Ricardo de Oliveira: Regime de tributação simplificada nos Correios

No Brasil, o controle aduaneiro, isto é, a fiscalização na entrada e saída de bens, veículos e pessoas no território nacional, fica a cargo da Receita Federal, conforme disposto na Lei nº 9.003, de 16 de março de 1995, artigo 2º, in verbis:

“Artigo 2º Constituem área de competência da Secretaria da Receita Federal os assuntos relativos à política e administração tributária e aduaneira, à fiscalização e arrecadação de tributos e contribuições, bem como os previstos em legislação específica.”

Nessa esteira, em locais de entrada e saída de bens (encomendas) do país, há a presença da fiscalização da Receita para efetuar esse controle.

O controle aduaneiro é feito em recintos alfandegados pela Receita, mas para receber encomendas internacionais não pode ser qualquer tipo de alfandegamento. Para se habilitar a receber remessas expressas, a empresa deve receber um ato de alfandegamento específico do órgão fiscalizador.

Desse modo, uma empresa que possua um alfandegamento genérico para cargas de importação e exportação não poderá operar com remessas expressas se no ato do alfandegamento não permitir essa operação expressamente.

Aqui, neste trabalho, será tratado com mais detalhes a encomenda internacional importada que é transportada pela ECT e fiscalizada em sua estrutura alfandegada pela Receita.

Atualmente, surgiram diversos sítios na internet que se propõem a enviar remessas de produtos produzidos em outros países, principalmente da Ásia, para o Brasil com preços bastante atraentes em relação aos praticados no mercado nacional, como a Shein, Shopee e Aliexpress. Muitas vezes, essas empresas se utilizam dos Correios para transportar essas encomendas até o destino.

Não é novidade na legislação brasileira esse tipo de comércio, tanto é que, nos anos de 1980, foi editado o Decreto-Lei nº 1.804, de 3 de setembro de 1980, criando o Regime de Tributação Simplificado (RTS), que, em resumo, iniciou um regime mais simples de importação para pequenas encomendas que não tinham tanta relevância do ponto de vista da arrecadação, a ser fiscalizado pelo órgão competente, ou seja, a Receita Federal do Brasil.

O referido Decreto-Lei foi recepcionado pela atual Constituição, com o status de lei ordinária, portanto, continua em pleno vigor. A intenção era justamente simplificar aquela encomenda esporádica feita por pessoas físicas e jurídicas e que não tivessem um claro intuito comercial (com raras exceções) com a aquisição de tais bens.

O Decreto nº 6.759, de 5 de fevereiro de 2009 (Regulamento Aduaneiro) definiu dessa forma o RTS:

“Artigo 99. O regime de tributação simplificada é aquele que permite a classificação genérica, para fins de despacho de importação, de bens integrantes de remessa postal internacional, mediante a aplicação de alíquotas diferenciadas do imposto de importação, e isenção do imposto sobre produtos industrializados, da contribuição para o PIS/Pasep-Importação e da Cofins-Importação (Decreto-Lei nº 1.804, de 1980, artigo 1º, caput e §2º; e Lei nº 10.865, de 30 de abril de 2004, artigo 9º, inciso II, alínea ‘c’).”

Na mesma linha, a Lei nº 10.865, de 30 de abril de 2004, isentou do PIS/Pasep-Importação e da Cofins-Importação:

“Artigo 9º. São isentas das contribuições de que trata o artigo 1º desta Lei: II – as hipóteses de: c) bagagem de viajantes procedentes do exterior e bens importados a que se apliquem os regimes de tributação simplificada ou especial.”

Dessa forma, convencionou-se uma alíquota única de 60% de imposto de importação e de ICMS (caso couber) para essas pequenas encomendas, independentemente da classificação tarifária dos bens, isentando, assim, as encomendas do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI), bem como concedendo isenção também para remessas de até cem dólares americanos quando destinadas a pessoas físicas.

Reprodução

A última previsão (isenção para remessas de até 100 dólares) é controversa e foi desrespeitada pela Portaria MF nº 156, de 24 de junho de 1999, a qual fixou indevidamente o valor de US$ 50. Isto é, o Decreto-Lei 1.804, de 3 de setembro de 1980, o qual tem força de lei ordinária, teve seu alcance indevidamente diminuído pela referida Portaria, restringindo direitos do contribuinte, em total desrespeito ao Princípio da Hierarquia das Normas, celebrado por Hans Kelsen.

Deixando de lado as disposições controversas, para aplicação dessa alíquota padrão (60%), o bem importado deve ter valor de até US$ 3.000 e sua base de cálculo será o valor aduaneiro.

Mas o que se entende por valor aduaneiro? A própria Instrução Normativa RFB nº 1737/2017 traz a definição em seu artigo 25, que, em suma, é o preço de aquisição incluindo o valor do transporte e seguro até o país de destino:

“Artigo 25. O valor aduaneiro de cada bem integrante da remessa internacional corresponderá ao:

I – preço de aquisição, no caso de bens adquiridos no exterior pelo destinatário da remessa; ou



§1º Na determinação do valor aduaneiro, deverão ser acrescidos aos valores mencionados nos incisos I e II do caput o custo do transporte e do seguro até o local de destino no País, exceto quando já estiverem incluídos.”

Embora o valor aduaneiro (valor tributável) inclua o custo de transporte e seguro, estes últimos não são acrescidos para fins de averiguar se o produto excede os US$ 3.000, ou seja, podem ser importados produtos desse valor que, somados ao frete e seguro, totalizam o valor total de, por hipótese, US$ 3.200.

A opção pelo RTS é automática, ou seja, não é necessária manifestação do destinatário para a autoridade aduaneira. No caso do destinatário optar pela aplicação de outro regime aduaneiro, como o regime comum de importação, em que todos os impostos são pagos, este deve ser declarado com a devida antecedência.

Logo após a chegada da encomenda ao Brasil, a ECT, via de regra, é responsável por promover o despacho aduaneiro, ou seja, formalizar a entrada da mercadoria no território nacional, sendo que o câmbio a ser praticado deve ser o vigente na data do registro da declaração.

Logo, o destinatário da remessa não necessita estar cadastrado no Siscomex Importação (Sistema utilizado no Comércio Exterior), quando se tratar de aplicação do RTS.

A depender de sua natureza, a mercadoria poderá receber diversos tratamentos, no entanto, independentemente disso, ela deverá passar por inspeção não invasiva.

E o que vem a ser a inspeção não invasiva? no caso da ECT, objeto do presente trabalho, é aquela realizada através de escâneres raio-X.

Essa inspeção é um procedimento de verificação da remessa internacional sem a necessidade de abrir ou danificar fisicamente a embalagem. Os escâneres de raios-X permitem visualizar o conteúdo da encomenda, identificando possíveis itens proibidos, mercadorias sujeitas a restrições ou indícios de irregularidades.

No caso de remessas que contenham documentos impressos, como livros, jornais, periódicos e cartas, não é necessária a realização do despacho aduaneiro. Essas encomendas são desembaraçadas automaticamente, exceto quando se destinam à comercialização ou industrialização.

Por exemplo, se uma pessoa física importar um ou mais livros para uso pessoal, sem intenção de revenda, não será necessário o despacho aduaneiro. No entanto, se os livros forem importados por uma editora com o objetivo de comercialização, mesmo sendo livros, será necessário realizar o despacho aduaneiro, independentemente das imunidades e isenções previstas constitucionalmente.

Os softwares, ou programas de computador, não são considerados documentos pela legislação aduaneira, portanto, o Regime de Tributação Simplificada (RTS) não se aplica a eles.

Após a chegada da encomenda e o registro da declaração pela ECT, a empresa tem um prazo de 15 dias para iniciar o despacho aduaneiro no caso de aplicação do RTS através do sistema Siscomex Remessa, ou 30 dias quando se trata de RTS com uso do Siscomex Importação. Caso esse prazo seja excedido, a mercadoria geralmente é devolvida ao exterior, sendo necessária a autorização da Receita Federal para a devolução.

Fazendo um parêntese acerca dos sistemas utilizados na encomenda internacional, temos duas hipóteses:

Siscomex Remessa  utilizado para tratamento aduaneiro da encomenda internacional na importação, geralmente, com valor de até $3.000,00 (três mil dólares)  isto é, não pode ser usado na exportação de encomendas.

A bagagem desacompanhada, que é aquela que é acompanhada por conhecimento de transporte ou documento equivalente, no que se refere aos bens de uso e consumo pessoal em seu conteúdo, será efetuado pelo Siscomex Remessa, salvo opção pelo Regime de Tributação Especial feita pelo contribuinte.

O despacho pelo Siscomex Remessa não se aplica a remessas que necessitem de licenciamento pelo Comando do Exército, Polícia Federal e Ministério da Defesa, a exemplo de armas de fogo. No presente caso, deverá ser utilizado o Siscomex importação.

Também não podem ser importadas as remessas internacionais através do Siscomex Remessa que contenham: animais e vegetais da vida silvestre, diamante e moeda corrente.

Siscomex Importação  utilizado em casos de importação sujeita a todos os tributos (fora do RTS), também em casos em que é necessário o licenciamento de importação pelo Ministério da Defesa, pelo Comando do Exército ou pela Polícia Federal, bens usados ou recondicionados, bem como livros, revistas e periódicos quando sujeitos à imunidade constitucional, dentre outras possibilidades previstas na legislação aduaneira.

Durante o despacho aduaneiro, o auditor-fiscal responsável pela conferência aduaneira pode interrompê-lo e solicitar documentação relacionada à importação, além de realizar a verificação física da mercadoria e exame documental.

Se não houver impedimentos em relação à mercadoria, ao final da conferência aduaneira ou na ausência dela, a mercadoria pode ser desembaraçada automaticamente e entregue imediatamente ao destinatário, sem a aplicação da alíquota de 60% de imposto de importação. No entanto, se houver a constituição de crédito tributário, ou seja, a obrigação de pagar imposto ou multa, a ECT deve disponibilizar os meios adequados para o pagamento.

Durante o trâmite do despacho aduaneiro, é comum a autoridade aduaneira determinar o valor aduaneiro da mercadoria, caso não haja informações precisas sobre o preço praticado ou sua inexatidão. Esse Valor Aduaneiro pode ser arbitrado pelo auditor-fiscal com base em bens idênticos ou similares praticados no país de origem.

Caso o contribuinte identifique algum equívoco no valor aduaneiro arbitrado, ele pode solicitar a revisão da declaração, apresentando provas de preços de aquisição, como prints do pedido ou extrato do cartão de crédito/débito com o preço relativo ao pedido.

A ECT é responsável por encaminhar à Receita o pedido de revisão de tributos, a devolução da remessa ao exterior ou a comprovação do pagamento dos tributos contidos na declaração, por meio do sistema Siscomex Remessa.

O prazo para análise do pedido de revisão é de um mês, contado do registro do pedido no sistema. Esse prazo é suspenso desde a data da emissão da exigência pelo auditor-fiscal até a data que a ECT disponibilizar os documentos entregues pelo destinatário à Receita Federal.

Dessa forma, a ECT serve como uma ponte entre o destinatário da remessa e a Receita, fornecendo uma plataforma que atenda aos objetivos de simplificação dessa modalidade de despacho aduaneiro.

Deve a ECT também colocar à disposição dos usuários/destinatários das remessas as exigências feitas pela RFB ou outros órgãos da Administração Pública, disponibilizando também a fase e o local do andamento dessas remessas, exceção deste último caso são as remessas dispensadas de despacho aduaneiro, a exemplo das malas diplomáticas ou consulares.

No caso específico da ECT, objeto do nosso estudo, essa interação é feita por meio do sítio dos Correios na internet.

Não estão incluídos no ras bebidas alcoolicas e produtos de tabacaria, em razão do sistema harmonizado adotado pelo Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM).

Os medicamentos podem ser importados ao amparo do RTS, desde que sejam adquiridos por pessoas físicas para uso próprio ou de terceiros (individualmente) com valor de até US$ 10 mil.

Neste caso, não haverá tributação com alíquota de 60%, a exemplo dos demais produtos, mas sim redução a 0% do imposto de importação.

Caso se entenda pela não aplicação do RTS, a exemplo de produtos que excedam o valor de US$ 3.000, o produto pode ser submetido ao regime comum de importação, no qual devem ser recolhidos todos os tributos devidos (Imposto de Importação, Imposto sobre Produtos Industrializados, PIS, Cofins, dentre outros).

Em resumo, o RTS é um regime para encomendas de pequeno valor, sem vulto comercial, no qual há uma simplificação no procedimento aduaneiro de importação, em que a ECT deve ser a intermediadora entre o destinatário e a Receita e demais órgãos da Administração Pública, facilitando, sobremaneira, a importação até mesmo para leigos na seara aduaneira. No entanto, é um regime limitado devido ao valor considerado para importação bem como a impossibilidade de importação de alguns tipos de bens ao seu amparo.

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Bibliografia

Congresso Nacional. Exposição de Motivos nº 177, de 30 de julho de 1980. Coleção de Anais da Câmara dos Deputados. 07.10.1980.

Lei nº 9.003, de 16 de março de 1995.

Decreto nº 6.759, de 5 de fevereiro de 2009 (Regulamento Aduaneiro)

Portaria MF nº 156, de 24 de junho de 1999.

Decreto-Lei nº 1.804, de 3 de setembro de 1980.

POGGETTI, Donata. A Pirâmide de Kelsen. Disponível em: http://www.equilibrecursos.net/a-piramide-de-kelsen.

Remessas Postal e Expressa – Tributação. Disponível em: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/aduana-e-comercio-exterior/manuais/remessas-postal-e-expressa/topicos/tributacao.

Portaria Coana nº 82, de 17 de outubro de 2017.

Ato Declaratório Executivo COANA nº 19, de 06 de outubro de 2014.

Instrução Normativa RFB nº 1737, de 15 de setembro de 2017.

Ricardo Henrique de Oliveira é auditor-fiscal da Receita Federal do Brasil, especialista em Direito Aduaneiro e Comércio Exterior pela Universidade Católica de Brasília (UCB).

Consultor Júridico

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