Pedro Mosqueira: Limite prudencial sobre edital de concurso

O STF (Supremo Tribunal Federal) julgou em 2011 o tema de repercussão geral nº 161, no qual foi fixada a seguinte tese: “O candidato aprovado em concurso público dentro do número de vagas previsto no edital possui direito subjetivo à nomeação” [1].

Sendo assim, criou-se jurisprudência vinculante no sentido de que uma vez havendo aprovação em concurso público, o candidato tem direito à nomeação caso seja aprovado dentro do número de vagas previsto pelo edital do concurso. Consagrar-se-ia, assim, o princípio da segurança jurídica e da proteção à confiança na Administração Pública. No próprio julgado foi alertado que pode haver exceções a tal direito.

Agência Brasil

Mas, apesar disso, não houve enfrentamento expresso da previsão na Lei de Responsabilidade Fiscal de vedação de contratação de pessoal caso um ente federativo chegue a ter despesas de pessoal iguais ou superiores a 95% do limite previsto pela lei, conforme determinação do art. 22, parágrafo único, da LRF.

“LEI COMPLEMENTAR Nº 101, DE 4 DE MAIO DE 2000

Artigo 22. A verificação do cumprimento dos limites estabelecidos nos artigos 19 e 20 será realizada ao final de cada quadrimestre.

Parágrafo único. Se a despesa total com pessoal exceder a 95% do limite, são vedados ao Poder ou órgão referido no artigo 20 que houver incorrido no excesso: (…)

IV – provimento de cargo público, admissão ou contratação de pessoal a qualquer título, ressalvada a reposição decorrente de aposentadoria ou falecimento de servidores das áreas de educação, saúde e segurança;“.

Se há previsão expressa na Lei de Responsabilidade Fiscal de que é vedado o provimento de cargo público, admissão ou contratação de pessoal a qualquer título caso se chegue a 95% do limite para despesas com pessoal, tal previsão prevalece sobre o edital do concurso público?

Acreditamos que sim. O edital de concurso público é um ato administrativo que deve observar a lei, sob pena de incorrer em nulidade por vício de ilegalidade. Se o ato administrativo for posterior ao atingimento de 95% do limite para despesas com pessoal, ele é ilegal, portanto nulo. Se o ato administrativo for anterior ao atingimento do limite, ele nasce legal, mas perde eficácia a partir do momento em que a condição prevista pela lei (LRF) ocorre.

Só seria possível reconhecer o direito do concurseiro ser nomeado caso ele tivesse um direito adquirido à posse do cargo público, uma vez aprovado no concurso, aplicando-se o artigo 5º, XXXVI da CRFB/1988.

Seria uma possibilidade viável de reconhecer um direito constitucional que se sobrepõe à LRF. Mas a grande verdade é que a aprovação em concurso público não gera direito adquirido à posse no cargo, posto que é mera expectativa de direito.

Podemos dizer que a posse é mera expectativa de direito pois ela decorre do edital do concurso, que é um ato administrativo, não uma lei. Só há direito adquirido quando se preenche condições previstas em lei. E podemos dizer que a lei (LRF) já prevê as hipóteses em que a nomeação não será possível.

A jurisprudência dos tribunais superiores vêm corroborando tal entendimento, vejamos:

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO APROVADO DENTRO DAS VAGAS. DIREITO LÍQUIDO E CERTO INEXISTENTE. TEMA OBJETO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 598.099 EM REGIME DE REPERCUSSÃO GERAL. JULGAMENTO QUE DECLINOU SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS A LEGITIMAR O NÃO PROVIMENTO DAS VAGAS PUBLICADAS NO CERTAME. CONSTATAÇÃO, IN CASU, DE SÉRIA DEGRADAÇÃO NO QUADRO FINANCEIRO-ORÇAMENTÁRIO DO TRIBUNAL, A JUSTIFICAR A ATUAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PARA EVITAR A MAJORAÇÃO DOS GASTOS PÚBLICOS.

1. Trata-se de Agravo Interno contra decisum que negou provimento ao Recurso em Mandado de Segurança.

2. Na espécie, por um lado, verifica-se que a recorrente foi aprovada dentro do número de vagas para o cargo de Assistente Social Judiciário, em concurso promovido pelo TJ-SP, cujo edital previa duas vagas. Tal circunstância, em princípio, consubstanciaria direito subjetivo à nomeação. O provimento, todavia, não ocorreu dentro dos quatro anos de validade do certame (2017 a 2020).

3. Por outro lado, o Estado de SP alega que o Tribunal de Justiça de São Paulo, desde 2019, está no limite dos gastos com pessoal e, ademais, com o cenário de crise financeira que se desenhou em 2020, o deficit de 2019 não foi superado, mas agravado, de modo que a nomeação de novos servidores, além de temerária, violaria a Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF (fl. 345). Ressalta que, já no 2º quadrimestre de 2019, os relatórios de gestão fiscal do TJ-SP apontavam que os gastos com pessoal haviam ultrapassado o limite prudencial previsto no art. 22, parágrafo único, da LRF (fl. 345) e que, não obstante ter sido reduzido o índice – de 5,87% para 5,76% -, o ano de 2020 trouxe um panorama que tornou inviável a nomeação de novos servidores, sob pena de desrespeito ao limite de gastos com pessoal, previsto na LRF (fl.345).

4. Como se vê, a Administração apresentou elementos que comprovam a ocorrência de situação superveniente e grave, suficiente para inviabilizar a nomeação de novos servidores. Assim, numa adequada ponderação de interesses, o interesse público no equilíbrio das contas públicas estaduais e, até mesmo, no pagamento dos servidores estaduais já em atividade se sobrepõe ao interesse particular de candidato aprovado dentro do número de vagas em obter a sua nomeação. O caso se amolda perfeitamente à situação excepcional prevista no RE 598.099/MS.

5. Como ressaltado na decisão proferida pela Suprema Corte, no entanto, o direito à nomeação nesses casos não é absoluto, uma vez que podem ocorrer situações excepcionais, em que o interesse público prepondera sobre o direito individual, o que autoriza a recusa da administração em nomear novos servidores, ainda que tenham sido aprovados dentro do número de vagas previsto no edital. (RE 598.099, Rel. Min. GIlmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe 3.10.2011) 6. Agravo Interno não provido”. (STJ. AgInt no RMS n. 65.773/SP, relator ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 28/6/2021, DJe de 1/7/2021).

Ressalta-se que para que o candidato aprovado em concurso público não seja nomeado deve haver comprovação de que houve o atingimento de 95% do limite para despesas com pessoal, conforme jurisprudência do STJ [2].

É imperioso que se ressalte que não viola a segurança jurídica a decisão que impede a nomeação de candidato aprovado. Isto acontece pois a Lei de Responsabilidade Fiscal é anterior ao edital do concurso. O que violaria a segurança jurídica é impedir o cumprimento da lei (LRF).

Em outras palavras, as regras já eram claras para o candidato que resolveu se preparar para um concurso público. Se a LRF fosse promulgada posteriormente ao edital seria uma outra discussão. Mas como a LRF já foi promulgada há muitos anos, não cabe dizer que houve um desaviso ao concurseiro sobre a hipótese de não nomeação.

Conclui-se, portanto que a o artigo 22 da Lei de Responsabilidade prevalece sobre o edital de concurso público, já que é uma regra que possui forma da lei, enquanto as regras do edital têm natureza de ato administrativo e não geram direito adquirido.

Consultor Júridico

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