Pressionada pela queda nas ações e pela ascensão de ferramentas de inteligência artificial, o gigante de software corporativo Salesforce tenta convencer seus clientes nesta semana de que vai liderar a era da IA corporativa.
No Dreamforce, evento anual realizado em San Francisco, a companhia apresentou o Agentforce 360, uma plataforma que promete levar a chamada IA agêntica —sistemas capazes de agir de forma autônoma— a todos os seus produtos.
Líder mundial no setor, a empresa chefiada pelo magnata Marc Benioff, dono da revista Time, é conhecida por ferramentas de gerenciamento de clientes, atendimento e vendas. A aposta é transformar esse ecossistema em um ambiente unificado no qual pessoas e agentes de IA trabalhem em conjunto.
Dominado por anúncios e palestras sobre inteligência artificial, o Dreamforce ocorre em um momento crítico para a Salesforce, que enfrenta uma queda nas ações de quase 30% desde janeiro.
Analistas do mercado financeiro demonstram dúvidas sobre a rentabilidade dessa guinada em direção à IA agêntica, especialmente em um momento no qual as empresas ainda se acostumam com a ascensão da ferramenta como um todo.
O contexto é de uma certa desilusão com empresas de software corporativo, antes a cereja do bolo das ações do Vale do Silício devido à margem de lucro mais alta. Empresas como Adobe e ServiceNow, também de SaaS (software como serviço), acumulam baixas de 23% e 13% neste ano.
A diferença delas para a de empresas como Microsoft, Meta e Oracle, em alta, é a promessa de que a IA vai redefinir seus negócios, com grandes investimentos no desenvolvimento de produtos e em infraestrutura de computação, a moda do momento.
Com valor de mercado em torno de US$ 230 bilhões, a Salesforce tenta provar que ainda há espaço para softwares corporativos num mundo em que soluções como o ChatGPT, mais baratas e diretas, ameaçam intermediar parte das mesmas tarefas.
O Agentforce 360, apresentado nesta terça, é uma das respostas da empresa a esse cenário. A ideia é que a IA “eleve” o trabalho humano, assumindo tarefas repetitivas ou burocráticas, sem substituir as pessoas.
O conceito de “agentic enterprise” (ou empresa agêntica) repetido pela empresa resume essa visão. São companhias com assistentes digitais com certa autonomia para executar tarefas, tomar decisões simples e colaborar com funcionários em tempo real, dentro de plataformas seguras e integradas.
A plataforma Agentforce, lançada no ano passado, já vem sendo usada por clientes como Williams Sonoma, Pandora e PepsiCo e apresenta a maior taxa de crescimento de qualquer produto já lançado pela empresa, segundo Benioff.
A varejista de utensílios de cozinha criou um chat automatizado que ensina receitas e tira dúvidas de clientes, enquanto a joalheria desenvolveu um assistente de compras que orienta o consumidor conforme suas preferências.
No caso da PepsiCo, os agentes ajudam a gerenciar parcerias comerciais e a orientar técnicos no reparo de equipamentos de refrigeração. A dúvida, contudo, é se soluções do tipo convencem empresas que ainda estão aprendendo a navegar nesse espaço.
Em demonstração durante o evento, a companhia também apresentou o Agentforce Vibes, ferramenta que permite criar programas completos com comandos em linguagem natural, o chamado “vibe coding”. Em minutos, um software de monitoramento em tempo real do próprio Dreamforce foi gerado, a partir de um simples arquivo PDF e bancos de dados.
O resultado, semelhante ao que já se faz com modelos de IA generativa, é processado dentro do ecossistema da Salesforce, sob suas regras de segurança e governança de dados.
A empresa diz que o diferencial de sua tecnologia está na segurança e conformidade, ponto sensível para companhias que evitam expor dados corporativos a sistemas abertos de IA. Benioff afirma que essa é também a principal vantagem da Salesforce sobre startups como OpenAI e Anthropic.
“Os clientes não têm esse tipo de capacidade para criar seus próprios modelos, para fazer sua própria IA”, disse Marc Benioff, CEO da Salesforce, em entrevista a jornalistas.
“Eles precisam ser capazes de consumi-la através de aplicações, através da tecnologia que mostramos. Essas empresas simplesmente não estão estruturadas para dar suporte, atender e administrar e trabalhar com clientes como nós estamos fazendo.”
Exemplo dessa encruzilhada é que a empresa fechou parcerias com as próprias OpenAI e Anthropic para integrar seus modelos ao Agentforce 360 e ao Slack, app de comunicação corporativa do qual também é dona.
Com a OpenAI, o acordo permite usar modelos como o GPT-5 para criar agentes e acessar dados do Salesforce dentro do próprio ChatGPT. Já a parceria com a Anthropic tem foco em setores regulados, como finanças e saúde, oferecendo o Claude hospedado em ambiente da Salesforce, com tráfego restrito à nuvem da empresa.
O jornalista viajou a convite da Salesforce