Rosa Weber se aposenta após quase 12 anos de Supremo

Protagonista de momentos marcantes ao longo de sua atuação no Supremo Tribunal Federal, a ministra Rosa Weber se aposentou depois de quase 12 anos na corte e às vésperas de completar 75 anos — idade limite para permanecer na função. O decreto da aposentadoria foi assinado nesta sexta-feira (29/9) e publicado no Diário Oficial da União

Ministra ingressou no Supremo em 2011 e se aposentou depois de quase 12 anos de corte

Fellipe Sampaio/STF

Indicada por Dilma Rousseff (PT), Rosa assumiu o posto de ministra em dezembro de 2011, sendo a terceira mulher e a primeira juíza de carreira a integrar o STF. Fora ela, a presença feminina na corte ficou restrita às ministras Ellen Gracie, sua antecessora, e Cármen Lúcia. Diz a quem perguntar que preferiria não ser sucedida por um homem. 

Em sua presidência, enfrentou um fato inédito: as manifestações do 8 de janeiro, que levaram à invasão e depredação do Supremo, além do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto. Se o objetivo do ato golpista, no entanto, era ferir o tribunal de morte, teve efeito oposto: o STF se uniu em torno da figura de Rosa e a ministra liderou o esforço conjunto de reconstruir o tribunal e punir os envolvidos no ataque. 

A primeira demonstração simbólica de unidade veio em 9 de janeiro, um dia depois dos atos. Na ocasião, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), juntamente com Rosa e com os ministros Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, além dos governadores dos 26 Estados e do Distrito Federal, caminharam pela Praça dos Três Poderes, rumo ao Supremo, indicando que em vez de desorganizar, a violência bolsonarista pode ter servido como freio a futuras aventuras golpistas. 

“Os atentados à democracia ocorridos no dia 8 de janeiro de 2023 ficarão gravados na história de nosso país. Mas o que igualmente ficará gravado de forma indelével na história é a maneira como este Supremo Tribunal Federal, de forma rápida e sob o comando seguro da Presidente Rosa Weber, se reconstruiu física e espiritualmente”, disse à revista eletrônica Consultor Jurídico o ministro Gilmar Mendes. 

“Todos nós pudemos ser testemunhas da resiliência e da tenacidade da Ministra Rosa na garantia de que absolutamente nada seria capaz de constranger, obstruir ou demover o Poder Judiciário do cumprimento de sua missão constitucional. Se hoje narramos o sucesso do funcionamento de nossas instituições, isso se deve, em grande parte, à luta incansável da nossa ministra presidente em defesa da Suprema Corte e da democracia”, prosseguiu. 

Em 1º de janeiro, com a presença dos chefes dos Executivo e do Legislativo, Rosa abriu o ano Judiciário em um Plenário já totalmente reparado

Fellipe Sampaio /SCO/STF

O ato mais simbólico veio em 1º de fevereiro, na cerimônia de abertura do ano Judiciário. Os ministros abriram os trabalhos em um Plenário já totalmente reparado, algo de que Rosa se orgulha. A solenidade teve tom geral de reorganização institucional e contou com a presença dos chefes dos três poderes. Nele, a ministra mandou um recado: a baderna de cerca de um mês antes não atrasaria o funcionamento do Judiciário.

“A presidência da ministra Rosa Weber foi marcada, sem dúvida, pela defesa incondicional da democracia, da integridade das instituições e, em especial, do Supremo Tribunal Federal. Sua atuação firme e corajosa desde os primeiros momentos após os atos golpistas de 8 de janeiro, mais que a defesa do Supremo, foi um trabalho contra o arbítrio, em defesa do regime democrácito e dos ideais da Constituição da República”, afirma o ministro Dias Toffoli. 

Ano agitado

Rosa tomou posse como presidente do Supremo há pouco mais de um ano, em 12 de setembro de 2022. A gestão se deu toda em um período turbulento: começou na reta final das eleições, em que crescia cada vez mais a animosidade vinda do Planalto de Jair Bolsonaro (PL), e terminou com as primeiras condenações contra envolvidos no 8 de janeiro. 

Fez de 2023, no entanto, um ano importante não só para o Supremo, mas para o Judiciário como um todo: sob sua liderança o tribunal pautou e validou o juiz das garantias, invalidou o marco temporal para demarcação de terras indígenas, iniciou o julgamento que deve levar à discriminalização do porte de drogas para consumo próprio e começou a análise sobre a discriminalização do aborto. A ministra votou pela liberação até a 12ª semana de gestação. 

Rosa, Lula e ministros dos 26 Estados e do DF caminharam rumo ao Supremo um dia depois dos atos de 8 de janeiro

STF

Na gestão de Rosa, o Supremo também aprovou uma mudança no regimento interno estabelecendo que os pedidos de vista devem ser devolvidos no prazo máximo de 90 dias corridos. Já processos paralisados antes da mudança regimental devem ser devolvidos em até 90 dias úteis. 

Com a alteração, também ficou definido que, em casos urgentes, o relator deve submeter decisões monocráticas imediatamente para referendo do Plenário ou das turmas, a depender da competência. 

“Foi em sua gestão que tivemos reformas regimentais de alta relevância. As recentes emendas ao nosso regimento interno, ao disciplinarem prazos para devolução de pedidos de vista e para referendo de liminares concedidas, conferiu maior celeridade e eficiência aos julgamentos. Somente a ministra Rosa, com muita habilidade, conseguiu resolver essas questões que revelavam algumas das fraturas expostas deste tribunal”, disse Gilmar ao homenagear a ministra na sessão de quarta-feira (27/9). 

Foi na gestão de Rosa que, acumulando também o cargo de presidente do Conselho Nacional de Justiça, foram retomados os mutirões carcerários, que buscaram revisar mais de 100 mil processos entre julho e agosto de 2023. 

Na terça-feira (26/9), sob a liderança de Rosa, o CNJ também aprovou uma proposta para aumentar a quantidade de mulheres magistradas na segunda instância da Justiça. A medida estabelece uma ação afirmativa para atingir a paridade de gênero dos tribunais. 

Fora de sua gestão, também deu decisões relevantes. Foi a ministra que colocou um freio nas emendas de relator, batizadas pela imprensa de “orçamento secreto”. Trata-se de parcelas do Orçamento para as quais o relator da Lei Orçamentária Anual define a destinação. Não havia transparência sobre o emprego dos recursos das emendas e nem se registrava quem fazia a solicitação. 

Em 2018, Rosa desempatou o julgamento que rejeitou um habeas corpus preventivo de Lula, decisão que acabou por abrir caminho para a prisão do petista. 

Ainda em 2018, presidiu o Tribunal Superior Eleitoral no ano em que Bolsonaro foi eleito Presidente da República e que a Corte e o sistema eletrônico de votação passaram a ser alvos de ataques. 

Perfil

Gaúcha de Porto Alegre, Rosa ingressou na magistratura trabalhista em 1976, como juíza substituta do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Foi professora da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul durante um ano. 

Em 2005, foi indicada por Lula para o cargo de ministra do Tribunal Superior do Trabalho. Em 19 de dezembro de 2011, assumiu o posto de ministra do STF.

Rosa foi presidente do TSE durante as conturbadas eleições de 2018

TSE

Desde que passou a ocupar a cadeira  no Supremo, Rosa é constantemente citada como uma pessoa de perfil discreto, em parte pelo fato de ser avessa aos holofotes e não dar entrevistas. Mas não se trata de qualquer repulsa a jornalistas: quando ingressou na Corte, um assessor lhe aconselhou que, para tratar os veículos por igual, deveria falar com todos ou com nenhum. 

Como sempre preferiu se manifestar nos autos e no Plenário, a escolha foi fácil e a ministra, embora sempre cortês com jornalistas, não concedeu mais entrevistas exclusivas. “Fujo um pouco da palavra oral e gosto mais da palavra escrita”, brincou em sua última sessão no Supremo.

A única entrevista em sua carreira foi dada em 2010 ao jornalista Rodrigo Haidar, do Anuário da Justiça, publicação desta ConJur. À época ela ainda integrava o Tribunal Superior do Trabalho e a conversa não tinha por objetivo ser publicada, mas traçar seu perfil técnico e fornecer dados sobre o funcionamento de seu gabinete e da corte.

A ministra foi a primeira indicada do PT a vir da Justiça Trabalhista. Antes dela, só um ministro era oriundo do setor trabalhista: Marco Aurélio, indicado muito antes por Fernando Collor. 

Questionada certa vez se o Supremo ficaria desassistido em matéria trabalhista com sua aposentadoria, Rosa brincou que ela é quase sempre voto vencido em temas importantes.

Foi assim nos julgamentos em que o Supremo decidiu ser da Justiça Comum a competência para julgar ação ajuizada por servidor celetista contra o poder público, apesar do vínculo empregatício entre as partes (RE 1.288.440) e quando a corte definiu que também é da Justiça Comum a competência para processar e julgar ações envolvendo contratos de representação comercial autônoma (RE 606.003). O mesmo vale para a visão crítica da ministra sobre terceirizações e sobre a chamada “pejotização”. 

Rosa deixará ao seu sucessor o menor acervo da corte, com 341 processos, entre eles o que trata do aborto. Parte deles aguarda apenas a certificação do trânsito em julgado e a baixa para a primeira instância.

Consultor Júridico

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