Rodrigo Spessatto: Princípio do Equilíbrio Financeiro e Atuarial

A contribuição previdenciária, considerando ser uma das espécies tributárias arroladas no ordenamento jurídico brasileiro, submete-se às regras da prescrição e decadência disciplinadas na Lei federal nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional).

Nos moldes do artigo 156, inciso V, do CTN [1], a prescrição é também definida como sendo uma das modalidades de extinção do crédito tributário, preceituando o caput do artigo 174 que a “ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva” [2]. (grifou-se)

No mesmo sentido, estabelecendo idêntico lapso temporal, foi redigido o artigo 1º do Decreto federal nº 20.910, de 06 de janeiro de 1932, segundo o qual as “dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem” [3].

Não há dúvida, portanto, que as obrigações que envolvem a Fazenda Pública, notadamente as tributárias, devem observância ao prazo prescricional de cinco anos, sendo que o Superior Tribunal de Justiça, ao editar o enunciado da Súmula nº 85, expressamente consignou que “nas relações jurídicas de trato sucessivo” em que figure como “devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior a propositura da ação” [4].

Insta consignar que, com relação às contribuições previdenciárias, os respectivos fatos geradores se protraem no tempo, uma vez que são mensalmente realizados pelo servidor público, especificamente quando do pagamento de sua remuneração pelo Ente Empregador. Com o mesmo entendimento, é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

“TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. SERVIDORES PÚBLICOS. DÉCIMO-TERCEIRO SALÁRIO (GRATIFICAÇÃO NATALINA). ANO DE 1999. INCIDÊNCIA SOBRE A TOTALIDADE DA GRATIFICAÇÃO. 1. ‘O fato gerador da contribuição previdenciária prevista na Lei 9.783/99 é a percepção da remuneração pelo servidor ou pensionista. A regra é aplicável à gratificação natalina, sendo irrelevante, para esse fim, que a aquisição do direito à referida verba dê-se ao longo do ano, a cada mês ou fração superior a 15 dias (Lei 8.112/90, artigo 63)’ (REsp 462.986/RS, relator ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, DJ de 30.05.2005, p. 214). No mesmo sentido: REsp 873.308/RS, relator ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJ de 31.10.2006, p. 275). 2. Recurso Especial provido”. (REsp nº 461.030/SC, relator ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 17/4/2007, DJe de 3/9/2008).

“CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE PROVENTOS DE INATIVO. POLICIAL MILITAR. LEI DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Nº 4.725/04. EC Nº 41/03. ARTIGOS 40 E 42, §1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE SOCIAL. 1. (…) 2. A contribuição previdenciária tem como fato gerador a percepção de proventos de aposentadorias ou pensões, na forma do artigo 4º, parágrafo único, da EC nº 41/03, devendo ser instituída pelo ente titular de competência para arrecadá-la em seu território, por lei em sentido material, conforme o artigo 150, I, da Constituição Federal. No Estado do Rio de Janeiro, a Lei 4.275/04 materializou a determinação constitucional, normatizando a submissão dos servidores militares às contribuições de natureza previdenciária. 3. O texto do artigo 40 da Constituição Federal, alterado pela EC nº 41/03, é claro ao eleger como destinatários de seu comando tanto o funcionalismo civil como o militar; tanto os servidores da ativa como os aposentados. A extensão de tratamento diferenciado e privilegiado aos servidores públicos militares não pode ser permitida, devendo-se consolidar o entendimento de que a Lei 4.275/04 do Estado do Rio de Janeiro apenas disciplinou a matéria sob os auspícios do texto da Carta Maior, fundando-se na solidariedade social e na manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da previdência. 4. Recurso ordinário em mandado de segurança não-provido”. (RMS nº 20.242/RJ, relator ministro José Delgado, 1ª Turma, julgado em 27/9/2005, DJ de 17/10/2005, p. 176).

Cabe asseverar que o servidor público realiza o fato gerador na qualidade de contribuinte, devendo o Ente Empregador efetuar a retenção do tributo na condição de responsável-substituto tributário, sendo que o recolhimento das contribuições previdenciárias está sujeito ao lançamento por homologação. Não é outro o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

“TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL DA UNIÃO. CONHECIMENTO PARCIAL. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DESCONTADA NA FONTE. SERVIDOR PÚBLICO. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. PRECEDENTES. 1. Recurso especial de Paulo Lemos dos Santos já julgado conforme decisão de fls. 346/354, contra a qual não interposto recurso (fl. 359). 2. Recurso especial da União que ultrapassa a barreira de admissibilidade recursal, tão-somente no tocante à discussão sobre a natureza do lançamento do tributo, no caso, contribuição previdenciária de servidor público. 3. Nos termos da jurisprudência da Primeira Seção, a contribuição previdenciária é tributo sujeito a lançamento por homologação, não tendo a simples retenção na fonte o condão de transmudar a natureza do lançamento da exação (de lançamento por homologação para lançamento de ofício). Precedentes: EREsp 1.096.074/SP, relator ministro Humberto Martins, Primeira Seção, julgado em 9/6/2010, DJe 16/6/2010; AgRg nos EREsp 216.758/SP, relator ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, julgado em 22/3/2006, DJ 10/4/2006, p. 111. 4. Recurso especial da União parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido”. (REsp nº 1.224.723/SC, relator ministro Gurgel de Faria, relator para acórdão ministro Sérgio Kukina, 1ª Turma, julgado em 3/9/2019, DJe de 10/9/2019).

Percebe-se, assim, que o recolhimento das contribuições previdenciárias está submetido ao regime de substituição tributária, de modo que os Entes Federativos ultimam a retenção da exação na condição de responsável-substituto tributário, quando da prática do fato gerador por seus servidores, conforme disciplina o artigo 128 do CTN:

“Artigo 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação”.

Em outras palavras, os Entes Federativos figuram na relação jurídico-tributária na condição de responsável-substituto tributário, a quem a lei incumbe o dever de recolhimento do tributo em nome do contribuinte, efetuando o desconto na fonte das contribuições previdenciárias quando do recebimento da remuneração por seus servidores.

Estabelecida tal premissa, faz-se mister relatar que, conquanto as contribuições estejam sujeitas às regras tributárias, resta indubitável que devem igual ou maior observância aos preceitos constitucionais atinentes ao regime previdenciário, notadamente por também constituírem uma das principais fontes de custeio da seguridade social, nos termos do artigo 195 da Constituição Federal [5].

Destaca-se que, com relação especificamente ao Regime Próprio de Previdência Social, determina o artigo 40, caput da Constituição Federal, que “terá caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente federativo, de servidores ativos, de aposentados e de pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial” [6].

O postulado estruturante, que deve ser obrigatoriamente observado por todos os Entes Federativos e que está consagrado na referida norma constitucional, trata-se do Princípio do Equilíbrio Financeiro e Atuarial, cuja importância se revela notória considerando que a grande maioria dos RPPS possui déficit atuarial a ser equacionado.

Vale ressaltar que a inobservância do Equilíbrio Financeiro e Atuarial dos Regimes Próprios de Previdência Social poderá resultar, em um futuro próximo, no inexorável desequilíbrio das contas públicas dos Entes Federativos, mormente diante do crescente gasto com as despesas de pessoal, em detrimento da efetivação de outras políticas públicas constitucionalmente tuteladas (saúde, educação, segurança e moradia, etc).

Desse modo, revela-se imprescindível o respeito ao Equilíbrio Financeiro e Atuarial dos RPPS, notadamente diante da correlata proteção de outros valores constitucionais que dependem do equacionamento das contas públicas e que gravitam em torno do citado Princípio.

Impende mencionar, outrossim, que alguns postulados constitucionais se caracterizam por possuir densidade normativa que, conforme ensina Ingo Wolfang Sarlet, corresponde à ideia de se “definir, em nível constitucional, com certo grau de precisão, o objeto ou conteúdo principal da norma” [7], ou seja, quando a norma constitucional fornece critérios claros e precisos para sua concretização.

Ao se fazer uma análise da norma estampada no artigo 40, caput da Constituição Federal, não há dúvida que, malgrado a sua redação retrate um princípio intitulado de Equilíbrio Financeiro e Atuarial, a sua exequibilidade se demonstra imediata e diretamente aplicável, o que revela a existência de um objeto claro e preciso a ser obrigatoriamente cumprido pelos Entes Federativos, de modo que resta evidente a sua densidade normativa.

Consoante acima relatado, em regra, as espécies tributárias estão sujeitas à prescrição, cujo regramento está inteiramente disciplinado em Lei Complementar federal, em especial no Código Tributário Nacional, ou seja, em legislação infraconstitucional.

A despeito das contribuições previdenciárias também serem uma espécie de tributo, considerando os postulados constitucionais acerca do regime previdenciário, deve-se fazer uma análise axiológica e hierárquica das regras relativas à prescrição, cotejando-se com o preceituado no artigo 40, caput da Constituição Federal que, como visto, possui densidade normativa ao tratar do Equilíbrio Financeiro e Atuarial, razão pela qual o seu postulado possui aplicação direta e imediata.

Ademais, importante esclarecer que as contribuições previdenciárias não possuem natureza acessória ao benefício previdenciário a ser concedido, uma vez que, repisa-se, tratam-se de espécie tributária que deve ser obrigatoriamente adimplida pelos Entes Federativos na qualidade de responsável-substituto tributário, quando da prática do fato gerador pelos respectivos servidores na condição de contribuinte do tributo.

Noutros termos, não há qualquer vínculo financeiro direto entre as contribuições previdenciárias pagas durante todo o período trabalhado pelos servidores públicos e o posterior benefício a ser concedido, primeiro, porque as contribuições são revertidas à previdência pública, destinando-se unicamente aos Regimes Próprios de Previdência Social.

Assim, diferentemente do que ocorre com o regime de previdência complementar, as contribuições não ficam vinculadas direta e individualmente ao segurado, de modo que não retrata uma “poupança” do servidor, uma vez que servem para custear todo o sistema público de previdência social.

Destarte, considerando a densidade normativa do artigo 40, caput da Constituição, devem ser recolhidas as contribuições previdenciárias devidas por durante todo o período laborado pelo servidor, sob pena de quebrar os Regimes Próprios de Previdência Social e, precipuamente, violar o Princípio do Equilíbrio Financeiro e Atuarial, cuja norma é imediata e diretamente aplicável, além de hierarquicamente superior às regras que tratam da prescrição tributária.

Rodrigo Spessatto é mestrando em Direito pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc), especialista em Direito Público pela Universidade Potiguar (UNP) e procurador da Foz Previdência (Fozprev).

Consultor Júridico

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