Populismo digital tem Judiciário como alvo e deforma debate público

O Poder Judiciário é o alvo preferencial do novo populismo, guiado pelas mídias digitais, que busca invocar a democracia contra a própria democracia. Segundo tal narrativa, o Judiciário usurpa o papel dos demais Poderes, por supostamente tomar decisões políticas. Tais estratégias de desinformação e radicalização política vêm influenciando e deformando o debate público.

Ministro Gilmar Mendes participou da abertura do eventoCris Vicente

Foi o que apontou o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, nesta segunada-feira (26/6), na abertura do XI Fórum Jurídico de Lisboa.

O magistrado explicou que as democracias contemporâneas vêm sofrendo com a escalada global do populismo. Com isso, “recalques em estágio de latência passam à condição de comportamentos políticos de cunho autocrático” e opositores do “projeto do constitucionalismo moderno se descobrem livres de qualquer pudor para expressar aversão à liberdade e à igualdade”.

No Brasil, formam-se quadrilhas digitais, que usam as redes sociais para inviabilizar o debate público. Dentro desse “catecismo populista”, o povo só “resgataria sua liberdade e retomaria a condição de protagonista” se conseguisse “destruir o sistema” para se livrar de uma “elite degenerada” — especialmente o Judiciário. “Com papas e bolos se enganam os tolos”, assinalou Gilmar.

Superando adversidades

O deputado federal Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, também esteve presente na mesa de abertura e recordou o ápice do tumulto causado por esse populismo: os ataques de bolsonaristas aos prédios da Praça dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro.

Lira ressaltou que a Câmara reagiu “de forma imediata e consistente” para tomar providências e, assim, mostrou que o compromisso da casa com a democracia “não se abalou com quebra-quebra, desrespeito e ofensas às instituições”. Na ocasião, ele chegou a dizer que responderia “a iniciativas antidemocráticas com doses ainda maiores de democracia”.

O deputado também destacou o PL das Fake News como uma iniciativa de fortalecimento da democracia brasileira, mas repudiou a conduta das big techs — que, segundo ele, “ultrapassou os limites do contraditório democrático” e não permitiu que fossem reunidas as condições políticas necessárias para levar o projeto à votação.

“Acredito que é seguindo serena e inabalavelmente na defesa dos valores democráticos e na busca da conciliação e da harmonia entre os Poderes constituídos que superaremos nossas maiores mazelas”, finalizou o parlamentar.

Problema global

O presidente da Assembleia da República de Portugal, Augusto Santos Silva, também indicou que “a democracia em todo o mundo está sofrendo um ciclo de alguma retração”. Ele se baseou em estudos internacionais que comparam a evolução das democracias com a das autocracias.

Arthur Lira, presidente da Câmara, também esteve presente na mesaMarina Ramos/Câmara dos Deputados

Segundo ele, “as instituições democráticas devem olhar para seu interior e tomar medidas que travem alguma entropia do que vão sofrendo”, bem como “olhar para seu exterior e encontrar novas formas de consolidar o reconhecimento social de que as instituições democráticas precisam, sob pena de poderem entrar em colapso”.

Para ele, “não há melhor antídoto contra as formas de perversão da democracia do que a defesa do Estado de Direito e dos seus princípios fundamentais” — como a Constituição, a lei, a separação dos Poderes, a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão e a liberdade acadêmica.

Outros participantes

Paula Vaz Freire
, diretora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, salientou que as instituições “são desafiadas e influenciadas por formas de moldar o pensamento e a conduta tanto dos cidadãos quanto dos decisores públicos”. Por isso, também defendeu que “as ordens jurídicas devem manter-se fiéis aos princípios e valores matriciais do Estado de Direito, designadamente ao respeito pelos direitos fundamentais”.

Por fim, o presidente da Fundação Getulio Vargas (FGV), Carlos Ivan Simonsen Leal, elencou os principais desafios econômicos a serem enfrentados pelo mundo: o aumento do consumo global de energia; a extinção de empregos da classe média a partir da digitalização; o conflito geopolítico no Mar do Sul da China, que pode afetar o papel do dólar como moeda de reserva internacional; e os desequilíbrios fiscais grandes, que colocam os países em desvantagem com a China e aumentam o preço das commodities relativamente às inovações.

Segundo ele, todos esses fatores causarão impacto no “equilíbrio sociológico” e, por isso, demandarão “soluções políticas e jurídicas” — ou seja, será necessário “tentar adaptar as leis e o funcionamento do Judiciário” a tais mudanças. 

“Todo mundo está ligado pelo lado fiscal, pelo comércio, pelas taxas de câmbio e pelos problemas geopolíticos. E essa ligação é tanto mais forte quanto maior for o desequilíbrio fiscal, sobretudo dos EUA — coisa que nem a União Europeia nem o Brasil controlam”, concluiu.

Evento

Durante a mesa de abertura, Carlos Blanco de Morais, professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e co-organizador do evento, também fez um breve discurso de boas-vindas.

Esta edição do Fórum Jurídico de Lisboa tem como mote principal “Governança e Constitucionalismo Digital”. O evento é organizado pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), pelo Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (ICJP) e pelo Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da FGV Conhecimento (CIAPJ/FGV) 

Ao longo de três dias, a programação contará com 12 painéis e 22 mesas de discussão sobre temas de maior relevância para os estudos atuais do Direito — dentre eles debates sobre mudanças climáticas, desafios da inteligência artificial, eficácia da recuperação judicial no Brasil e meios alternativos de resolução de conflitos. Confira aqui a programação completa.

Consultor Júridico

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