Estabelece o artigo 30 da Lindb, alterado pela Lei Federal nº 13.655/18, que as autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas.
Objetiva o referido dispositivo legal forçar a atuação estatal nas esferas administrativas, controladoras e judiciais, de modo a garantir segurança jurídica, que, no âmbito das contratações públicas, é fixada expressamente no artigo 5º da nova Lei de Licitações.
Indo em sentido contrário aos ditames do referido princípio, estabelece o Enunciado nº 1, da Justiça Federal, que: “Constitui boa prática da Administração, no momento da instrução da prorrogação, emitir alerta à contratada a respeito dos efeitos da formalização do termo aditivo sem a ressalva do direito aos reajustes nos termos da lei e do contrato. (artigo 92 da Lei nº 14.133/2021)”.
Em nosso sentir, o referido enunciado trata do expediente administrativo comum de alertar a contratada, na ocasião da prorrogação, acerca dos efeitos decorrentes da formalização do termo aditivo. Ocorre que o referido enunciado fixa que tal comunicação deve ocorrer, porém, sem a ressalva ou alerta do direito que o contratado tem a reajustes do ajuste, nos termos da lei e do contrato, apontando, ainda, de forma expressa, que a omissão de tal direito é considerado uma boa prática da Administração.
É importante ressaltar ainda que a prática de alertar a contratada sobre seus direitos é uma obrigação da Administração, e não uma boa prática, haja vista tratar-se de induvidoso direito do contratado, inclusive, constitucionalizado, conforme fixa a parte final do artigo 37, inciso XXI, da CF/88, que estabelece ser obrigação ser “mantidas as obrigações efetivas da proposta”.
Com efeito, o contrato, na sua integralidade, conforme fixa o artigo 66 da Lei nº 8.666/93 e artigo 115 da Lei Federal nº 14.133/21, deve ser cumprido efetivamente por ambas as partes. Nesse sentido, considerando que o cumprimento dos direitos do contratado é um dever da Administração e que o reajuste é regra constitucional, espera-se que a Administração Pública atual respeite os direitos da empresa contratada e promova o reajustamento de maneira automática, passando a ressaltar tal direito.
Nos parece que o referido enunciado estimularia a Administração avançar na formalização do termo aditivo de prorrogação sem a devida concessão do reajuste, o que não caracteriza renúncia ao direito, salvo se expressamente constar do termo, caso assim venha ocorrer.
Logo, o enunciado em questão causa preocupação, pois permite que a Administração Pública possa justificadamente descumprir os termos do contrato e, consequentemente, prejudicar a contratada conscientemente. Em nosso sentir, tem-se que tal situação enseja abusividade e ilegalidade da conduta estatal, e não deve ser tolerada em nenhuma circunstância, sob pena de violação do princípio da estrita vinculação ao edital e segurança jurídica.
Além disso, a interpretação e aplicação do enunciado apresenta um risco na execução contratual, vez que pode ser utilizada como instrumento para fundamentar a prática por parte da Administração Pública, no sentido de pressionar ou induzir a empresa contratada a abrir mão deste direito.
Ressalte-se, novamente, que é necessário que a Administração atue sempre de acordo com a lei e respeite os direitos das contratadas. A prática de não alertar ou desconsiderar tal direito, de forma alguma, não pode ser vista como uma boa prática, mas, sim, como inobservância de uma obrigação legal.
Logo, em que pese o brilhantismo do 1º Simpósio sobre Licitações e Contratos da Justiça Federal, realizado pela Secretaria de Administração e pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, no qual houve a aprovação de 25 Enunciados sobre licitações e contratos administrativos, entendemos que o Enunciado nº 1 merece revisão e alteração urgentemente.
Cecílio Pires é advogado, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestre e doutor em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), coordenador da pós-graduação digital em Direito Administrativo e Administração Pública do Mackenzie, autor do livro A Desconsideração da Personalidade Jurídica nas Contratações Públicas, coautor do livro Comentários à Nova Lei de Licitações Públicas e Contratos Administrativos Lei nº 14.133/21 e autor de dezenas de capítulos de livros e artigos sobre contratações públicas.
Aniello Parziale é advogado, consultor em Direito Público, consultor jurídico do Grupo Conlicitação, mestre em Direito Econômico e Político pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, professor de Direito Administrativo do Programa de Pós-Graduação do Mackenzie, membro do Instituto de Direito Administrativo Sancionador (Idasan), autor do livro Sanções Administrativas nas Contratações Públicas, coautor do livro Comentários à Nova Lei de Licitações Públicas e Contratos Administrativos Lei nº: 14.133/21 e autor de dezenas de capítulos de livros e artigos sobre contratações públicas.