Prestes e Ferreira: Utilização de prova por geolocalização

A utilização de prova digital de geolocalização para confirmação de jornada de trabalho em ação judicial tem gerado debate na comunidade jurídica e o Poder Judiciário trabalhista está sendo obrigado a se adequar rapidamente às mudanças tecnológicas e, sobretudo, a dirimir as questões que surgem no dia-a-dia do trabalhador e da empresa.

O caso concreto foi julgado no final do mês de março, pela a 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ), que autorizou a produção de prova digital de geolocalização para averiguar a jornada de trabalho de uma bancária. Na ocasião, o colegiado declarou a nulidade processual e determinou o retorno dos autos à primeira instância para reabertura da instrução.

A relatora, desembargadora Claudia Maria Samy Pereira da Silva, entendeu que houve cerceamento de defesa, considerando que a liberdade do juiz de delimitar a produção de prova encontra limite na utilidade da prova, não podendo ser indeferidas aquelas que seriam indispensáveis ao esclarecimento dos fatos em discussão: “Com efeito, confere-se ao juiz ampla liberdade de direção do processo, podendo determinar a produção de provas que entender necessárias e indeferir aquelas que julgar inúteis ou meramente protelatórias (art. 370 do CPC). Essa ampla liberdade, contudo, encontra limite na utilidade da prova, não cabendo o indeferimento da prova para, posteriormente, julgar o feito de forma desfavorável à parte que pretendia produzi-la”.

Ou seja, a utilização de geolocalização como prova de jornada de trabalho do empregado é um desses impasses que os juízes devem analisar e julgar e, por ser matéria muito recente nas Varas e tribunais, não há consenso entre os julgadores.

O desafio atual da Justiça do Trabalho é a sua adequação às regras da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que prevê as hipóteses de regulamentação de dados dos contratos de trabalho, assim como nas fases pré-contratual e pós-contratual. O acesso de dados, e-mails, dispositivos funcionais do empregado pelo empregador e o uso de geolocalização, como por exemplo, passou a ser discutido no sentido de tentar entender se atende às finalidades da LGPD e da Justiça do Trabalho.

De um lado, há o entendimento de que não se trata de cerceamento de defesa a negativa da utilização da prova digital quando já foi produzida prova que, de outra maneira, foi suficiente para o deslinde do feito. Aqueles que concordam com esse entendimento, também levam em consideração que a geolocalização gera presunção relativa, haja vista que se trata de mero indício de paradeiro do empregado. Ainda nessa linha de pensamento, cumpre destacar que caso o empregador não tenha fornecido celular ao empregado, não há que se falar em rastreio de celular pessoal, sob pena de violação da privacidade e intimidade do empregado previstos na Constituição, assim como na própria Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

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De outro, há o entendimento de que a produção de prova por geolocalização pelo empregador configura exercício regular de direito e, diferentemente do entendimento anterior, as informações geradas por meio desse tipo de prova são muito mais confiáveis que meios probatórios clássicos. Ainda nessa toada, sustenta-se que não se trata de prova ilícita, tampouco haverá violação de intimidade e privacidade, uma vez que quando produzida a prova será conferido sigilo a ela, reservando a análise às partes e ao juiz.

Levando-se em consideração esses aspectos, bem como a contemporaneidade da utilização da prova digital de geolocalização pelo Poder Judiciário, cada caso deve ser analisado cuidadosamente e individualmente, dando especial atenção às previsões da Lei Geral de Proteção de Dados, que vai balizar os limites da utilização das novas tecnologias na Justiça do Trabalho.

O caso concreto

Na ação, a bancária alegou que foi dispensada sem justa causa, requerendo o pagamento de danos morais, horas extras, intervalo intrajornada, acúmulo de função, dentre outros.

Em sua defesa, o banco informou que os cartões de ponto eram idôneos e, por serem considerados idôneos pelo Juízo, foi procedente o pedido da Reclamante de pagamento de horas extras.

Ocorre que o banco requereu a produção de prova digital mediante acesso aos portais judiciais, para extração de dados de geolocalização, ou, sucessivamente, para que fossem oficiados o Google, Facebook, Twitter e Apple, para que estas empresas enviassem a geolocalização da bancária, o que foi indeferido pelo Juízo de primeira instância.

Em sede de recurso, a 2ª Turma do Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1) reformou a sentença por entender, de forma unânime, que embora juiz de primeiro grau tenha se convencido pela inidoneidade dos controles de ponto, o que se verifica é que, diante dos fatos controvertidos, deveria o reclamado ter tido a oportunidade de produzir a prova digital requerida e que a própria LGPD (Lei nº 13.709/18), permite, em seu artigo 7º, inciso VI, o tratamento de dados “para o exercício regular de direitos em processo judicial”.

Wellington Ferreira é advogado da área trabalhista de Loeser e Hadad Advogados.

Consultor Júridico

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