Paula Stemberg: Tributação de “adiantamento a depositantes”

Os impulsos de consumo por necessidade ou extravagância são comuns, assim como é comum que o limite de crédito pactuado entre um banco e o cliente consumidor seja extrapolado em razão desses mesmos impulsos.

Dessa situação decorre que os bancos viabilizam um novo crédito aos seus clientes. Mas para que possam concedê-lo, fazem previamente uma verificação de informações e avaliam os riscos e a viabilidade de se conceder tal crédito.

Muitas municipalidades têm cobrado o ISS nessas duas atividades, na concessão do crédito, bem como no levantamento de informações e avaliação da viabilidade para a concessão do crédito.

Tem-se aí uma cobrança de ISS que viola o sistema constitucional, e que tem sido confirmada pelos Tribunais de Justiça regionais.

O problema jurídico insurgente é que no contexto em que o levantamento de informações e avaliação de viabilidade para a concessão do crédito ocorre, a atividade é precedente e condicional à atividade de concessão de crédito. É uma atividade-meio, por isso não incide o ISS.

A exegese decorre do artigo 156, III, da CF, que determina em sua interpretação sistemática ser “prestar serviço” o critério material da hipótese de incidência do ISS, da doutrina, e do REsp 883254 / MG [1]. Esse precedente discutia ICMS e ISS sobre serviço de telecomunicação, e ao diferenciar atividade-meio de atividade-fim, definiu duas coisas. A primeira é que no sistema tributário brasileiro o contexto da realização da atividade é essencial para diferenciar se ela é meio ou fim. A segunda é que nesse sistema apenas a atividade-fim é considerada como serviço.

A partir do referido acórdão compreende-se que a atividade-meio é aquela que ocorre como uma etapa que precede a atividade que põe fim ao contrato estabelecido entre o banco-contribuinte e seus clientes-terceiros. O benefício da atividade-meio é do próprio banco, porque é a partir dela que ele pode realizar a atividade-fim. A atividade-fim é aquela que ocorre em benefício do terceiro, dando fim ao contrato havido com o banco-contribuinte. E o ISS só incide sobre as atividades-fim praticadas pelos contribuintes. Quando as atividades-meio são praticadas, não há que se cogitar a incidência do ISS.

Um esclarecimento necessário é que ainda que a atividade-meio possa ser referida como sendo um serviço no vocabulário comum, não é serviço no vocabulário jurídico, para fins de incidência do ISS. Interessa à discussão compreender que serviço, no vocábulo jurídico tributário, é como visto, apenas a atividade-fim que o contribuinte presta a um terceiro que se beneficia dessa atividade.

Para exigir ISS sobre o adiantamento a depositantes os municípios valem-se costumeiramente da tese firmada no Tema Repetitivo 132 do STJ, que legítima a incidência de ISS sobre os serviços bancários congêneres da lista anexa [2].

Mas não se trata de reconhecer serviços congêneres na interpretação extensiva da Lista Anexa à Lei Complementar 116/2003, e sim de identificar se existe serviço prestado ou não.

Há, aliás, um item que inclui o estudo de operações de crédito, o item 15.08 [3]. Esse item só seria em tese aplicável quando um serviço fosse praticado, ou seja, quando a atividade praticada pelo banco fosse uma atividade-fim. O que não é possível reconhecer se o levantamento de informações e estudo de viabilidade beneficia ao banco, como atividade que precede e ocorre em função da eventual concessão do crédito beneficiadora de terceiro.

Doutro modo dito, o item 15.08 não se aplica a esse caso, ainda que em interpretação extensiva já autorizada pela Corte Suprema [4], porque não há um serviço prestado (no vocabulário jurídico tributário).

Há quem possa dizer que pelo fato de a atividade-meio ser taxada pelo banco à sua clientela, exsurgiria o fato gerador do ISS.

Mas ainda assim a forçada cobrança é inconstitucional. Veja-se que embora a onerosidade possa ser considerada como um dos elementos que, via de regra, acompanham a relação jurídica entre contribuinte e terceiro (banco e seus clientes), da qual decorre a relação jurídica tributária entre o fisco e o contribuinte (fisco e banco), esse elemento não compõe o rol daqueles elementos necessários e suficientes para diferenciar se a atividade é meio ou se é fim — serviço.

A diferenciação entre um tipo de atividade e outro se faz pela lógica dos fatos.

Se não houver a necessidade de o banco conceder o crédito, não realizará o levantamento de dados e avaliação do risco e da viabilidade da concessão do crédito. Logo, o referido levantamento e avaliação precedem compõem a etapa a partir da qual o serviço poderá ser prestado.

Qualquer atividade pode ser meio ou fim, mas o contexto na qual se situa, revela se trata-se de uma ou de outra hipótese.

Veja-se que a própria Circular nº 3.371/2007-Bacen, que define a rubrica de adiantamento a depositantes, identifica-a como “levantamento de informações e avaliação de viabilidade e de riscos para a concessão de crédito para cobertura de saldo devedor em conta corrente de depósitos à vista e de excesso sobre o limite previamente pactuado de cheque especial”.

Por fim, a rubrica “adiantamento a depositantes” é uma atividade-meio e não um serviço, de modo que a cobrança de ISS sobre essa rubrica está à larga distância do amparo constitucional.

Paula Stemberg é mestra em Direito do Estado pela UFPR, advogada, professora universitária licenciada e conselheira na Junta de Recursos Administrativos-Tributários da Prefeitura Municipal de Curitiba (PR).

Consultor Júridico

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