Pedro Diniz: Competência de foro sobre previdência privada

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) declarou a incompetência da Justiça comum para apreciar ação movida contra patrocinador de plano de previdência privado com pedido de recomposição de reserva matemática de participante de plano de benefícios.

O julgamento envolve as teses anteriormente fixadas pelo STJ no Tema 936, 955 e 1.021, bem como os julgamentos do Tema 190 e 1.166 pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O assunto é bastante relevante, tendo em vista que se comunica com direito material sensível para considerável parte da população, afetando a judicialização do contrato de previdência mantido no regime de previdência complementar, com guarida na capitulação da ordem social da Constituição.

A 2ª Seção do STJ decidiu, por unanimidade de votos, em conformidade com o voto da relatora ministra relatora Nancy Andrighi e voto vista a ministra Maria Isabel Gallotti, dar parcial provimento aos embargos de divergência nº EAREsp 1.975.132/DF (2021/0274101-6), interposto por participante de plano de benefícios, para reconhecer a incompetência da Justiça Comum para o exame de ação com pedido de revisão de benefício de aposentadoria complementar cumulada com pedido recomposição da reserva matemática, conforme sessão de julgamento ocorrida em 12 de abril e 2023.

A 2ª Seção faz referência aos julgamentos de repercussão geral do STF havidos no Tema 190 e Tema 1.166, nos quais foram debatidos os limites da competência da Justiça Trabalhista e da Justiça comum para julgamento de demandas oriundas do contrato previdenciário.

Relembramos que o STF definiu a incompetência da Justiça Trabalhista para apreciar ações movidas contra entidades fechadas de previdência complementar no Tema 190, através do julgamento dos recursos extraordinários RE 583.050, RE 586.453, conforme acórdão publicado em 06 de março de 2013.

Desde então, as novas ações ajuizadas com pedido de revisão de aposentadoria complementar ficaram a cargo da Justiça comum, atendendo a modulação de efeitos para reconhecer a competência da Justiça Trabalhista para processar e julgar tão somente as demandas anteriormente distribuídas e sentenciadas até a data de 20 fevereiro de 2013.

O posicionamento do STF foi mantido quando da definição de tese do Tema 1.166, que declarou a competência da Justiça Trabalhista para processar e julgar ação trabalhista contra o empregador patrocinador objetivando o pagamento de diferenças salariais e respectivos reflexos nas contribuições devidas à entidade previdenciária, conforme julgamento do recurso extraordinário RE 1.265.564, com acórdão publicado em 14 de setembro de 2022.

Assim, em linhas gerais temos o posicionamento do STF: 1) pela incompetência da Justiça Trabalhista e consequente competência da Justiça comum para julgar as ações com pedido de revisão de aposentadoria contra fundos de pensão ainda não sentenciadas até 20 de fevereiro de 2013; e 2) pela competência da JTr e consequente incompetência da comum para julgar ações contra empregador patrocinador com pedido de pagamento de verbas trabalhistas e reflexos nas contribuições devidas à previdência privada.

Nesse momento, a 2ª Seção do STJ converge seu posicionamento para abarcar as teses fixadas em ambos dos temas do STF, determinando a incompetência da Justiça comum para apreciar demanda que verse sobre o pagamento de reserva matemática por parte de patrocinador de plano de benefícios para entidade de previdência complementar.

Primeiramente, a 2ª Seção do STJ fez distinção da tese firmada no Tema 936, que determinou a ilegitimidade de patrocinador para figurar em ação que verse sobre pedido de revisão de benefício de previdência privada. Isto porque o pedido em questão é baseado na obrigação patronal de aporte contributivo e dever de indenização pela formação da reserva matemática em decorrência de verbas trabalhistas não pagas quando da atividade laboral do participante, que limitaram o volume de contribuição ao plano de benefícios.

Nesse sentido, o voto de relatoria da ministra Nancy Andrighi inicialmente entendeu pelo provimento do embargo de divergência interposto pelo participante do plano de benefícios, reconhecendo a legitimidade do empregador patrocinador para figurar no polo passivo da demanda, determinando o retorno dos autos para o Tribunal de Justiça do Distrito Federal para julgamento da apelação interposta.

Contudo, o voto vista da ministra Maria Isabel Gallotti destacou que a competência para o julgamento do pedido em face do patrocinador de plano de benefícios tem guarida constitucional, cabendo a apreciação de ofício da questão preliminar, mesmo que o assunto não tenha sido mencionado nas razões recursais.

Assim, a ministra Maria Isabel Gallotti entendeu pelo provimento parcial dos embargos de divergência, reconhecendo a legitimidade do patrocinador para figurar na demanda em razão da aplicação do item II da tese fixada no Tema 936 do STJ, bem como declarando a incompetência da Justiça comum para apreciação do feito, sendo seu voto seguido pela ministra relatora Nancy Andrighi, que retificou a fundamentação de seu voto.

Ou seja, por não se tratar apenas de pedido de revisão de renda inicial de benefício por parte de fundo de pensão, mas sim de pleito cumulado com requerimento de pagamento de reserva matemática por parte do patrocinador do plano de benefícios em decorrência de ilícito patronal, justifica-se a legitimidade do patrocinador para responder a ação e se reconhece a incompetência da Justiça comum para apreciar o pedido.

É importante destacar que o julgamento final manteve a condenação da entidade fechada de previdência complementar à revisão do benefício de aposentadoria, mesmo com o afastamento do pedido de pagamento de reserva matemática por parte do patrocinador, sendo necessário voltar nossa análise para adequação do julgado aos Temas 955 e 1.021 do STJ.

A expressão reserva matemática foi amplamente discutida pelo STJ no julgamento do Tema 955 no REsp 1.312.736/RS, posteriormente ratificado nas teses fixadas no Tema 1.021 no REsp 1.778.938/SP e REsp REsp 1.740.397/RS.

Sem pretender esgotar a análise do Tema 955 e Tema 1.021 do STJ, é de relevo indicar que o item I da tese fixada determinou a impossibilidade de revisão da renda mensal inicial de benefícios em razão de verba remuneratória reconhecida anteriormente pela Justiça Trabalhista, enquanto o item II determinou que os prejuízos causados pelo empregador patrocinador em razão da não inclusão dessas verbas na contribuição dos participantes deve ser julgado pela JT.

O Tema 955 e o Tema 1.021 ainda tiveram efeito modulado no item III, que limitou a aplicação das teses fixadas até 8 de agosto de 2018, determinando que as ações anteriores seriam julgadas conforme o caso, permitindo-se a alteração da renda inicial de benefícios desde que observada a previsão contratual e o prévio aporte reserva matemática de pelo participante. Para aquelas ações que não se enquadram nos requisitos apresentados na modulação de efeitos, o item IV do Tema 955 e o Tema 1.021 determinou que os valores referentes a recomposição da reserva matemática devem ser entregues diretamente aos participantes.

Acertadamente, o STJ entendeu pela prevalência do princípio do equilíbrio econômico e financeiro e do princípio da contratualidade, ambos previstos no artigo 202 da Constituição, determinando a impossibilidade de revisão de renda inicial de benefício de previdência privada em razão do recebimento de verba trabalhista após a concessão de aposentadoria, bem como a responsabilidade do participante pelo aporte contributivo e impacto na reserva matemática de plano de benefícios em caso de necessidade de revisão do complemento de aposentadoria.

O conceito de reserva matemática debatido no julgamento do Tema 955 e Tema 1.021 determinou a necessidade de cálculo técnico atuarial para o dimensionamento da formação da reserva de benefícios a conceder em valor presente, de modo a viabilizar a atividade de pagamento de benefícios contratados pelos fundos de pensão. Até este momento, os tribunais superiores não haviam detalhado o conceito de reserva matemática e a necessidade de sua observância para a preservação do equilíbrio financeiro do plano de benefícios, conferindo o correto cumprimento da norma constitucional.

Portanto, não se trata de trata de mero aporte de contribuições ao plano de benefícios, sendo necessário estudo técnico para projetar todo o custo das obrigações contratadas pelo participante em questão. Este é o conceito aproximado de reserva matemática que compreendo como sedimentado pelo STJ, diante de toda produção normativa e regulamentar sobre o tema.

É essa reserva matemática que foi objeto do julgamento em análise, com determinação de incompetência da Justiça comum para apreciação do pedido de pagamento por parte de patrocinador, destinando o aporte para a previdência privada com objetivo de recálculo de renda inicial de benefício.

Em um primeiro momento, pode-se acreditar que a decisão proferida nos embargos de divergência nº. EAREsp1 .975.132/DF está em linha com a jurisprudência do STF e STJ, promovendo a harmonização das teses fixadas ao remeter julgamento do pedido de recomposição de reserva matemática pelo patrocinador aos cuidados da Justiça Trabalhista.

Contudo, o objetivo final da ação é o pagamento de benefício de aposentadoria, com a revisão da renda inicial do complemento pago por fundo de pensão, em razão da inclusão de contribuições sobre verbas remuneratórias de condenação trabalhista anteriormente julgada. O bem de direito debatido não é a indenização por ilícito trabalhista, mas sim a pretensão previdenciária mantida por contrato de previdência privada. Inclusive, a condenação do fundo de pensão foi mantida no julgamento final dos embargos de divergência, sem maiores esclarecimentos sobre a adequação das teses fixadas nos Temas 955 e 1.021 do STJ.

Deve-se atentar para a distinção de direito material dos pedidos formulados na ação, conferindo adequação do julgamento tanto aos posicionamentos sedimentados pelo STJ (Tema 936, 955 e 1.021) quanto pelo STF (Tema 190 e 1.166), que tão bem atenderam o corolário constitucional do regime de previdência complementar.

Nesse caso, dever-se-ia julgar pela incompetência da Justiça comum para julgamento do pedido de pagamento de reserva matemática por parte do patrocinador destinado ao plano de benefícios administrado por fundo de pensão, bem como do pedido subsidiário de pagamento de reserva matemática diretamente ao participante na forma de indenização material, na forma das teses fixadas no Tema 190 e 1.166 do STF, sendo irretocável a decisão neste aspecto.

Consequentemente, em razão da falta de aporte de reserva matemática para o plano de benefícios, dever-se-ia aplicar as teses fixadas no Tema 955 e Tema 1.021, julgando improcedente o pedido de revisão de renda inicial de benefício por parte do fundo de pensão, evidenciando a perda de oportunidade por parte do STJ para consolidação de seu posicionamento sobre o assunto.

É compreensível o desafio do julgador quando defronte com diversos casos apresentados perante o Poder Judiciário, dificultando a aplicação de direito em tese por parte dos tribunais no sistema de recursos repetitivos, sendo importante pontuar a admiração pelo trabalho tão bem desenvolvido nesse complexo sistema de direitos e obrigações que traz a previdência privada.

É nesse mote que devemos sempre buscar a prestação jurisdicional em sua integralidade, o que faltou no caso em análise, devido a supressão de julgamento de mérito do pedido de revisão de aposentadoria complementar, sendo esperado o amadurecimento da jurisprudência do STJ nas próximas oportunidades.

Consultor Júridico

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