Retomando o que discutíamos em outro artigo nesta ConJur [1], o objeto maior do direito do agronegócio repousa sobre o fenômeno jurídico do complexo agroindustrial, que abarca dimensões normativas (regime jurídico do agronegócio), de conteúdo-composição (atividades econômicas organizadas) e de integração-eficácia (conceito de rede de negócios jurídicos agroindustriais), salientando em outro artigo [2] a importância da denominada “empresa agroindustrial” como instituto central da teoria geral desse sub-ramo do direito comercial.
O presente artigo visa explorar as teorias econômicas que conformam o conceito de sistemas agroindustriais e firma, tendo em vista o instituto jurídico do contrato, de modo a evidenciar as características e funções essenciais que o contrato desempenha na dinâmica do agronegócio brasileiro.
Tendo em vista que o agronegócio é um conceito de natureza econômica, envolvendo agentes econômicos e negócios organizados em cadeia de produção, torna-se inafastável o exame de teorias econômicas que permitiram essa compreensão sistêmica e integrada das atividades econômicas desempenhadas ao longo das cadeias agroindustriais.
Como dito linhas acima o objeto geral do direito do agronegócio é o complexo agroindustrial, o qual, entretanto, é composto por diversos sistemas agroindustriais (SAGs) relacionados aos variados produtos agropecuários, os quais acabam por denominar o sistema ao qual estão atrelados (SAG do café, do leite etc.).
Uma importante preocupação relacionada à visão sistêmica dos SAGs é a da coordenação das atividades econômicas compreendidas, como forma de garantir o pleno funcionamento e desenvolvimento de toda a cadeia de negócios.
Hoje, tem-se que a atividade de produção no campo, enquanto atividade econômica organizada e profissional, voltada ao mercado e visando lucro, constitui-se atividade empresarial, sendo desenvolvida no âmbito da empresa. Como apresenta Buranello: “Hoje as propriedades rurais são entendidas como organizações agroindustriais. É a conotação profissional e organizada dada ao termo agronegócio a responsável por essa mudança de paradigma” [3].
Na medida que consideramos os SAGs como sistemas produtivos, é importante ter em mente o conceito desses sistemas como “conjunto de relações verticais estabelecidas por contratos” [4]. Desse modo, o contrato é o elemento de ligação fundamental entre os diversos segmentos compreendidos pelo agronegócio, sendo o foco deste texto examinar funções e características que os contratos assumem no âmbito dos sistemas agroindustriais.
Dois conceitos econômicos, em particular, são caros à caracterização dos sistemas agroindustriais, os quais abordam, com seus traços particulares, o fenômeno da integração de setores em cadeias de produção, sendo os conceitos em questão a filiére francesa e o CSA americano.
Abordando o conceito de filière (cadeia), desenvolvido no âmbito da escola francesa de organização industrial, no que tange à natureza vertical das relações dos sistemas produtivos, podemos adicionar seu sentido ordenado, com relações interdependentes, complementares e hierárquicas.[5]. O conceito em questão também visa ressaltar a sucessão de operações relacionadas às transformações por que passam os produtos agroalimentares, apontando que a articulação dessas operações se dá pelas possibilidades tecnológicas e estratégias empresariais [6]. Ainda nessa ordem de ideias, a cadeia agroalimentar representa uma união (cluster) de setores da economia que acabam por se organizar em favor de uma sequência de operações que conduzem à produção de bens.
Ainda analisando o agronegócio desde o ponto de vista econômico, temos a tradição da escola de Harvard, responsável pelo desenvolvimento do conceito de agribusiness, no contexto do Commodity System Approach (sistema de commodities), sistema esse que, além de ser um modelo analítico para a tomada de decisão, considera, de modo sistêmico, as diversas operações e setores, incluindo governos, mercados e associações comerciais, tendo em vista a organização/coordenação das operações do fornecimento de insumos ao consumidor final.
A principal diferenciação que pode ser apontada com relação aos dois conceitos acima apontados diz respeito ao foco de cada um: na filière, o foco repousa nas relações tecnológicas; no CSA, na questão da coordenação dos segmentos.
Tendo como base importante obra [7] para compreensão das bases econômicas de organização dos SAGs (que utilizamos como referência fundamental para os apontamentos que fazemos na matéria) é relevante considerar, como já dissemos linhas acima, que os sistemas agroindustriais, enquanto sistemas produtivos, carecem de organização por meio de estruturas que promovam a coordenação da ação dos diversos agentes econômicos envolvidos nos variados segmentos de determinada cadeia de produção, sendo tais estruturas denominadas estruturas de governança.
Desde o ponto de vista da teoria das organizações, tem-se que a estrutura de governança se encontra na condição de sinônimo de contrato/relação contratual, sendo a firma uma das formas de coordenação ou organização do sistema. Nesse sentido, também é importante mencionar, em termos de organização dos sistemas produtivos, que, ao lado da firma, também há, como alternativa, a forma organizacional de mercado, definida como “arranjo institucional em que atores econômicos autônomos, com identidades preservadas, decidem de forma eficiente e sem custos a alocação de recursos” [8].
De modo sucinto, para organização das transações os agentes econômicos possuem à sua disposição as alternativas de celebrar contratos ou realizar transações no mercado, sendo a firma um conceito formado a partir da noção de conjunto de contratos, como será tratado adiante.
Como abordávamos no início deste artigo, a figura da empresa (aqui tomada como firma) detém uma importância única para compreensão da dinâmica das relações dos SAGs. Segundo a contribuição de Ronald Coase, citada por Décio Zylbersztajn, a firma pode ser tomada como um nexo de contratos [9] entre agentes econômicos que visa reduzir custos de transação ou realizar transações que não estão disponíveis no mercado.
Partindo da perspectiva da firma como nexo de contratos e segundo a obra mencionada de Farina, a organização dos sistemas produtivos (SAGs) está intimamente relacionada às características das transações celebradas entre os segmentos do sistema produtivo, tendo-se sempre em vista o ambiente institucional e competitivo em que essas transações ocorrem.
Os principais atributos de transações a serem considerados, e que influem nas características e funções do contrato no agronegócio, são a especificidade de ativos, a frequência e a incerteza. Esses atributos acabam por gerar diferentes “desenhos” nos SAGs, impactando as formas de organização da coordenação entre os diversos segmentos do sistema produtivo.
À essa altura, cabe apontar que a noção de firma como nexo de contratos culmina na chamada Economia dos Custos de Transação (ECT), teoria que, partindo daquela noção, busca analisar a dinâmica dos mercados e das firmas tendo como elemento básico de análise a transação e seus custos.
Segundo essa teoria, a preocupação central do sistema deve ser a promoção da eficiência das transações, sendo que contratos eficientes seriam aqueles em que se obtivessem menores custos de transação, custos esses definidos enquanto aqueles que, não relacionados à produção, surgem à medida que os agentes econômicos passam a se relacionar, podendo também ser denominados como custos para acessar o mercado [10].
Da mesma forma, os contratos, ao desempenharem sua função de mecanismos de coordenação, também acabam por oferecer aos agentes econômicos incentivos para a união de esforços conjuntos em favor de determinada empresa produtiva, servindo como elemento adicional à estrutura específica de incentivos econômicos que determina a disciplina do mercado, ou em outras palavras, toda a lógica que movimenta o intercâmbio comercial em nossa sociedade.
Retomando a temática dos atributos das transações que influem na organização geral do SAG, temos que o primeiro dos atributos é a especificidade de ativos. Este atributo pode ser definido como estando associado à questão da rempregabilidade ou não de determinado ativo (recurso controlado por uma entidade), ou seja, quanto maior a especificidade, “maiores serão os riscos e problemas de adaptação” [11] dos ativos considerados.
Já no que diz respeito à frequência, temos que considerar de fato a frequência com que operações são realizadas, de modo que, quanto mais se verificarem transações entre certas partes, maiores serão as possibilidades de os custos de transação serem diluídos, levando assim à sua redução [12].
Também como atributo das transações que influem na organização dos sistemas produtivos, temos a incerteza à qual essas transações estão submetidas e que obriga as partes de um negócio a se adaptarem, podendo ser de natureza primária (incerteza com relação ao Estado) ou secundária (falta de comunicação entre particulares) [13].
Como já expresso, todos esses atributos impactam na organização dos sistemas produtivos, bem como determinam a forma contratual das transações entre os segmentos.
Como melhor analisa Weimar Rocha da Rocha Jr. e outros [14] em detalhado estudo sobre as características dos contratos no agronegócio, é possível que esses contratos sejam classificados segundo os critérios relacionados aos três atributos de transação que apresentamos linhas acima.
Diante das conclusões do estudo, vemos que certas modalidades de contrato, como o arrendamento de cana-de-açúcar, têm sua escolha determinada em função de atributos da transação (frequência) considerada entre o segmento produtor e a agroindústria, o que acaba por gerar uma organização específica do SAG (sistema produtivo).
A forma contratual adotada, desse modo, ao responder às características das transações que representa, acaba por visar sempre a maior economia possível quanto aos custos de transação, objetivando eficiência e o melhor equilíbrio dos diferentes atributos das transações.
A condição do contrato como mecanismo de coordenação de sistemas agroindustriais (SAGs), ou seja, como estruturas de governança entre segmentos produtivos que visa garantir a performance adequada de toda a rede de negócios, leva aquele instituto jurídico a assumir uma importante postura de garantidor de uma alocação eficiente de recursos, a qual deve ser respeitada pelas partes e pelo Judiciário.
Um caso representativo dessa função primordial do contrato no agronegócio é o acordão do STJ de relatoria do ministro Antônio Carlos Ferreira [15], que examinou contrato de compra e venda de coisa futura (soja), reiterando o respeito de princípios contratuais essenciais na seara do direito comercial, à qual o direito do agronegócio está vinculado.
Nesse sentido, os princípios da autonomia da vontade e da força obrigatória das avenças acabam por traduzir em termos jurídico a tutela de todas as variantes que determinaram a alocação de recursos de determinado modo em um contrato, ou seja, aqueles princípios, ao versarem sobre matéria eminentemente comercial, visam assegurar que a distribuição de riscos ao longo da rede de negócios, feita pelos agentes econômicos, seja de fato respeitada. Isso porque toda a “lógica” por detrás do adequado funcionamento do sistema produtivo (SAG) reside nessa distribuição de risco realizada pelos empresários, o que, caso alterado por meio de normas jurídicas ou decisões judiciais, pode levar à séria quebra da unidade da cadeia, trazendo importantes prejuízos para o funcionamento do sistema como um todo.
Como bem examina Buranello, as preocupações que guiam a aplicação e formação de contratos, ao lado de outras, são especialmente “a redução de incertezas relacionadas com a disponibilidade, qualidade e custos dos insumos” e a “redução dos riscos associados à volatilidade de preços”[16]. Assim, a redução de incertezas, ao estar associada à questão dos riscos aos quais os negócios agroindustriais estão expostos, representam funções essenciais do contrato no sentido de minimização dos custos de transação e promoção da eficiência e competitividade dos sistemas agroindustriais brasileiros.
O direito do agronegócio, um dos mais novos ramos do direito comercial, apresenta-se assentado em princípios que orientam o Estado e os particulares à proteção da cadeia agroindustrial e à integração das atividades desta cadeia, o que, em termos econômicos, poderia ser tomado como sendo a promoção da alocação eficiente de recursos por meio de estruturas de governança que forneçam menores custos de transação, e consequentemente, na seara do comércio global, produtos de exportação muito mais competitivos.