A onda de remakes, sequências e relançamentos que tomou conta da indústria dos videogames tem gerado bons frutos com frequência.
Lançado originalmente no PlayStation 2 em 2001, “Silent Hill 2” agora chega à geração atual com melhorias técnicas e absorvendo as tendências das produções de grande orçamento dos últimos anos.
Mas, como tem acontecido nas reimaginações de “Resident Evil”, a filosofia de design é mantida em relação ao original, com expansões, cortes ou pequenas alterações que buscam apenas traduzir o título para os novos tempos.
Não é por acaso que as duas franquias integrem uma espécie de cânone do terror nos videogames. Inovadores na forma e no conteúdo, seus primeiros jogos são considerados grandes clássicos, revisitados e citados em outras produções com frequência.
Se “Silent Hill”, de 1999, introduziu as bases pelas quais a série ficou conhecida, como a exploração menos linear e a ambientação misteriosa, sua sequência deu um passo além para apresentar um enredo mais elaborado, independente do antecessor e calcado no suspense psicológico.
Aqui, o luto do protagonista James é interrompido por uma carta misteriosa assinada por sua esposa Mary, morta há três anos. Ela diz que espera por ele em uma cidade especial para o casal, Silent Hill, no Maine —uma das piscadelas a Stephen King e seu “O Nevoeiro”.
“Silent Hill 2” então se volta para essa busca desenfreada por Mary em um lugar abandonado com pessoas igualmente perdidas, criaturas bizarras e a famosa névoa. Solução para uma limitação técnica do PS1, ela virou símbolo da série e aparece aqui em sua melhor forma.
Esse cenário combinado com caminhos obstruídos e portas trancadas colaboram para a sensação de abandono e fazem com que a exploração no jogo seja movida por um balanço preciso entre curiosidade e medo de esbarrar em algo desagradável.
O equilíbrio bem-sucedido reaviva um sentimento de descoberta e incerteza raro hoje em videogames de grande orçamento, nos quais há com frequência um excesso de indicativos sobre o que, como e onde fazer.
Das ruas da cidade ao hospital, os ambientes são vivos e têm algo novo a apresentar a todo momento, em um fluxo que só é interrompido quando é necessário parar para pensar como resolver algum enigma.
Nos ambientes escuros, como nos apartamentos, a luz da lanterna parece não conseguir transpor toda a escuridão, exigindo um estado de atenção constante, já que vários cômodos só ficam visíveis quando o personagem se aproxima. Isso significa que é comum descobrir que há um inimigo à espreita só quando ele está prestes a te atacar.
A ação não chega a ser fluida como nos remakes recentes de “Resident Evil”, mas aqui a limitação dá mais fôlego ao terror do que à frustração quando somada ao comportamento dos inimigos. Além disso, recursos como munições e remédios são escassos, fazendo de cada luta também um cálculo de possibilidades.
Uma alteração notável ocorreu no visual, com a disposição de uma câmera fixa por trás do personagem que deu ao jogo a comodidade de produções do mesmo nível, mas ao custo de abandonar os planos mais ousados do original.
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Essa transformação, felizmente, não alterou a estranheza dos diálogos e das “cutscenes”. A encenação aqui fica entre o onírico de “Twin Peaks” e um rescaldo do amadorismo charmoso de uma época em que os jogos até tinham pretensões cinematográficas, mas ainda faltava o saber-fazer necessário que só foi alcançado na última década.
Como as falas dos personagens entregam sempre apenas um pedaço da história por vez e os diversos bilhetes coletados no percurso dão poucas pistas sobre o que está acontecendo, o mistério se desenrola aos poucos, marinando o jogador num desconforto raro nos games.
A sensação é que, por mais bem-sucedido que seja em recriar a experiência original, o remake de “Silent Hill 2” só evidencia que os envolvidos na produção de 23 anos atrás sabiam muito bem o que estavam fazendo.