“Freedom is hammered out on the anvil of discussion, dissent, and debate“
Hubert H. Humphrey (1911-1978)
Na novel sistemática de construção de uma jurisprudência pautada pela integridade e pela coerência, nos termos do artigo 926 do Código de Processo Civil (CPC) de 2015, o recurso de embargos de divergência é um importante mecanismo de uniformização de entendimentos dos tribunais superiores. Sendo estes justamente os protagonistas no exercício da função nomofilática [1] (já chamada de “definição de direitos” [2]) da jurisdição, seria mesmo de todo indesejável que seus órgãos fracionários apresentassem respostas díspares a situações análogas, em prejuízo à previsibilidade do direito posto e de sua aplicação pelas instâncias ordinárias.
Fundamental é, pois, a espécie recursal tratada nos artigos 1.043 e 1.044 do CPC/2015 para solucionar eventuais discordâncias entre os colegiados do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou do Supremo Tribunal Federal (STF). A relevância jurídica dos embargos de divergência começa a ser igualada por sua relevância estatística: no âmbito do STJ, em 2022, foram apresentadas 3.096 petições de embargos de divergência [3] — uma média de quase cem petições para cada ministro no período [4].
A análise desses milhares de recursos exige do STJ, para além da atenção às peculiaridades de cada caso concreto, a correta interpretação de uma sucessão de leis, dispositivos regimentais e entendimentos jurisprudenciais, todos impactados pela profunda mudança paradigmática introduzida no sistema processual pelo CPC/2015. Especificamente no processo penal, é nesse ponto que, em nosso sentir, há espaço para fazer uma pontual contribuição à evolução da jurisprudência da corte.
Consoante o atual entendimento do STJ, o acórdão proferido em sede de habeas corpus não serve como paradigma para o manejo dos embargos de divergência. Isso significa que, mesmo havendo um efetivo dissídio entre o acórdão de julgamento do recurso especial (atacado na via dos embargos de divergência) e outro, proferido em sede de habeas corpus, os embargos não serão cabíveis, pela imprestabilidade do aresto prolatado na via mandamental para a demonstração da divergência. Tal orientação foi recentemente reafirmada pela 3ª Seção do STJ, por maioria, no julgamento do agravo regimental nos embargos de divergência no agravo em recurso especial 2.006.876/RS [5], presidido pelo ministro Ribeiro Dantas, um dos autores deste escrito.
Paralelamente, tramita no Senado Federal o projeto de lei (PL) 2.284/2022, apresentado pelo senador Rogério Carvalho, que propõe a inclusão de um regramento próprio para o recurso de embargos de divergência no Código de Processo Penal (CPP). Ao tempo em que finalizado este trabalho (agosto de 2023), o projeto encontra-se em suas etapas iniciais — ainda no seio da Comissão de Constituição e Justiça —, mas chama atenção por prever o cabimento dos embargos tanto no julgamento de habeas corpus como no de recurso especial que divergir de outro acórdão proferido em habeas corpus, em sentido contrário à atual jurisprudência da Corte Superior.
Motivado por esses interessantes movimentos jurisprudenciais e legislativos, o presente ensaio objetiva formular uma respeitosa proposta de alteração do entendimento (e do próprio Regimento Interno) do STJ quanto à admissibilidade dos embargos, a ser apresentada não só à comunidade acadêmica, mas também, no momento oportuno, aos colegiados daquela corte.
Para tanto, a parte 2 deste texto resgatará o histórico da jurisprudência do STJ, a fim de aferir quando e por quais motivos se impediu a utilização dos arestos mandamentais como paradigmas da divergência jurisprudencial. A parte 3 apresentará uma interpretação alternativa à legislação dos embargos de divergência, defendendo a possibilidade de que o acórdão proferido em sede de habeas corpus sirva como paradigma para interposição dos embargos. Já a parte 4 encerrará com uma minuta de uma alteração no artigo 266 do Regimento Interno do Tribunal Superior (RISTJ), que disciplina a matéria na esfera infralegal, e indicações de futuras possibilidades de pesquisa.
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Marcelo Navarro Ribeiro Dantas é mestre e doutor em Direito (PUC-SP), professor de cursos de graduação (UFRN/UnB) e pós-graduação (Uninove) em Direito e ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Thiago de Lucena Motta é especialista em Direito Anticorrupção (Enfam), bacharel (UFRN/Universidade do Porto), mestrando em Direito (Uninove), analista judiciário e assessor de ministro do Superior Tribunal de Justiça.