-se de características que, sistemática e continuamente, capturam os ganhos de eficiência em prol da modicidade tarifária. Esse modelo estabelece um círculo virtuoso para todo o setor e, sobretudo, para os consumidores brasileiros.

 


[1] Em matemática, a subaditividade é a propriedade de uma função que afirma, grosso modo, que avaliar a função para a soma de dois elementos do domínio sempre retorna algo menor ou igual à soma dos valores da função em cada elemento.

[2] Constituição Federal: (…) Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre:

I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;

II – os direitos dos usuários;

III – política tarifária;

[3] Lei 9.074/1995: (…) “Art. 4o As concessões, permissões e autorizações de exploração de serviços e instalações de energia elétrica e de aproveitamento energético dos cursos de água serão contratadas, prorrogadas ou outorgadas nos termos desta e da Lei no 8.987, e das demais.

§ 1º As contratações, outorgas e prorrogações de que trata este artigo poderão ser feitas a título oneroso em favor da União.

§ 2º As concessões de geração de energia elétrica anteriores a 11 de dezembro de 2003 terão o prazo necessário à amortização dos investimentos, limitado a 35 (trinta e cinco) anos, contado da data de assinatura do imprescindível contrato, podendo ser prorrogado por até 20 (vinte) anos, a critério do Poder Concedente, observadas as condições estabelecidas nos contratos.

§ 3º As concessões de transmissão e de distribuição de energia elétrica, contratadas a partir desta Lei, terão o prazo necessário à amortização dos investimentos, limitado a trinta anos, contado da data de assinatura do imprescindível contrato, podendo ser prorrogado no máximo por igual período, a critério do poder concedente, nas condições estabelecidas no contrato.

§ 4º As prorrogações referidas neste artigo deverão ser requeridas pelo concessionário ou permissionário, no prazo de até trinta e seis meses anteriores à data final do respectivo contrato, devendo o poder concedente manifestar-se sobre o requerimento até dezoito meses antes dessa data. (…)”

[4] Lei 8.987/1995: “(…) Art. 23. São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas:

I – ao objeto, à área e ao prazo da concessão;

II – ao modo, forma e condições de prestação do serviço;

III – aos critérios, indicadores, fórmulas e parâmetros definidores da qualidade do serviço;

IV – ao preço do serviço e aos critérios e procedimentos para o reajuste e a revisão das tarifas;

V – aos direitos, garantias e obrigações do poder concedente e da concessionária, inclusive os relacionados às previsíveis necessidades de futura alteração e expansão do serviço e conseqüente modernização, aperfeiçoamento e ampliação dos equipamentos e das instalações;

VI – aos direitos e deveres dos usuários para obtenção e utilização do serviço;

VII – à forma de fiscalização das instalações, dos equipamentos, dos métodos e práticas de execução do serviço, bem como a indicação dos órgãos competentes para exercê-la;

VIII – às penalidades contratuais e administrativas a que se sujeita a concessionária e sua forma de aplicação;

IX – aos casos de extinção da concessão;

X – aos bens reversíveis;

XI – aos critérios para o cálculo e a forma de pagamento das indenizações devidas à concessionária, quando for o caso;

XII – às condições para prorrogação do contrato;

XIII – à obrigatoriedade, forma e periodicidade da prestação de contas da concessionária ao poder concedente;

XIV – à exigência da publicação de demonstrações financeiras periódicas da concessionária; e

XV – ao foro e ao modo amigável de solução das divergências contratuais. (…)”

[5] Lei 12.783/2013: “(…) Art. 7º A partir de 12 de setembro de 2012, as concessões de distribuição de energia elétrica alcançadas pelo art. 22 da Lei nº 9.074, de 1995 , poderão ser prorrogadas, a critério do poder concedente, uma única vez, pelo prazo de até 30 (trinta) anos, de forma a assegurar a continuidade, a eficiência da prestação do serviço, a modicidade tarifária e o atendimento a critérios de racionalidade operacional e econômica. (…)”

Parágrafo único. A prorrogação das concessões de distribuição de energia elétrica dependerá da aceitação expressa das condições estabelecidas no contrato de concessão ou no termo aditivo.”

Wagner Ferreira é advogado e árbitro, diretor institucional e jurídico da Abradee, integrante do Comitê de Energia da Camarb, do Conselho Fiscal do Fórum do Meio Ambiente e Sustentabilidade do Setor Elétrico e do Comitê Gestor da plataforma consumidor.gov, pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, MBA em Gestão Empresarial pela FGV e liderança pela Fundação Dom Cabral

Marco Antônio Delgado é engenheiro eletricista, conselheiro de Administração da CCEE, doutor e mestre em Planejamento Energético pela UFRJ.

Maria Madalena Gonçalves Porangaba é advogada especialista em energia, vice-presidente da Comissão Permanente de Estudos de Direito de Energia no Iasp, gerente-executiva jurídica e de Segurança de Mercado da CCEE, mestre em Processo Civil pela USP e especialista em Direito do Petróleo e Gás pela FGV.

Consultor Júridico

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