A Constituição dispõe nos parágrafos do artigo 66 sobre o rito final do processo legislativo decorrente da aprovação de uma lei ordinária ou complementar [1]: a sanção ou o veto presidencial.
Dependendo da instância em que o procedimento legislativo se der por encerrado, tanto a Câmara dos Deputados quanto o Senado Federal poderão enviar o projeto de lei ao Presidente da República para este desiderato.
Já o presidente da República, ao considerar um PL no todo ou em parte inconstitucional ou contrário ao interesse público, endereçará a comunicação sobre os motivos dos vetos sempre ao Presidente do Senado Federal no prazo de 48 horas.
2. Há previsão expressa na CF a permitir que tanto a contagem do prazo do veto quanto o da sanção sejam contabilizados em dias úteis?
Ao indagarmos a qualquer estudante de Direito qual é o prazo do veto a um projeto de lei a pronta resposta será: 15 dias úteis. Mas e se perguntarmos sobre o prazo para a sanção de um PL, poderemos obter a mesma resposta, considerando que o §º3º, do artigo 66 da CF, é silente?
Essa resposta é relevante e depende da análise de dois institutos aplicáveis ao caso: o silêncio eloquente (beredtes schweigen) e a lacuna constitucional.
O exame de ambos, sob o ponto de vista prático, é tão relevante que em 1991, no RE 130.552/DF [2], o ministro Moreira Alves distinguiu-os da seguinte forma: nas hipóteses de vácuo constitucional seria permitido o uso da analogia, ao passo que no silêncio eloquente seria proscrita a utilização deste mecanismo.
Para melhor elucidação vamos exemplificar respondendo à nossa pergunta inicial sobre o §3º do artigo 66, da CF: o silêncio eloquente restringiria a aplicação do prazo de 15 dias úteis apenas ao veto previsto no §1º, pois expressamente assim autorizado.
Já se entendermos que a omissão constitucional da contagem do prazo para sanção tácita (em dias úteis ou corridos) seria meramente uma lacuna do constituinte, restaria permitida a utilização da analogia e o cômputo em dias úteis.
É mister destacarmos que tal distinção entre silêncio eloquente e lacuna no texto constitucional não é tão simples, a ponto de encontrarmos posicionamentos distintos na jurisprudência do STF [3].
Além disso, especificamente sobre o tema há inclusive uma proposta de Emenda Constitucional nº 48/2017, de forma a prever expressamente que o prazo para a sanção tácita se dará em dias úteis e passará a ser observado quando o presidente da República não se manifestar pela aprovação e tampouco vetar a iniciativa.
Em análise aos anais da Assembleia Constituinte, o anteprojeto constitucional, elaborado pela Comissão Provisória de Estudos Constitucionais (Projeto Afonso Arinos), publicado no DO em 26/9/1986, disciplinou expressamente que a contagem de ambos os prazos (sanção e veto) seria em dias úteis.
Nas atas da Assembleia Constituinte em que foram registradas as sessões relacionadas ao processo legislativo, especificamente a ocorrida nos dias 1º/9/1987, 3/9/1987 e 2/9/1988, a menção à contagem do prazo em dias úteis no tocante à sanção desapareceu sem maiores explicações.
Portanto, essa omissão constitucional seria um silêncio eloquente a ponto de impedir a aplicação da analogia do prazo de 15 dias úteis à sanção tácita?
Na prática, a contagem tem sido indiferente até o presente momento, mas há um ponto nevrálgico neste tema que demanda uma atenção: os termos inicial e final na contagem do prazo do veto.
Por qual razão? A depender do cômputo, um veto extemporâneo resultará no reestabelecimento da lei (ordinária ou complementar), cuja discussão poderá ter início por intermédio de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental perante o STF.
2. Qual é a forma de contagem do dies a quo e ad quem em relação ao veto?
O início do cômputo do prazo para veto se materializaria com a recepção do PL por parte do presidente da República e o término com o recebimento da mensagem por parte do presidente do Senado? Ou, ainda em relação ao dies ad quem, seria aquele em que a publicação da mensagem de veto ocorrer no Diário Oficial?
Nesta contagem poderíamos aplicar por analogia o artigo 8º, §1º, da Lei Complementar nº 95/98 [4] que contabiliza para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral?
O STF parece computar o termo final dos 15 dias úteis a partir da recepção do PL pelo presidente da República e como dies ad quem o envio da mensagem do veto ao presidente do Senado Federal.
A título de exemplo, na ADPF nº 714, de relatoria do ministro Gilmar Mendes, os autógrafos do PL nº 1.562/2020 foram remetidos pelo Presidente da Câmara dos Deputados à sanção presidencial por meio da Mensagem nº 7, em 12/6/2020, recepcionada pela Casa Civil na mesma data.
Neste caso o STF contabilizou como dies a quo a data de 12/6/2020, de modo que o interregno de 15 dias úteis para o exercício da deliberação executiva tinha como marco final 2/7/2020, data exata em que o chefe do Poder Executivo enviou a Mensagem 374/2020, ao presidente do Senado, comunicando o veto parcial e expondo os seus motivos.
O curioso neste caso é que além de ter sido considerada a data de recebimento para fins de definição do dies a quo, foi desprezada a publicação no Diário Oficial ocorrida no dia 3 de julho de 2020 (Edição 126, Seção 1, página 4), ou seja, a relevância foi dada à data de envio da mensagem do Poder Executivo ao Senado.
Da mesma forma, na ADPF nº 893, cujo relator para o acórdão foi o ministro Luis Roberto Barroso, os autógrafos do Projeto de Lei de Conversão nº 12/2021 foram recebidos na Casa Civil em 24/6/2021.
No dia 14/7/2021 foi enviada a Mensagem nº 339/2021, do presidente da República ao presidente do Senado, e no dia seguinte (15/7/2021), tanto a Lei nº 14.183/2021, quanto a mensagem sobre os vetos parciais foram publicados no Diário Oficial da União.
Para o STF, neste caso, como o recebimento da Mensagem nº 28/2021 do presidente da Câmara deu-se em 24 de junho de 2021, e a Mensagem nº 339/2021 do presidente da República com a razões dos vetos é de 14 de julho de 2021, não teria transcorrido in albis o prazo de 15 dias úteis.
Parece que se olvida o STF ser a publicidade do ato administrativo no Diário Oficial uma condição de eficácia para a produção dos seus efeitos.
Trata-se de tema dotado de alta relevância, pois em razão do princípio da simetria, tanto os estados quando os municípios devem observar este mesmo prazo para fins de veto legislativo e, em muitos casos, não há formalização adequada sobre estes trâmites internos, inviabilizando o adequado controle, seja externo ou social.
E as mensagens entre os poderes constituídos nada mais são do que atos administrativos, ainda que de cunho político.
Portanto, não se afigura adequada a contabilização do dies a quo para fins da materialização do veto o simples recebimento da informação via “oficio” pelo presidente do Senado, mas sim a publicação desta informação no Diário Oficial.
Isso porque conceitualmente a publicidade é a divulgação oficial do ato para conhecimento público, ou seja, trata-se de condição indispensável para que leis, contratos e atos administrativos, aí incluída a mensagem de veto, produzam eficácia perante terceiros (no caso, a sociedade).
A publicidade, desde a criação do journel officiel na França no ano de 1811, é uma condição de produção de efeitos externos dos atos administrativos, isto é, antes da publicidade no Diário Oficial o ato administrativo não se completou, pois não concluiu todas as fases necessárias à sua inserção no mundo jurídico.
Colacionamos de maneira exemplificativa as respectivas Leis de Licitações (8.666/93 e 14.133/2021) e de contrato de desempenho (Lei nº 13.934/2019), que condicionam a eficácia dos atos à publicação do Diário Oficial:
Art. 61. Todo contrato deve mencionar os nomes das partes e os de seus representantes, a finalidade, o ato que autorizou a sua lavratura, o número do processo da licitação, da dispensa ou da inexigibilidade, a sujeição dos contratantes às normas desta Lei e às cláusulas contratuais.
Parágrafo único. A publicação resumida do instrumento de contrato ou de seus aditamentos na imprensa oficial, que é condição indispensável para sua eficácia, será providenciada pela Administração até o quinto dia útil do mês seguinte ao de sua assinatura, para ocorrer no prazo de vinte dias daquela data, qualquer que seja o seu valor, ainda que sem ônus, ressalvado o disposto no art. 26 desta Lei.
Art. 94. A divulgação no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) é condição indispensável para a eficácia do contrato e de seus aditamentos e deverá ocorrer nos seguintes prazos, contados da data de sua assinatura:
I – 20 (vinte) dias úteis, no caso de licitação;
II – 10 (dez) dias úteis, no caso de contratação direta.
§ 1º. Os contratos celebrados em caso de urgência terão eficácia a partir de sua assinatura e deverão ser publicados nos prazos previstos nos incisos I e II do caput deste artigo, sob pena de nulidade.
Art. 7º. O contrato de desempenho deverá conter, entre outras, cláusulas que estabeleçam:
(…)
Parágrafo único. O supervisionado deve:
I – publicar o extrato do contrato em órgão oficial, sendo a publicação condição indispensável para a eficácia do contrato;
II – promover ampla e integral divulgação do contrato por meio eletrônico.
4. Conclusão
Essa discussão está longe de ser uma mera filigrana e está em pauta no STF (ADPF 1.078).
No caso em concreto, o governador do estado de São Paulo deixou de observar o prazo de 15 dias úteis para vetar uma lei, ultrapassando em três dias o interregno previsto constitucionalmente, de forma que o recebimento do PL para deliberação por parte do excelentíssimo senhor governador, conforme se extrai do andamento da Assembleia Legislativa ocorreu no dia 12/01/2023, e a publicação do veto no Diário Oficial ocorreu no dia 4/2/2023 (sábado) quando em verdade deveria ter ocorrido até o dia 1º/2/2023 (quarta-feira).
Um último ponto a se destacar é que não se está a pleitear o controlar jurisdicional do teor das razões do veto, mas sim a extemporaneidade da publicação do ato político administrativo.
Desta forma, ultrapassado o prazo de 15 dias úteis para se vetar qualquer lei, o corolário natural é a sua sanção tácita.
Portanto, a consequência prática da inobservância do prazo para veto de qualquer lei permite que o STF em decisão judicial restabeleça a sua eficácia (in casu, a Lei Complementar nº 81/2019) e recomponha a vontade do legislador positivo, seja uma Câmara Municipal, uma Assembleia Legislativa ou Distrital ou o Congresso Nacional, assegurando a adequada separação de funções prevista no artigo 2º, da CF.
[3] Aldo de Campos Costa em percuciente pesquisa demonstra que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal considera exemplos de “silêncio eloquente”: (a) a inexistência de lei que atribua competência à Justiça do Trabalho para julgar litigio entre sindicato de empregados e empregadores sobre o recolhimento de contribuição estipulada em convenção ou acordo coletivo de trabalho (RE 135.637); (b) a inexistência de qualquer condição ou limite, no regime constitucional do IPI, à compensação do tributo pago nas operações antecedentes, ao contrário do que ocorre com o ICMS (RE 562.980); (c) a inexistência de menção à imunidade formal ou processual dos vereadores no art. 29 da Constituição Federal (ADI 371). No sentido contrário, não podem ser interpretadas como “silêncio eloquente” do legislador: (a) a inexistência de previsão específica do Código de Processo Penal acerca do direito à substituição de testemunha não encontrada (AgR-AP 470); (b) a inexistência de previsão constitucional de tempo mínimo de atividade profissional para que os advogados possam fazer parte da lista elaborada para o Tribunal Regional Eleitoral (STF RMS 24.334); (c) a inexistência de alusão à união entre pessoas do mesmo sexo no parágrafo 3º do art. 226 da Constituição Federal (ADPF 132 ). COSTA, Aldo de Campos. O “silêncio eloquente” na jurisprudência do Supremo. Fonte: https://www.conjur.com.br/2013-nov-21/toda-prova-silencio-eloquente-jurisprudencia-supremo. Acesso em 20.12.2015.
Roberto Tadao Magami Junior é advogado, procurador autárquico, pós-graduado e mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.