Proteção da honra individual precisa ser refeita, diz Alaor Leite

O Código Penal brasileiro não está preparado para conter a onda de discurso de ódio dirigido contra os agentes públicos em ambientes digitais. Nesse sentido, a estrutura normativa do país pede uma reforma que seja capaz de reconstruir os instrumentos de proteção à honra individual.

Para Leite, “núcleo da honra individual” reclama proteção contra discurso de ódio

Essa é a análise do professor Alaor Leite, da Universidade Humboldt, de Berlim, na Alemanha. Docente junto à Cátedra de Direito Penal da instituição, Leite falou sobre a proteção da honra na internet em entrevista à série “Grandes Temas, Grandes Nomes do Direito”, que a revista eletrônica Consultor Jurídico vem apresentando desde maio. Nela, algumas das principais personalidades do Direito brasileiro e internacional analisam os assuntos mais relevantes da atualidade.

Para Leite, o mundo digital coloca muitos desafios diante do Direito. Um dos mais relevantes, segundo ele, é justamente o tema da proteção da honra, cujo conceito clássico já não dá conta das novas ameaças.

“As sociedades liberais, no projeto de democracia liberal, professaram o sonho de livre circulação de ideias. Com isso se estabeleceu a ideia de que sempre que se estivesse em causa a crítica ao poder — ainda que veemente, cáustica e mordaz — e a avaliação desse sujeito exposto publicamente, o Direito Penal deveria se recolher. Era preciso permitir a livre circulação desse escrutínio, ainda que transbordasse para a ofensa à honra e abalasse a reputação desse funcionário”, disse ele.

A legislação brasileira, por sua vez, tratou do assunto tendo como referência a figura do agente público de alto escalão, porém sem a ênfase no aspecto específico da honra individual, segundo o professor.

“A proteção da honra foi pensada originariamente, no Código de 1940, sobretudo no caso das pessoas publicamente expostas a um escrutínio mais amplo da sociedade — como agentes políticos, magistrados e outros altos funcionários —, no âmbito da autoridade enquanto autoridade, e não da proteção à pessoa”, afirmou o professor.

Diante disso, Leite avalia que o atual cenário descortinou um “núcleo da honra individual” que foi esquecido tanto pelo projeto autoritário que deu à luz o Código Penal brasileiro quanto pelas democracias liberais.

“Há um âmago da honra individual que não é suplantado pela diplomação, pela posse ou pela toga, mas que reclama proteção em um ambiente em que a livre circulação se eterniza na internet”, prosseguiu Leite.

Assim, ele entende que o Código Penal não está preparado para cuidar do tema, o que aponta para a necessidade de uma reforma legislativa acompanhada do devido debate jurisprudencial.

“Na Alemanha, a Corte Constitucional há pouco se pronunciou a esse respeito. Assim, há a necessidade urgente de reconstruir a proteção da honra individual, das instituições do Estado Democrático de Direito e de grupos vulneráveis contra ataques discursivos digitais. A livre circulação de ideias nunca quis ser a livre circulação de mentiras, de imputação de fatos falsos ao funcionário público. Criticar o poder não é isso.”

Clique aqui para assistir à entrevista ou veja abaixo:

Consultor Júridico

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