Mariana de Souza Alves Lima, 42, não se lembra do ano exato, mas foi numa caminhada pela avenida Paulista, em São Paulo, que percebeu ter ficado famosa.
“MariMoon! É você? Eu te acompanho”, gritou um transeunte.
Pesquisa feita pela Youpix e Nilsen aponta que, em 2023, o Brasil era o segundo país com o maior número de influenciadores digitais no planeta. Eram 10,5 milhões de contas com pelo menos mil seguidores cada. Só estava atrás dos Estados Unidos (13,5 milhões).
Nesses 10,5 milhões, a pioneira foi Mariana, a MariMoon.
“Eu amo [ser vista como a primeira]. Não tinha me dado conta disso. Demorei muito tempo para entender. Alguém me disse isso e me perguntei: ‘eu sou mesmo?’”, lembra.
Ela ganhou fama no final dos anos 1990 com seu fotolog, site em que postava imagens criativas de si mesma. Eram selfies quando esta palavra sequer existia. Foi a primeira usuária da internet brasileira, que completa 30 anos neste mês, a ter uma linha de produtos com sua marca e ser capa de revistas.
Os pioneiros na influência digital veem as recompensas, tanto financeiras quanto no reconhecimento, como processo construído aos poucos. E constatam que hoje em dia quem inicia nessa profissão deseja conquistar tudo do dia para a noite.
“As pessoas que começam agora têm muita ansiedade. Eu me sinto privilegiada de ver tudo isso. Tenho consciência que colaborei para a formação de um mercado, de uma formação de códigos de ética, do como fazer. Quando comecei, não havia referência, não tinha para quem olhar”, afirma Camila Coutinho.
Primeira blogueira de moda do Brasil, Camila criou em 2006 o site “Garotas Estúpidas”, que tornou-se um dos mais influentes do mundo nesta área. Hoje empresária e com 3,3 milhões de seguidores apenas no Instagram, ela queria mesmo era ser estilista.
Ela acreditava ser tudo uma brincadeira. O pensamento foi esse até receber mensagem de uma marca internacional lhe propondo um acordo de divulgação. Ela receberia US$ 300 por mês (hoje cerca de R$ 1.700).
Ser influenciadora poderia não ter se tornado uma carreira caso não tivesse mencionado ao seu pai, à mesa do almoço, que o seu “bloguinho” estava com 2.500 acessos por dia.
“Minha filha, corre atrás. Tem alguma coisa aí.”
Tinha mesmo. Ela abriu CNPJ, registrou a marca e até hoje se recorda da expressão do gerente do banco quando ele lhe perguntou a profissão antes de abrir a conta empresarial e Camila respondeu: “blogueira.”
“Não só isso. Eu era dona de um blog chamado Garotas Estúpidas”, lembra. “Era um completo e puro passatempo. Sempre gostei muito de cultura pop, do humor.”
Foi o humor que fez a internet brasileira criar influenciadores antes mesmo das redes sociais. O humorista Rafinha Bastos começou a produzir conteúdo em vídeos para a sua página pessoal quando nem existia o YouTube (criado em 2005). Ele gravava conteúdo para divulgar seu trabalho e os shows de comédia stand up. Virou referência no meio.
“Eu comecei a postar na internet essas bobeiras e dois anos depois tinha um fã-clube no Japão. Havia gente na Suécia que gostava. Recebia emails do mundo inteiro. Foi ali que percebi: poderia ir muito além das fronteiras do meu estado [Rio Grande do Sul]. Foi muito especial descobrir isso”, afirma.
Foi esse um dos fatores que o tornaram o humorista do país com maior fama internacional e o primeiro a desbravar o circuito de comédia stand up dos Estados Unidos.
“Eu moro em Nova York e faço show no mundo inteiro por causa da internet. Eu utilizo muito bem essa possibilidade há muito tempo e entendi isso meio sem querer. E depois foi no YouTube que comecei a postar coisas que me davam liberdade porque não precisava passar por aprovação de ninguém.”
Embora tenha se tornado popular antes mesmo do YouTube, ele não foi o primeiro brasileiro a ganhar fama por causa da plataforma.
O pioneirismo foi de Guilherme Zaiden, que publicou o primeiro vídeo em 2006. Ele depois deixaria de postar no site e se mudaria para os Estados Unidos. Atualmente produz conteúdo adulto no X (antigo Twitter) e em plataformas de assinaturas como Onlyfans.
Aqueles que desbravaram a internet nos primeiros anos e atingiram a fama apontam dois conceitos errados a em como as pessoas veem o influenciador: ser trabalho fácil e que rende muito dinheiro com rapidez.
“Fico muito feliz pela minha saúde mental e de ter começado naquela época. Tenho parâmetro das coisas. Tudo muda, há ciclos, os personagens e os players mudam e você precisa se adaptar o tempo todo. Eu gosto, mas é cansativo. Saber disso, que as coisas mudam, me dá musculatura para lidar com o desconforto da mudança. Ganhar dinheiro é maravilhoso, mas nunca faço as coisas apenas por isso”, diz Camila Coutinho.
MariMoon solta uma gargalhada quando escuta sobre dinheiro e trabalho. Afirma que nos primeiros anos, mesmo com produtos com sua marca, ganhou muito pouco. Ela depois seria VJ da MTV e faria trabalhos para o Grupo Globo e a Rede TV.
“Eu comecei a ganhar dinheiro na MTV. Quando acabou, fiquei pensando o que ia fazer da vida. Fiquei um pouco na Rede TV e fui parar na Globo. [Ser influenciadora] É um trabalho gigante e você tem de ser, sozinha, o equivalente a uma produtora de 50 pessoas”, afirma.
Ela hoje faz também o videocast Acessíveis, ao lado de Titi Muller, no Uol.
“O universo do audiovisual é muito complexo. É filmar, editar, pensar na parte publicitária, dar atenção para as pessoas, ver o analytics, fazer análise, refletir sobre o motivo para aquele vídeo não ter ido bem. Trabalho todos os dias, o dia inteiro. Férias, para mim, é viajar a trabalho”, completa.
Para Rafinha Bastos, a figura do influenciador digital ainda é vista como inferior. “Ficou meio pejorativo, principalmente por causa da imprensa. E na verdade, não é. A gente não sabe como a menina que muda o cabelo de loiro para ruivo vai incentivar as pessoas a tomarem decisões na vida. Você não sabe como isso impacta e de que maneira é positiva. A gente tem efeito muito grande sobre quem assiste nosso conteúdo”, diz.
INTERNET, 30
Esta reportagem faz parte série “Internet, 30” , que conta histórias de pioneiros da internet brasileira, cujo lançamento comercial completou 30 anos em 1º de maio. Os textos partem da evolução da conexão no país, a partir de meados dos anos 1990, para abordar desafios atuais como a ascensão de plataformas de inteligência artificial e a autonomia da gestão da rede no país. Na sequência, das primeiras lojas virtuais aos primeiros influencers, passando por sites que anteciparam o surgimento de aplicativos e redes sociais, a série vai mostrar como a internet hoje é um reflexo do que já acontecia, mesmo que de forma incipiente, décadas atrás.