Na corrida eleitoral, a ameaça e a imposição de multa pela Justiça Eleitoral são os mecanismos mais comuns demandados no contencioso judicial para coibir a prática de ilícitos durante a competição.
A recém-publicada Resolução nº 23.709/2022 do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) define a multa judicial eleitoral como sanção pecuniária imposta em decisão judicial irrecorrível, em razão de violação dos dispositivos do Código Eleitoral e das leis eleitorais, excetuadas as penalidades de caráter processual.
A multa judicial eleitoral tem como objetivo reprimir ilícitos de menor gravidade, em especial no que diz respeito às propagandas eleitorais. Para além, por força do artigo 11, §7º da Lei 9504/97 e da Súmula nº 50 do TSE, o não pagamento ou parcelamento de multa eleitoral antes do julgamento do pedido de registro de candidatura impede a expedição de certidão de quitação eleitoral, uma condição de elegibilidade instituída pela Lei das Eleições.
Após a entrada em vigor da referida Resolução do TSE, a condenação em multa pela Justiça Eleitoral tornou-se um processo bifásico, isto é, uma fase cognição seguida por uma fase de cumprimento forçado nos próprios autos.
Na fase de cognição, as multas judiciais eleitorais podem ser aplicadas por meios de cinco ações cíveis-eleitorais, observados o contraditório e ampla defesa: 1) Representação ou reclamação por infringência à Lei 9.504/97 pelo rito do artigo 96 do mesmo diploma; 2) Prestação de Contas de Campanha; 3) Prestações de Contas Partidárias; 4) Representações por Conduta Vedada de Agente Público em Campanha; e 5) Representação por Captação Ilícita de Sufrágio.
De uma maneira geral, a legitimidade ativa e passiva para essas ações pertence às federações, coligações, partidos políticos, candidatos e Ministério Público e a competência varia pelo cargo em disputa, quais sejam, zona eleitoral para prefeito e vereador, Tribunal Regional Eleitoral para governador, senador, deputado federal e deputado estadual e Tribunal Superior Eleitoral para presidente e vice-presidente da República.
Os fatos geradores, valores mínimos e máximos e fundamento legal das multas eleitorais são os seguintes:
1) propaganda eleitoral extemporânea e propaganda política paga no rádio e na TV (artigo 36, §§2º e 3º, Lei 9.504/97): de R$ 5.000 a R$ 25 mil, ou ao equivalente ao custo da propaganda, se este for maior;
2) propaganda eleitoral nos bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do poder público, ou que a ele pertençam, e nos bens de uso comum, inclusive postes de iluminação pública, sinalização de tráfego, viadutos, passarelas, pontes, paradas de ônibus e outros equipamentos urbanos (artigo 37, §1º, Lei 9.504/97): de R$ 2.000 a R$ 8.000;
3) propaganda mediante outdoor, inclusive eletrônico (artigo 39, §8º): de R$ 5.000 a R$ 15 mil;
4) propaganda que viole as regras de divulgação na imprensa escrita e a reprodução na internet do jornal impresso, de até dez anúncios de propaganda eleitoral, por veículo, em datas diversas, para cada candidato, no espaço máximo, por edição, de 1/8 de página de jornal padrão e de 1/4 de página de revista ou tabloide. (artigo 43, §2º, Lei 9.504/97): de R$ 1.000 a R$ 10 mil ou equivalente ao da divulgação da propaganda paga, se este for maior;
5) Violação, pelas emissoras de rádio e TV, às regras de suas atuações (artigo 45, §2º, Lei 9.504/97): 20 mil a 100 mil Ufir, duplicada em caso de reincidência;
6) Divulgação de pesquisa sem prévio registro de informações (artigo 33, §3º da Lei 9.504/97): de 50 mil a 100 mil Ufir;
7) Violação das regras da propaganda eleitoral na internet e respectivo direito de resposta (artigo 57-B, §5º e 57-D, Lei 9.504/97): de R$ 5.000 a R$ 30 mil ou em valor equivalente ao dobro da quantia despendida, se esse cálculo superar o limite máximo da multa.
8) Doação, cessão ou venda de cadastros eletrônicos de clientes a partidos políticos, candidatos ou coligações (artigo 57-E, Lei 9.504/97): R$ 5.000 a R$ 30 mil;
9) Envio de mensagens eletrônicas após 48 horas da solicitação de descadastramento do destinatário (artigo 57-G, Lei 9.504/97: R$ 100 por mensagem;
10) Realização de propaganda na internet, atribuindo sua autoria a terceiro artigo 57-H, Lei 9.504/97: multa de R$ 5.000 a R$ 30 mil;
11) Usar o tempo do direito de resposta sem responder os fatos veiculados na ofensa: de 2 mil a 5 mil Ufir (artigo 58, III, “f”, Lei 9.504/97);
12) Descumprimento integral ou parcial da decisão que conceder a resposta (artigo 58, §8º, Lei 9.504/97);
13) Não promoção do ressarcimento das despesas com o uso de transporte oficial pelo presidente da República e sua comitiva em campanha eleitoral (artigo 76, §4º, Lei 9.504/97): multa correspondente ao dobro da despesa
14) Descumprimento dos limites de gastos fixados para cada campanha: multa em valor equivalente a 100% da quantia que ultrapassar o limite estabelecido (artigo 18-B, Lei 9.504/97);
15) Doações de pessoas físicas de dinheiro, ou estimável em dinheiro, superiores aos limites legais (artigo 23, §3º, Lei 9.504/97): multa no valor de até 100% da quantia em excesso;
16) Captação ilícita de sufrágio (artigo 41-A da Lei 9.504/97): de mil a 50 mil Ufir . Segundo a Lei nº 10.522/2002, artigo 29: extingue a Ufir e adota como seu último valor o do dia 1º de janeiro de 1997, correspondente a R$ 1,0641;
17) Prática de conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos, apurada em representação processada pelo rito do artigo 22 da Lei Complementar 64/90 (artigo 73, §§ 4º e 6º da Lei 9.504/97): de 5 a 100 mil Ufir, duplicada em caso de reincidência;
18) Desaprovação de contas partidárias com devolução da importância apontada como irregular (artigo 37 da Lei 9.096/95): 20% sobre o valor apontado.
Passada em julgado a condenação da multa eleitoral, é desnecessário qualquer ato de liquidação de sentença que trata o artigo 509, CPC. Consoante Resolução TSE nº 23.717/2023, a condenação da multa deve ser apenas atualizada por correção monetária e os juros de mora (taxa Selic) a partir da data do ilícito que gerar a multa (não da sentença ou do trânsito em julgado).
Além disso, caso a multa judicial eleitoral recaia sobre coligação ou federação, serão eles solidariamente responsáveis pelo adimplemento os partidos que a integram.
O devedor, outrossim, deverá recolher o valor integral atualizado via Guia de Recolhimento ou requerer o parcelamento da multa em até 60 meses, salvo quando o valor da parcela ultrapassar 5% da renda mensal, no caso de cidadão, de 2% do faturamento, no caso de pessoa jurídica, e de 2% do repasse mensal do Fundo Partidário, no caso de partido político, hipóteses em que poderá estender-se por prazo superior.
Não recolhida voluntariamente a condenação ou solicitado o parcelamento, passa-se à segunda fase do procedimento, o cumprimento forçado da condenação.
Até a publicação da Resolução TSE nº 23.709/2022 as multas de qualquer natureza impostas pela Justiça Eleitoral eram inscritas em dívida ativa e cobradas mediante execução fiscal na primeira instância pelos órgãos da Procuradoria da Fazenda Nacional. No entanto, o TSE deu nova interpretação ao artigo 367 do Código Eleitoral para estabelecer que apenas a multa administrativa eleitoral, como multa aplicada ao mesário faltoso, deve seguir o rito da Lei de Execução Fiscal.
A partir de agora, a multa não quitada aplicada em processos jurisdicionais eleitorais possui natureza jurídica de título judicial e, por conseguinte, será executada pelo rito do cumprimento definitivo de sentença que trata o artigo 523 e seguintes do CPC, nos próprios autos e na mesma instância.
A Resolução TSE nº 23.709/2022 positivou as tendências da Justiça Eleitoral sobre o cumprimento forçado das condenações pecuniárias eleitorais: o processo passará a correr em dias úteis, a sentença está sujeita a protesto, além do Cadin, o nome do devedor poderá ser incluído em órgãos de proteção ao crédito como o SPC e Serasa, incide a multa processual e honorários que tratam o artigo 523, §1º, CPC e a condenação será cobrada, prioritariamente, pela Advocacia-Geral da União (AGU) e, no caso de inércia ou desinteresse, pelo Ministério Público Eleitoral.
Digno de nota, apesar de a resolução do TSE em comento citar que os valores sujeitos à cobrança deverão obedecer às diretrizes da Portaria do Ministério da Fazenda nº 75/2012, como o órgão responsável pelo cumprimento definitivo de sentença não é a Procuradoria da Fazenda Nacional (PFN), mas sim a Procuradoria-Geral da União (PGU), o normativo correto que disciplina os valores e parcelamento é a Portaria Normativa PGU nº 01/2021.
Após o trânsito em julgado da decisão condenatória em multa judicial eleitoral e a requerimento do legitimado ativo, o devedor será intimado para o pagamento voluntário, no prazo de 15 dias úteis, sob pena de penhora e atos expropriatórios, tais como penhora de ativos financeiros (Sisbajud) e de outros bens (Renajud, CNIB).
Decorrido o prazo sem o pagamento voluntário, inicia-se automaticamente o prazo de 15 dias úteis para o executado apresentar a defesa denominada impugnação ao cumprimento de sentença, independente da penhora, em que poderá alegar qualquer das matérias do artigo 525, CPC: falta ou nulidade da citação se, na fase de conhecimento, o processo correu à revelia; ilegitimidade de parte; inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação; penhora incorreta ou avaliação errônea; excesso de execução ou cumulação indevida de execuções; incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução e qualquer causa modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que supervenientes à sentença.
Por fim, o cumprimento forçado da multa será extinto por sentença nas hipóteses do artigo 924, CPC, quando: 1) a petição inicial for indeferida; 2) a obrigação for satisfeita; 3) o executado obtiver, por qualquer outro meio, a extinção total da dívida; 4) o exequente renunciar ao crédito; v) ocorrer a prescrição intercorrente.
Jéssica Silva Pires dos Santos é especialista em Direito Eleitoral pela Faculdade Damásio, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep) e analista judiciária no Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso.
Leonan Roberto de França Pinto é mestrando em Direito pelo Unicesumar, especialista em Direito Eleitoral e em Direito Processual Civil, procurador do estado de Mato Grosso, ex-advogado da União e membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-MT.