Confiar nas instituições, no Estado e nos seus Poderes é determinante para o progresso de uma nação. Por essa razão não podemos conspirar, criticar e desqualificar poderes, congressistas ou ministros apenas porque suas ações não são coincidentes com a nossa maneira de ver o mundo.
Honestamente? Estou muito cansado de ouvir — até mesmo de advogados, juízes e promotores —, que “caminhamos para uma ditadura”, que o ministro Alexandre de Moraes seria “autoritário”. Cansado de ouvir, de incautos e de pessoas de má-fé, críticas sem fundamento ao Judiciário, o qual, na minha percepção, corajosamente garantiu a democracia e impediu um golpe de Estado, engendrado pelo candidato derrotado nas eleições presidenciais de 2022.
É cansativo tentar explicar a pessoas que vivem em transe e num universo paralelo, que a democracia diz respeito ao voto da maioria e a Constituição é forma de contenção do poder.
Os órgãos do Poder Judiciário acertam sempre? Não, mas acertam, muito.
Minha proposta é refletirmos sobre a cantilena dos derrotados, para isso me socorro do professor e do jurista Oscar Vilhena Vieira, que afirmou à Folha de S.Paulo que é possível ao STF exercer o controle sobre a vontade de grupos ou mesmo da maioria, desde que estabeleça limites de sua atuação e para que a democracia sobreviva. São as “limitações habilitadoras”.
Ou seja, estabelecidos os limites é possível à corte restringir decisões que possam colocar em risco a continuidade da democracia ou as pré-condições para que a democracia funcione bem, diante dessa circunstância o controle de constitucionalidade não guarda contradição com a democracia.
O ministro Alexandre de Moraes e os demais ministros do Supremo Tribunal Federal, “não eleitos”, agiram e agem na defesa da democracia e as limitações habilitadoras estão postas claramente; quem questiona a atuação do STF o faz por razões ideológicas (hoje as principais reclamações vêm do campo bolsonarista, mas a esquerda já vocalizou seu descontentamento muitas vezes).
O professor Oscar Vilhena lembrou a teoria alemã denominada “Teoria da democracia militante”, que trata de uma postura institucional de autodefesa, a qual reconhece que, algumas vezes, a existência de cláusula pétrea na Constituição, de lei de defesa da democracia e uma série de autorizações de restrição — inclusive à liberdade de expressão —, não bastam à defesa da institucionalidade, “exigindo um reposicionamento daqueles que habitam as instituições”, pois eles têm o dever de defendê-las.
Nessa perspectiva o STF merece todas as nossas homenagens, pois a corte teve a percepção de que havia risco concreto de ataque às instituições, aos poderes e à democracia. Essa percepção determinou providências que geraram estranhamento à sociedade e à comunidade jurídica (no caso dos ataques ao STF uma norma regimental deu conta de proteger a corte, os ministros e toda a institucionalidade, assim como as providências tomadas a partir do 8/1 é exemplo de ação correta do STF).
A constituição determina harmonia na convivência entre Executivo, Legislativo e Judiciário é a harmonia capaz de manter a estabilidade e o equilíbrio da sociedade; ao Poder Judiciário incumbe a tarefa de administrar a justiça; dentro da lei. Dar a cada um o que é seu. Garantir, por meio do devido processo legal uma solução imparcial e ponderada, de caráter imperativo, aos conflitos.
O protagonismo do Poder Judiciário tem aumentado nas últimas três décadas, o que não é exclusividade do Brasil — e é uma das principais questões em debate na teoria política contemporânea em todo o mundo ocidental. Hoje ocupa um lugar privilegiado no processo decisório na maioria dos países democráticos ocidentais, algumas vezes alterando a vontade popular das urnas e outras interfere na construção e execução de políticas públicas.
Esse fenômeno é o da judicialização da política, que não é um fenômeno novo. Desde que países ocidentais e democráticos passaram a adotar o Tribunal Constitucional como mecanismo de controle dos demais poderes a tensão é frequente. Trata-se de um sistema que obriga que o Poder Executivo negocie seu plano de governo com o Legislativo, bem como a preocupar-se em não infringir a Constituição.
Um exemplo clássico de judicialização da política ocorreu quando o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e o STF regularam o sistema partidário e eleitoral, que ocorreu em razão da omissão do Legislativo. A inércia de um dos poderes abre espaço para a regulação ocorrer por meio do Judiciário, fato que ameaça o equilíbrio entre todos.
O que é trágico é a “politização do Poder Judiciário”, fenômeno que compromete a independência e imparcialidade da prestação jurisdicional, pois ela está vinculada a interesses ideológicos e não ao compromisso com a Constituição. Essa é a principal acusação que o bolsonarismo faz ao STF e ao ministro Alexandre de Moraes.
Não defendo excessos, mas creio na legitimidade da defesa da democracia pelo STF, pois o povo decidiu pela democracia, o que está expresso nas leis e na Constituição.
Em momentos de normalidade institucional, a sociedade civil — campo da ação humana e de interação social — influencia e é influenciada pela economia, pela religião, desejos, medos, sonhos, etc.. É subordinada a um Estado plural que reconhece a política como o campo legítimo para a sociedade associar-se em redes que constituem um campo de luta, a arena onde se forjam alianças, identidades coletivas e valores éticos que buscam influenciar o Estado na elaboração de leis e execução de políticas públicas, sempre pela participação popular.
A substituição do movimento e envolvimento necessário da sociedade civil pela excessiva judicialização é vitória indesejada de uma visão elitista, que nunca teve apreço pela democracia. Contudo, o que vivemos de 2019 a 2022 exigiu a defesa intransigente da democracia.
Pedro Benedito Maciel Neto é advogado, pós-graduado em Processo Civil, Filosofia Social e Planejamento Fiscal pela PUC-SP, tendo cursado Economia Monetária no IE da Unicamp, sócio da Maciel Neto Advocacia, autor de Reflexões sobre o Estudo do Direito (ed. Komedi), conselheiro da Sanasa S.A, ex-professor universitário ex-secretário municipal em Campinas e Sumaré.