Santiago e Azevêdo: ITCMD em operação internacional de trust

A Secretaria da Fazenda e Planejamento de São Paulo, em controverso entendimento, decidiu sobre a incidência do ITCMD em operações internacionais de trust. A Sefaz-SP afirmou que o imposto deve ser exigido na transferência de ativos do instituidor do trust (settlor) ao administrador (trustee), indo na via oposta ao entendimento já pacificado do Supremo Tribunal Federal.

O STF, ao decidir sobre a matéria, julgou a ADO 67, entendendo que o ITCMD não incide sobre doações de bens no exterior e que, para uma possível incidência, seria necessária lei complementar para regularizar a questão. Um ano antes, os ministros da Suprema Corte já haviam analisado o tema, ao julgar o Recurso Extraordinário n° 851.108, com Repercussão Geral, entendendo que os estados e o Distrito Federal não têm competência legislativa para instituir a cobrança.

O ITCMD, por sua vez, se trata do Imposto de Transmissão causa Mortis e Doação, e é um tributo de competência impositiva dos estados e do Distrito Federal, cuja previsão constitucional se encontra no artigo 155, inciso I da Constituição de 1988. Contudo, no ano de 2020, a Receita Federal orientou os fiscais de que o recebimentos dos beneficiários do trust, que sejam residentes no Brasil, estariam sujeitos ao recolhimento de até 27,5% de Imposto de Renda, que por sua vez é um imposto de competência da União, e não dos estados e do Distrito Federal, como o ITCMD.

A recente decisão da Sefaz-SP cria uma grande confusão e deixa um enorme desconforto para o contribuinte, que na ausência de qualquer lei complementar, está sujeito a bitributação imposta pela falta de coerência tributária gerada pela imprevisibilidade das decisões do Fisco ante o entendimento dos tribunais, tornando a judicialização da matéria, saída inevitável.

A consequência dessa decisão será, invariavelmente (se é que podemos usar este nível de certeza com um judiciário como o nosso), a falta de economia processual, pautada na contradição entre o entendimento da Sefaz-SP com a posição dos tribunais, causando ao contribuinte toda sorte de prejuízos, seja com os honorários advocatícios que terá de arcar, seja com o tempo de processo, que terá de esperar, seja com a expectativa do resultado que, ao fim, acompanhará o entendimento dos tribunais, gerando ao fisco a responsabilidade de arcar com a sucumbência, que será custeada com o dinheiro dos próprios contribuintes prejudicados pela falta de critérios do poder público quanto ao entendimento tributário em questão.

A decisão da Sefaz-SP é desrespeitosa e deve ser revista com urgência, não só por contrariar a tendência jurisprudencial dos tribunais nacionais, como também por ignorar a própria lógica da estrutura do trust, por ser esta, na maioria das vezes, incompatível com a incidência do ITCMD.

O trust nada mais é do que uma entidade jurídica criada no exterior para gerenciar e controlar propriedades e ativos em benefício de seus beneficiários. É uma forma de estrutura de negócios que permite a transferência de propriedade e gestão de ativos para um terceiro confiável, chamado de “trustee”, que administra o trust de acordo com os termos estabelecidos pelo criador do trust, chamado de “settlor”.

Ocorre que o settlor não rara as vezes, deixa de informar aos beneficiários finais sobre a existência do trust, o que, por si, inviabiliza a incidência do ITCMD, cuja base que perfila a relação de incidência é o conceito de doação, dado pelo Código Civil, cujo elemento é o aceite do donatário. Assim, a incidência do ITCMD fica prejudicada justamente por que somente pode ser exigido o pagamento do imposto, quando o beneficiário se torna efetivo, com o aceite do benefício, e passa a cumprir as condições para receber os bens, direitos ou valores do trust.

Dessa forma, sendo o patrimônio do trust entregue ao beneficiário final após a morte do settlor, não se sabe quem ou quantos receberão os bens ou valores. A dinâmica do trust, por si, inviabiliza qualquer imputação de obrigação tributária, vez que não se sabe quem/quantos, de fato, é/são os contribuintes.

Uma vez que prevaleça o entendimento da Sefaz-SP quanto à incidência do ITCMD para as operações de trust, toda a figura do trust estará prejudicada, pois a incidência tributária desse imposto seria aplicada no momento inicial da instituição do trust, anulando uma das principais vantagens da estrutura, que é a de definir o momento em que o pagamento seria realizado, além do fato de que toda a lógica da estrutura seria subvertida apenas para se adequar às novas exigências fiscais estabelecidas pela Sefaz-SP, o que é absurdo e contraproducente, para dizer o mínimo.

Cenários como esses colaboram ainda mais para a insegurança jurídica no Brasil. A coerência jurisprudencial é fundamental para garantir a estabilidade e previsibilidade do sistema jurídico como um todo, e a falta de previsibilidade torna o país menos atrativo para o investidor externo e para os contribuintes como um todo, que acabam buscando soluções alternativas, para retirar os seus ativos do país, com empresas offshore, especialmente para se protegerem do “risco Brasil”.

Patrick Assunção Santiago é especialista em empresas offshore, trust e compliance, professor de Direito Penal do Clube Metajurídico e CEO da Assant Consultoria Offshore.

Élio Ricardo Azevêdo é advogado, especialista em Direito Tributário, doutorando em Direito Penal (UBA) e professor de Direito Processual Penal.

Consultor Júridico

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