Rafael Calabria: Interesse público em transporte coletivo

Chegou ao STF a ADI 7.048, que questiona a prorrogação e ampliação, sem licitação, pelo governo do estado de São Paulo, do contrato de operação do corredor de ônibus ABD, que liga as cidades de Santo André, São Bernardo e Diadema, na região metropolitana da capital paulista. A procedência da ação é de grande importância para as populações dos municípios da região, visto que a prorrogação vai impactar negativamente não apenas a qualidade do serviço, mas, provavelmente, também seu preço.

A proposta da Secretaria de Transportes Metropolitanos é ampliar o contrato de operação dos ônibus do corredor ABD, e dar à atual empresa concessionária a construção e operação de um novo corredor de ônibus, o ABC — que vai ligar São Bernardo do Campo à capital paulista, passando por São Caetano do Sul —, além de toda a operação e poder de subcontratação para os serviços da Área 5 da EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos), que gere os ônibus da região, envolvendo 85 linhas de sete municípios do chamado Grande ABC.

EMTU

A operação privada do transporte coletivo no Brasil é uma realidade histórica, que vem desde o início do século passado. O processo de regulamentação das concessões a partir dos anos 1990 tentou dar qualidade ao serviço nas cidades, porém, não é necessário um estudo profundo para perceber que não houve sucesso. Isso porque, segundo estudos do Idec, os contratos mais recentes não mudaram a forma de gestão do setor, caracterizada por: pagamento por passageiro, dependência da tarifa, controle e fiscalização deficientes, falta de concorrência e contratos longos e prolixos.

O contrato do corredor ABD, assinado em 1997, segue esta tendência, pois foi elaborado para durar 25 anos, sem formas de financiamento diversificadas e vencido por empresas que já operavam ônibus na região. Não é à toa que, como em muitos serviços de ônibus do Brasil, o transporte é caro e tem gerado “déficit” para o poder público.

A experiência internacional mostra que o transporte coletivo não é, e nem precisa ser, superavitário. Isso porque, se a tarifa dos passageiros tiver que pagar toda a conta do serviço, ela ficará cara e a lotação dos veículos será estimulada, como ocorre no Brasil. Aos poucos, as cidades e estados estão percebendo isso, principalmente após o transporte ter sido incluído como um Direito Social na Constituição.

Nesta análise inicial já é possível derrubar o primeiro argumento do governo de São Paulo para fazer a ampliação, a de que “o contrato tem gerado déficit, então precisa ser prorrogado para ser equilibrado”. Ora, se a fórmula do atual contrato gerou  saldo devedor, como era esperado, sua ampliação será o prolongamento desse déficit. A solução racional para esse problema é  mudar as formas de financiamento do setor e não prorrogar contratos. Caso contrário, a Lei da Mobilidade Urbana de 2012 preveria esse prolongamento entre as soluções que apresenta para o déficit nos serviços de transportes.

O problema das regras de financiamento é apenas um dos motivos para a necessidade de se fazer um novo processo licitatório, mais moderno e com as aprendizagens que o setor teve nos últimos 25 anos. Além disso, a reelaboração do contrato  poderia ampliar os mecanismos de participação popular e testar metodologias mais avançadas de contratação, separando  operação e frota, o que levaria a um grande avanço de concorrência e poderia reduzir os custos. Em oposição a isso, a prorrogação contratual vai manter as regras atuais, ultrapassadas, permitindo apenas ajustes, por meio de aditivo.

Por fim, a magnitude da ampliação contratual prevista precisa ser esclarecida. O contrato atual abrange a operação de 12 linhas de ônibus em um único corredor. Agora, pretende-se incluir no aditivo todas as 85 linhas das cidades da região do ABC, tornando-se um serviço muito maior do que o previsto no contrato original. Na justificativa desse aumento, o governo do estado chama essas linhas de “residuais”, levando à compreensão equivocada de que são poucas as linhas que se conectam ao corredor existente.

A insistência do governo de São Paulo em ampliar o contrato, dessa maneira exorbitante e controversa, deixa transparecer sua incapacidade ou falta de vontade política em investir na melhora das regras do transporte público, indo em oposição ao interesse público da população que governa. O que os usuários do serviço esperam é que o estado mais rico do país promova processos de concessão robustos e inovadores, que deem capacidade de controle ao poder público e ampla transparência, e que favoreçam a concorrência para ajudar a reduzir os custos totais do serviço.

No caso da ADI 7.048, o Supremo Tribunal Federal deve atender aos princípios da impessoalidade e do interesse público e derrubar a prorrogação contratual proposta pelo governo paulista, para que possamos produzir uma concorrência nova, com regras modernas, sem ignorar todas a legislação e mudanças que o setor e as cidades viveram desde 1997.

Consultor Júridico

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