Samara Aguilar: Indispensável combate aos crimes contra a mulher

No último dia 4 de fevereiro de 2023 a Lei Estadual 17.621 passou a vigorar, conferindo maior proteção à mulher que se sinta em situação de risco quando estiver em bares, restaurantes, casas noturnas e afins. Reza a lei que o auxílio deverá ser prestado com a oferta de um acompanhante até o carro, outro meio de transporte ou comunicação à polícia. Todavia, o rol atribui ao estabelecimento a liberdade de tomar outras medidas para oferecer proteção a ela.

De outro modo, uma exigência da lei é que as informações para o auxílio estejam afixadas em local visível dentro do estabelecimento comercial, a fim de facilitar o acesso livre e rápido para qualquer mulher que se sentir em risco. Para que tal lei tenha plena eficácia no dia a dia de cada um dos estabelecimentos comerciais também foi publicada, aos 18 de fevereiro de 2023, a Lei Estadual 17.635/23, que ainda não entrou em vigor, dispondo sobre a necessária capacitação anual de todos os funcionários dos estabelecimentos comerciais no sentido de habilitá-los a identificar e combater o assédio sexual e a cultura do estupro praticados contra a

mulher que trabalha ou frequenta referidos locais.

A norma trata da visualização das informações no sentido de quem estará disponível para ajudar a mulher em situação de risco e, traz, ainda, a novidade de que em caso de descumprimento serão aplicados, ao estabelecimento, as penas previstas nos artigos 57 a 60 do Código de Defesa do Consumidor (penalidades) considerando a gravidade da infração, a vantagem auferida pelo estabelecimento e até mesmo a condição econômica dele.

Por fim, referida lei menciona que posteriormente uma regulamentação definirá o detalhamento técnico de sua execução e delineará os critérios essenciais à capacitação dos funcionários dos bares, restaurantes, casas noturnas e afins.

Não sei se é do conhecimento de todos, mas cumpre esclarecer que tais leis foram inspiradas no protocolo “No Callem” criado em Barcelona no ano de 2018, para combater agressões sexuais e crime de assédio contra as mulheres. Movimento similar ocorreu na Assembleia Legislativa de São Paulo, após a Casa constatar a agilidade das investigações do caso do jogador de futebol, o brasileiro, Daniel Alves, na Espanha.

Entretanto, não foi a protagonista na elaboração desse protocolo. Outros países como Londres e Estados Unidos já haviam criado os seus: “Ask for Angela” (Londres em 2017) [1] e “Angel Shot” (Estados Unidos em 2016) [2].

O “Ask for Angela” é um trocadilho com a palavra “anjo”. Foi testado na Inglaterra, na região leste, em Lincolnshire, em uma instituição de caridade (Rape Crisis) que trabalha para suprimir a violência e o abuso sexual na Inglaterra e País de Gales.

O “Angel Shot” é o nome dado a um drink fictício que corresponde a um pedido de “resgate” de uma mulher em situação de perigo ou ameaça. Foi criado em um restaurante em São Petersburgo, Flórida. Se a mulher pedir um “Angel Shot Puro”, o barman irá acompanhá-la até o seu veículo, se pedir um “Angel Shot com Gelo”, o barman chamará um Uber, se pedir um “Angel Shot com Limão”, o barman chamará a polícia.

Após essa criação, diversos barmen de outros países começaram a aderir ao movimento elaborando os seus códigos para serem disponibilizados para as mulheres em situação de vulnerabilidade dentro dos estabelecimentos comerciais.

A ideia teve tanta aceitação que dois barmen ficaram famosos por usarem a profissão como meio de ajuda para as mulheres. O @call_me_cookem, com quase 76 mil seguidores no Instagram e mais de 875.500 seguidores no Tiktok, fez um vídeo com mais de 387 mil visualizações explicando o benefício de “falar em código”. O outro foi

feito por Benjamin Smith @benjispears no Tiktok, alcançou mais de 11.3K de visualizações até agosto de 2022 [3].

Pois bem! Todo este movimento tem dois únicos objetivos que são: 1) o de proteger a mulher e 2) o de abolir, de uma vez por todas, a cultura enraizada do machismo.

Contudo, os dados não caminham para o que esse movimento almeja.

Segundo informações do Fórum Brasileiro de Segurança Pública [4], no primeiro semestre de 2022, 699 mulheres foram vítimas de feminicídio, média de quatro mulheres por dia.

Este número é 3,2% mais elevado que o total de mortes registradas no mesmo período de 2021, quando 677 mulheres foram assassinadas. Os registros de estupro e estupro de vulnerável de vítimas do sexo feminino apresentaram crescimento de 12,5% no primeiro semestre de 2022 em relação ao primeiro semestre de 2021, totalizando 29.285 vítimas. Isso significa que entre janeiro e junho deste ano ocorreu um estupro de menina ou mulher a cada nove minutos no Brasil.

Porém, na contramão dos números acima, o Brasil aderiu ao Pacto Global que foi assinado durante a Cúpula das Nações Unidas em 2015, juntando-se ao rol dos 193 países signatários.

O Pacto prevê no “Objetivo 5” dessa “Agenda 2030” a Igualdade de Gênero [5]:

“5.1) Acabar com todas as formas de discriminação contra todas as mulheres e meninas em toda parte;

5.2) Eliminar todas as formas de violência contra todas as mulheres e meninas nas esferas públicas e privadas, incluindo o tráfico e exploração sexual e de outros tipos;


5.3) Eliminar todas as práticas nocivas, como os casamentos prematuros, forçados e de crianças e mutilações genitais femininas;

5.4) Reconhecer e valorizar o trabalho de assistência e doméstico não remunerado, por meio da disponibilização de serviços públicos, infraestrutura e políticas de proteção social, bem como a promoção da responsabilidade compartilhada dentro do lar e da família, conforme os contextos nacionais;

5.5) Garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de

oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública;


5.6) Assegurar o acesso universal à saúde sexual e reprodutiva e os direitos reprodutivos, como acordado em conformidade com o Programa de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento e com a Plataforma de Ação de Pequim e os documentos resultantes de suas conferências de revisão;

5.a) Realizar reformas para dar às mulheres direitos iguais aos recursos econômicos, bem como o acesso a propriedade e controle sobre a terra e outras formas de propriedade, serviços financeiros, herança e os recursos naturais, de acordo com as leis nacionais;

5.b) Aumentar o uso de tecnologias de base, em particular as tecnologias de informação e comunicação, para promover o empoderamento das mulheres;

5.c) Adotar e fortalecer políticas sólidas e legislação aplicável para a promoção da igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas em todos os níveis;”.

Portanto, se efetivamente quisermos alcançar e cumprir o que fora pactuado com os outros 192 países, devemos mudar nossa cultura, nosso comportamento, nossa visão, nossas iniciativas e nossas leis, a fim de que nosso comprometimento com o tema e com esta dura realidade não adormeça no papel, sendo certo que é inaceitável convivermos com a crescente violência anual contra a mulher.

 


[1] GANDINI, João Agnaldo Donizeti. Responsabilidade do estado por movimentos multitudinários: sua natureza objetiva.

Brasília: Revista CEJ, 18, p. 125-135, jul/set. 2002, p. 134.

Samara de Fatima Aguilar é advogada especialista em Direito de Família, pós-graduada em Direito Difuso e Coletivo, sócia do Escritório de Advocacia Aguilar Jordão Advogados, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e membro da Comissão Especial da Advocacia de Família da OAB/SP.

Consultor Júridico

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