Com à alteração da Lei 11.101/05 promovida pela Lei 14.112/20, incluiu-se a denominada “Seção II-A” e adicionados os artigos 20-A até o 20-D, com o objetivo de se regular as conciliações e mediações antecedentes ao processo de recuperação judicial.
Muito comemorado pelos profissionais da área, essa novidade legislativa trouxe de maneira positivada uma possibilidade de se esquivar do denso procedimento recuperacional, utilizando-se da mediação, que pode ser individual ou coletiva, intitulado de “mecanismo de pré-insolvência”.
A efetividade desse mecanismo se dá pela possibilidade de suspensão das dívidas e execuções do devedor pelo período de 60 dias, em caráter improrrogável. Além disso, o procedimento de mediação em conjunto com o ajuizamento da tutela de urgência cautelar, possibilita trazer de maneira mais efetiva o credor para a mesa de negociação, transmitindo a mensagem velada de que na impossibilidade de êxito na mediação, a recuperação judicial seria a consequência lógica, o que pioraria o cenário para ambas as partes.
De maneira interpretativa, conseguimos compreender que a instauração do procedimento de mediação pode acontecer de forma isolada, facultando o pedido de suspensão supramencionado para ser usado pelo devedor no momento em que entender melhor, possibilitando a utilização de forma estratégica.
A justificativa de tal conclusão se dá, pois caso seja infrutífera as negociações em sede de mediação e havendo a necessidade do ajuizamento da recuperação judicial, o período de suspensão antecedente é descontado do stay period.
Com isso, por força do §1º do art. 20-B é muito claro ao dizer: § 1º Na hipótese prevista no inciso IV do caput deste artigo, será facultado às empresas em dificuldade que preencham os requisitos legais para requerer recuperação judicial obter tutela de urgência cautelar, nos termos do art. 305 e seguintes da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), a fim de que sejam suspensas as execuções contra elas propostas pelo prazo de até 60 (sessenta) dias, para tentativa de composição com seus credores, em procedimento de mediação ou conciliação já instaurado perante o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) do tribunal competente ou da câmara especializada, observados, no que couber, os arts. 16 e 17 da Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015.
Frisa-se aqui a frase “já instaurado”, que em uma rasa interpretação da língua portuguesa, entende-se requisito com necessidade de ser cumprido de maneira prévia.
Como toda alteração legislativa importante passa-se pelo período de adaptação, após a vigência desta norma no ano de 2021, natural que haja algumas decisões em desconformidade com a nova ideia legislativa.
Durante todo o ano inaugural, na tentativa de utilização do instituto de pré-insolvência pelos devedores, houve em sua grande maioria pedido na petição inicial de designação e nomeação de mediador para que as negociações antecedentes pudessem acontecer. Cômico até utilizarmos a expressão “antecedentes” nesse momento, posto que seu caráter antecipado já teria se perdido nesta altura. O mais surpreendente é que este foi o entendimento acolhido e utilizado na época por diversos magistrados que passaram eles próprios a designar a instauração da mediação.[1][2][3]
Com essa prática, enfraquece-se demais a finalidade de se evitar o ajuizamento da recuperação judicial, uma vez que o prazo de 60 dias é improrrogável[4], e ao solicitar o inicio da mediação ao magistrado, provoca-se duas situações: (i) contagem dos dias de suspensão da dívida sem que haja perspectiva de êxito nas negociações por estar ausente o procedimento de mediação e; (ii) perda da possibilidade de utilização estratégica da tutela de urgência cautelar para frear tentativa de expropriação por credor.
Conforme mencionado anteriormente, aceitável ainda a aplicação de forma equivocada, sendo este o preço que se paga até a solidificação da interpretação de norma recém positivada.
Pensando em dar mais substância e melhorar as interpretações das inovações legislativas, realizou-se em Brasília no dia 08/03/2023 o 1º Fórum Nacional de Recuperação Empresarial e Falências (Fonaref), organizado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), onde se buscou elucidar e consolidar as interpretações deste procedimento com novos enunciados aprovados.
Dentre tantos esclarecimentos, o Enunciado 2 trouxe de maneira muito transparente como deve-se proceder a utilização do §1º do artigo 20-B da Lei 11.101/2005. Vejamos:
Enunciado 2: A concessão da medida cautelar prevista no art. 20-B, §1º, da Lei nº 11.101/2005 pressupõe a demonstração pelo requerente de que o procedimento de mediação ou conciliação foi instaurado no CEJUSC do tribunal competente ou da câmara especializada, com a comprovação do requerimento da expedição de convite para participar do referido procedimento.
O referido enunciado, do qual tive a oportunidade de participar das discussões, foi feito sob a justificativa de que o texto da lei condiciona o deferimento da tutela de urgência cautelar à demonstração de que o procedimento de mediação ou conciliação já esteja instaurado perante o Cejusc ou câmara privada.
Após a publicação dos enunciados aprovados neste notório fórum, sobreveio a esperança de que agora a finalidade do mecanismo de pré-insolvência seria realizada de maneira plena, visto que deste modo as dúvidas estariam sanadas, explicadas e detalhadas.
Como nem tudo são flores, recentemente na data de 11/4/2023, tivemos a utilização da tutela cautelar de urgência com pedido de suspensão das dívidas feita pela Light[5], concessionária pública de energia elétrica. Neste processo questiona-se a legitimidade da Light em realizar esse pedido em face da vedação que existe da utilização do instituto da recuperação judicial por concessionária de energia elétrica[6], porém, o que nos interessa é que mais uma vez não se comprovou a instauração prévia de procedimento de mediação, tendo despacho inicial proferido nomeando e intimando mediadora para apresentar proposta de honorários e instauração do procedimento.
Com todos esses acontecimentos, dificulta-se a implementação com a efetividade esperada do mecanismo de pré-insolvência, devendo ser estes enunciados e a própria letra da lei melhor utilizados pelos operadores do direito envolvidos nessas operações.
Concluímos que a ausência do procedimento de mediação antecedente torna totalmente sem efeito a possibilidade de se evitar a Recuperação Judicial, uma vez que pode ter transcorrido boa parte do prazo de suspensão, que deveria ser utilizado para trazer o credor para mesa, mas que desta forma é jogado fora no aguardo do início das negociações propriamente ditas, ou até mesmo podendo acontecer o fim da suspensão sem sequer ter acontecido as mediações.
Henrique Rocha Armando é advogado sócio proprietário do escritório Armando & Advogados Associados e pós-graduando em Direito Empresarial pela FGV.