Rezende e Pantoja: Ação penal e parcelamento tributário

O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.273 foi concluído em Plenário Virtual do STF, consolidando o entendimento dos ministros acerca da responsabilização penal em crimes tributários e decidindo que o parcelamento tributário afasta a possibilidade de ajuizamento de ação penal contra os contribuintes.

A ADI em questão foi ajuizada pela Procuradoria-Geral da República, a fim de que fosse declarada a inconstitucionalidade dos artigos 67, 68 e 69 da Lei nº 11.941/2009 e, por extensão, do artigo 9º, §§ 1º e 2º, da Lei nº 10.684/2003.

Concluído o julgamento na data de 14/08/2023, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, acompanhou o voto do ministro relator Nunes Marques para julgar prejudicada a arguição de inconstitucionalidade em relação ao artigo 68 da Lei nº 11.941/2009, em consonância com a jurisprudência já consolidada no tribunal, bem como para julgar improcedente quanto aos outros dispositivos impugnados, declarando a constitucionalidade dos artigos 67 e 69 da Lei nº 11.941/2009 e do artigo 9º, §§ 1º e 2º, da Lei nº 10.684/2003.

Tais dispositivos suspendem a pretensão punitiva do Estado quanto a crimes contra a ordem tributária — em relação aos débitos que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento tributário —, determinam que o oferecimento da denúncia só poderá ser aceito na superveniência de inadimplemento da obrigação e, na hipótese de quitação integral da dívida, possibilitam a extinção da punibilidade.

A Procuradoria alega que existe a incompatibilidade dos mencionados dispositivos com os artigos 3º, I a IV, e 5º, caput, da Constituição. Afirma que eles “atingem o caráter persuasório e pedagógico da pena” e que a arrecadação de tributos e contribuições só é possível devido à ameaça de pena em relação aos crimes contra a ordem tributária. Dessa forma, aduz que, sem o instrumento do direito penal, “ficam sob desamparo os direitos fundamentais de todos os membros da sociedade nacional, de formarem uma sociedade justa, fraterna e solidária, em busca de um desenvolvimento que os alcance indistintamente”, conforme se depreende do relatório do julgamento.

Porém, o entendimento apresentado no voto do relator expôs-se em total discordância e contrariedade aos argumentos suscitados pela PGR, na medida em que fez menção a diversos dispositivos, no âmbito penal-tributário, previstos no ordenamento jurídico brasileiro no mesmo sentido dos impugnados na referida ação, demonstrando que a extinção da punibilidade,como decorrência da reparação integral do dano causado ao erário pela prática de crime contra a ordem tributária, constitui opção política que vem sendo adotada há muito tempo, com abrangente previsão legal.

Dentre os crimes contra a ordem tributária aludidos nos dispositivos impugnados, cita-se a supressão ou redução de tributo por meio de omissão ou declaração falsa às autoridades fazendárias; fraude à fiscalização tributária e falsificação de nota fiscal; apropriação indébita previdenciária e sonegação de contribuição previdenciária; entre outras condutas cometidas com a finalidade de eximir-se, total ou parcialmente, do pagamento de tributo e do cumprimento das obrigações de contribuição.

Tendo em vista que o bem jurídico protegido pelo legislador mediante a tipificação dos delitos contra a ordem tributária é o erário, o relator manifesta entendimento no sentido de que:a opção política pela extinção da punibilidade em decorrência da reparação integral do dano causado pela prática de tais crimes, demonstra a “prevalência do interesse do Estado na arrecadação das receitas provenientes dos tributos, para a consecução dos fins a que se destinam, em detrimento da aplicação da sanção penal”.

Dessa forma, o STF decidiu, com fundamento no voto do ministro relator, que o parcelamento e o pagamento integral dos créditos tributários, além de resultarem em incremento da arrecadação e em função reparatória do dano causado ao patrimônio público, “constituem mecanismos de fomento da atividade econômica e, em consequência, de preservação e de geração de empregos”, cumprindo com os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil previstos no artigo 3º da Constituição, os quais ainda foram citados como: “(i) a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; (ii) garantia do desenvolvimento nacional; (iii) erradicação da pobreza e da marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais; e (iv) promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Reforça, ainda, que a adoção das medidas de despenalização pelo legislador penal-tributário (causas suspensiva e extintiva de punibilidade) previstas nos dispositivos legais impugnados, “em vez de frustrar os objetivos da República, contribui para a concretização das aspirações de nossa Lei Maior reveladas no artigo 3º”, bem como relembra que tais medidas são disciplinadas pelo Código Tributário Nacional (CTN), no artigo 151, inciso VI e artigos 155-A e 156, os quais determinam que o parcelamento suspende a exigibilidade do crédito tributário, enquanto o pagamento extingue o crédito tributário.

Por fim, fundamenta o voto que os dispositivos impugnados não contrariam o artigo 5º, caput, da Constituição de 1988, como suscitado pela Procuradoria, tendo em vista que, conforme discorrido pelo relator, as medidas mencionadas “prestigiam a liberdade, a propriedade e a livre iniciativa ao deixarem as sanções penais pela prática dos delitos contra a ordem tributária como ultima ratio“.

Portanto, percebe-se que o entendimento consolidado dos ministros refutou perfeitamente as arguições da Procuradoria-Geral da República, manifestando firme concordância com os artigos 67, 68 e 69 da Lei nº 11.941/2009 e artigo 9º, §§ 1º e 2º, da Lei nº 10.684/2003 e, consequentemente, com a extinção da punibilidade mediante o parcelamento tributário e o afastamento da persecução penal enquanto durarem os parcelamentos.

Determinado entendimento impacta diretamente no cenário das contribuições por parte das empresas, tendo em vista que o parcelamento de débitos tributários consiste em uma solução para garantir a regularização das obrigações fiscais e tributárias das empresas, que possuem dívidas, atrasos e dificuldades na execução regular de suas atividades.

Com esse resultado do julgamento da ADI 4.273, não mais haverá abertura sobre as discussões e pretensões por parte dos órgãos públicos e Fiscais no ajuizamento de ações penais contra os contribuintes que discutem tributos em caso de parcelamento de créditos. Adimplidos os seus pagamentos integralmente, o Estado perde a sua pretensão punitiva, excluindo-se a punibilidade e, com o parcelamento tributário formalizado, somente pode ser apresentado denúncia ou queixa-crime contra os contribuintes em caso de superveniência de inadimplemento da obrigação.

Tal cenário garante maior segurança e estabilidade aos contribuintes que frequentemente possuem dificuldades em manter em dia o recolhimento de seus tributos, devido à enorme burocracia relativa à arrecadação e fiscalização tributária, assim como àqueles que discutem em juízo os seus débitos e dívidas com o fisco — muitas vezes com as suas atividades inviabilizadas — e terão maior garantia do contraditório e ampla defesa nas causas ajuizadas.

Isto porque poderão adimplir com as suas obrigações por meio do parcelamento sem que sejam criminalmente intimados e penalizados, assim como terão a situação regularizada até o término do contrato de parcelamento, já que terão como extinto o crédito tributário pelo pagamento, conforme o artigo 156 do CTN. Será igualmente permitida, dessa forma, a emissão de certidões positivas de débito com efeito de negativas, o que manterá sua empresa livre de sanções e bloqueios que possam afetar suas atividades.

Assim, reputamos que o resultado do julgamento é positivo e demonstra que o Direito Penal é considerado a ultima ratio para a coerção no pagamento de tributos, proporcionando maior segurança aos contribuintes para discutir eventuais tributos com indicativos de ilegalidade ou inconstitucionalidade, sem que o processo criminal seja um contraponto de limitação ao contraditório e ampla defesa no processo administrativo e judicial tributários.

Maria Danielle Rezende de Toledo é especialista em contencioso tributário e aduaneiro e sócia da área de litigation do escritório Lira Advogados.

Paula Pantoja é estagiária da área de litigation do escritório Lira Advogados.

Consultor Júridico

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