Santos e Ricci: Pauta na cobrança de ITCMD em SP é anomalia

A Fazenda do Estado de São Paulo criou uma delegacia especializada no ITCMD (Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos) para uma fiscalização mais intensa na apuração desse imposto feita pelos contribuintes. De acordo com informações divulgadas pela imprensa, também já se teria contratado pesquisa sobre o valor de mercado junto à Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) de todos os imóveis urbanos do estado para fins de comparação com os valores adotados pelos contribuintes em suas declarações entregues para a apuração do referido tributo.

Aparentemente, a exemplo do que já faz o estado de Santa Catarina, a Fazenda paulista irá, sempre que houver discrepância entre o valor do imóvel adotado para fins de recolhimento do ITCMD, que, via de regra, é o valor definido pela prefeitura local para fins de cobrança do IPTU, instaurar um procedimento administrativo de arbitramento do valor do imóvel. A finalidade será, aparentemente, convalidar o valor da avaliação apurado nessa pesquisa.

Está em vias de se criar uma verdadeira anomalia no que diz respeito ao recolhimento do ITCMD, pois se pretende criar “pauta fiscal” específica para embasar a cobrança do imposto de transmissão causa mortis, de forma absolutamente dissonante do valor venal adotado pelas municipalidades para fins de cobrança do IPTU.

Ou seja, um mesmo imóvel teria, a vingar esse objetivo, um valor venal para fins de recolhimento do IPTU, outro valor para fins de ITBI e um terceiro para fins de cobrança do ITCMD.

Para bem se dimensionar o quão inadvertida e inadequada é essa pretensão, há a necessidade de se recordar alguns pontos sobre esse tema. São eles:

1) No CTN, o ITCMD não conta com regras específicas, estando as doações regidas também pelo artigo 38, que trata sobre as transmissões de forma geral (entre vivos e por sucessão), onde está previsto que a base de cálculo é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos;

2) A base de cálculo do IPTU prevista no artigo 33 do CTN também é o valor venal do imóvel e as Prefeituras comumente adotam plantas genéricas de valores venais que são definidas pela metragem dos terrenos e construções, metragem linear fronteiriça à via pública, idade e padrão das construções, dentre outros elementos específicos;

 3) Além disso, o STJ já rejeitou em sede de recurso repetitivo a adoção de um valor de referência (pauta fiscal) para fins de cobrança do ITBI, pois se trataria de mera estimativa de valor;

 4) Em 2009, foi alterado o Decreto Estadual de SP 46.655/02, que trata sobre o ITCMD, para se prever que a base de cálculo do imposto no caso de imóvel urbano não será inferior ao valor venal para fins de IPTU, admitindo-se a utilização do valor venal de referência adotado pelos Municípios para fins de cobrança do ITBI, numa alteração que foi feita pelo Decreto 55.002/09;

5) O TJ-SP já pacificou o entendimento de que essa alteração feita pelo Decreto 55.002/09 é ilegal, não se admitindo que o ITCMD seja cobrado com a adoção da base de cálculo do ITBI (valor venal de referência). Ao contrário, ao invés disso, o TJ-SP tem entendido que a base de cálculo do ITCMD deve ser o valor venal do imóvel para fins de IPTU.

6) Os herdeiros na sucessão, ao atribuírem valores aos bens transmitidos, atuam movidos pela boa-fé, que, de acordo com o julgado oriundo do STJ, deve ser prestigiada, boa-fé que se torna ainda mais evidente quando se constata que os herdeiros se utilizaram do valor venal definido pela municipalidade para o cálculo do imposto.

7) A Lei Estadual 10.705/00 não autoriza que o Fisco Estadual de São Paulo crie a sua “pauta fiscal” específica e exclusiva para fins de cobrança do ITCMD.

Portanto, ao pretender criar sua própria base de cálculo para fins de cobrança do ITCMD, que tomará por base essa pesquisa de mercado que, aparentemente, irá abranger todos os imóveis urbanos no Estado de São Paulo, a Fazenda paulista está agindo contrariamente ao que decidiu o STJ em termos de pauta fiscal. A Corte  rejeitou a possibilidade de cobrança do ITBI com o uso de mera pauta fiscal, o que já torna clara a ilegalidade da pretensão do estado de São Paulo.

Quer parecer que São Paulo está agindo movido pelo intuito de se furtar em aplicar o entendimento já pacificado no Tribunal de Justiça paulista, que não admite a aplicação de “pauta fiscal” adotada para fins de cobrança do ITCMD. Os  julgados apenas admitem a aplicação do valor venal adotado pela municipalidade para fins de cobrança do IPTU como base de cálculo do imposto sobre transmissão causa mortis.

Além de ser uma providência não autorizada pela lei que rege o ITCMD, que não prevê esta forma de definição da base de cálculo do aludido imposto, a criação da pauta fiscal ainda colide com os princípios fixados pelo STJ e pelo TJ-SP sobre o tema. Ademais, trata-se de uma providência de difícil operacionalização sem que haja uma cabal inobservância de todos os parâmetros específicos que devem reger a avaliação de um imóvel urbano, tais como localização, metragem, estado geral do imóvel, padrão de construção, etc.

Não há pesquisa de mercado que possa captar todas as nuances que determinam a avaliação de um bem imóvel!

Além disso, surgem inúmeros questionamentos sobre a operacionalização dessa avaliação a ser feita pela Fipe, tais como metodologia de avaliação, se haverá a captação das especificidades de cada imóvel, qual será a periodicidade dessas avaliações etc.

Em Santa Catarina, onde essa metodologia de avaliações dos imóveis pela Fipe já foi adotada, já há a clareza sobre alguns pontos, que são reconhecidos pela própria Sefaz em suas orientações aos contribuintes. A Fipe sugere um valor de referência médio do imóvel na região e, se houver a adoção de um valor de avaliação inferior, o contribuinte ficará sujeito a ser fiscalizado e terá que provar que o valor definido pela Fipe não corresponde ao valor de mercado do imóvel.

Essa experiência já demonstra que o valor de mercado da Fipe será fruto de avaliação genérica e não específica dos imóveis. No  caso da Sefaz catarinense, o próprio sistema do ITCMD já informa o valor de avaliação da Fipe para que o contribuinte escolha se o adota ou não, sujeitando-se a ser fiscalizado caso não o adote.

Enfim, se o estado de São Paulo persistir na adoção desse modelo de criação dessa “pauta fiscal” específica e exclusiva para fins de cobrança do ITCMD, será uma pauta genérica e que não atentará às especificidades de cada imóvel e passível de sólidos questionamentos.

Consultor Júridico

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