Parente Miranda: O IBS, o setor de serviços e a pejotização

Sófocles, um dos mais importantes dramaturgos da Grécia Antiga, já alertava que “o raciocínio e a pressa não se dão bem”. Essa máxima, apesar de antiga, não envelheceu e deve ser levada ainda mais a sério, tratando-se de decisões com grande impacto político e social, como no caso de mudanças estruturais no sistema tributário de um país.

No Brasil, a Câmara dos Deputados, a pretexto de agir com urgência para tornar a ordem tributária mais simples, justa e eficiente, aprovou, com agilidade, em julho deste ano, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 45-A, que promove uma série de modificações sobretudo na tributação do consumo.

Embora seja indiscutível a necessidade da reformulação do nosso modelo fiscal, a Câmara dos Deputados acabou, apressadamente, acelerando a tramitação de uma matéria que demandava, na realidade, maturação e racionalidade.

Prestigiou-se, portanto, a velocidade em detrimento da precisão, de maneira que a nova política fiscal a ser instaurada no país já pode nascer com sérias distorções.

A PEC, dentre outras alterações, prevê a instituição da Contribuição de Bens e Serviços (CBS), no lugar principalmente do PIS/Cofins, e a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que substituirá e unificará o ICMS e ISS. Os novos tributos terão os mesmos contribuintes, base de cálculo e terão um amplo campo de incidência sobre operações envolvendo bens e serviços.

A instituição da CBS, em um primeiro momento, não parece que promove uma mudança substancial na carga tributária. A princípio, estima-se que a sua alíquota gire em torno de 8%, enquanto a do PIS/Cofins seria de 3,65% (no regime cumulativo) e 9,25% (no regime não cumulativo). Já a criação do IBS, em razão dos seus efeitos em circunstâncias específicas, se revela mais preocupante.

A ideia revelada pela PEC é de que o IBS tenha uma alíquota uniforme, independentemente da situação econômica onerada. Isto é, estarão sujeitos, em tese, a uma mesma carga tributária do imposto o prestador de serviço e o comerciante. Há, portanto, uma equiparação entre as duas atividades, para fins de cobrança do IBS.

Com uma alíquota-padrão estimada em torno de 17%, o imposto, em princípio, terá um abrangente sistema de não cumulatividade, sem incorporar as restrições hoje existentes especialmente em relação ao ICMS. Assim, o contribuinte, de acordo com a PEC, terá o direito de abater do IBS devido nas operações que promove o crédito referente ao imposto que incidiu sobre os bens e serviços que adquiriu.

No novo IBS, para o vendedor de mercadoria, aparentemente, não haverá um incremento de carga tributária, considerando que o ICMS já tinha uma alíquota média de 18%, nas operações realizadas dentro de um mesmo Estado, e o imposto, embora com amplitude menor, já era não cumulativo.

No entanto, em relação ao prestador de serviço, que estava sujeito a uma alíquota de ISS de 2% a 5% sobre o valor da prestação, haverá uma impactante sobrecarga tributária.

Embora o IBS venha a ser um tributo não cumulativo, a alíquota do novo imposto será muito superior à do ISS. Além disso, diferentemente do comércio, o setor de serviço tende a ter muito menos insumos, de modo que o crédito de IBS que teria para aproveitar e abater do seu imposto devido, por meio da não cumulatividade, seria muito reduzido.

Imaginemos, por exemplo, instituições de ensino; estacionamentos; empresas de armazenamento e guarda de bens; agências de publicidade e propaganda; escritórios de contabilidade; consultorias etc. Seus insumos, assim considerados despesas diretamente vinculadas à execução dos serviços, são essencialmente mão de obra, material de papelaria e softwares.

Ocorre que, do ponto de vista do IBS, o material humano que integra a sociedade e executa o trabalho, contratado com vínculo empregatício, não gera direito a crédito do imposto, já que o imposto em questão não incide sobre as relações de emprego.

Nesse cenário, analisando especificamente o IBS para o setor de serviços, seria mais vantajoso, em vez de contratar empregados, criando-se postos de trabalho, contratar mão de obra terceirizada constituída sob a forma de pessoa jurídica, reduzindo o corpo de assalariados da empresa.

Dessa forma, em vez de pagar contribuições previdenciárias e demais encargos trabalhistas, passaria a remunerar a massa humana da sua produção por meio da contratação de empresas, com o direito de utilizar o valor do IBS cobrado sobre a prestação de serviço do seu agora fornecedor, para diminuir o valor do IBS que ele próprio pagará.

Logo, embora a intenção da PEC seja adotar medidas que promovam simplificação e justiça tributária, a instituição do IBS no formato previsto, especificamente para o setor de serviços, além de promover um aumento significativo na carga tributária, que será suportado pelo consumidor por meio do aumento dos preços, pode gerar um enfraquecimento das relações empregatícias.

Nesse cenário, com o estímulo à contratação de prestadores de serviço constituídos na forma de pessoa jurídica, os postos de emprego tendem a ser reduzidos, afetando até mesmo a arrecadação da previdência social.

Atualmente, a Proposta de Emenda à Constituição foi encaminhada para o Senado e aguada a sua deliberação. Espera-se que o texto possa ser ajustado e que suas deformidades possam ser corrigidas, evitando-se que, pelo menos para o segmento de serviço, a “Emenda” seja pior que o soneto.

Túlio Terceiro Neto Parente Miranda é mestre em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP), professor da pós-graduação do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e sócio do Rivitti e Dias Advogados.

Consultor Júridico

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