Sergio Schmidt: Sociedade de responsabilidade limitada

O empreendedorismo é uma atividade repleta de desafios e incertezas. Mesmo que se façam todos os estudos necessários e se tenha um plano de negócio sólido, fatores imprevisíveis podem afetar o sucesso de um empreendimento. O mercado é volátil, as demandas podem mudar e fatores externos podem afetar significativamente os negócios de qualquer empresa.

Em decorrência dos riscos inerentes à atividade, é correto afirmar que a melhor opção do empreendedor ao constituir um novo negócio é a escolha do tipo societário da responsabilidade limitada. Nesse modelo, os sócios têm suas responsabilidades financeiras limitadas ao valor investido para constituição do capital social do negócio. Isso significa que, em teoria, os sócios não respondem com seu patrimônio pessoal pelos compromissos assumidos pela sociedade, que tem personalidade jurídica própria.

No entanto, na prática, a situação não funciona como deveria, visto que as empresas, em sua grande maioria, necessitam buscar capital no mercado financeiro para alavancarem os seus negócios, e os bancos, para concederem empréstimos, acabam exigindo que os sócios atuem como avalistas das operações. Isso significa que no caso de a empresa não conseguir cumprir com suas obrigações, os sócios, pessoalmente, assumem a responsabilidade pela dívida. Essa imposição do sistema bancário acaba colocando em xeque a eficácia da responsabilidade limitada.

A justificativa dos bancos para a exigência é simples: se os próprios sócios não estão dispostos a assumirem os riscos financeiros da empresa, por que os bancos deveriam arriscar seu capital emprestando dinheiro a ela? No entanto, essa prática coloca os sócios em uma situação delicada, uma vez que, na posição de avalistas, acabam por assumir riscos em relação ao negócio que, originariamente, não tinham intenção de assumir.

As consequências podem ser desastrosas, pois, se o negócio der errado, as dívidas da empresa se estendem para alcançar o patrimônio pessoal dos sócios avalistas, resultando em perdas muito além do valor inicialmente investido para constituição do capital social. Em muitos casos os empreendedores acabam perdendo todo o seu patrimônio pessoal por conta de um negócio que não deu certo.

Para os sócios que não possuem patrimônio ou reservas financeiras para liquidar as dívidas da sociedade em relação as quais se comprometeram como avalistas, a situação pode ser ainda mais dramática, pois, neste caso, certamente serão alvos de processos de execução que duram anos, o que os torna praticamente escravos das dívidas de um negócio que falhou.

Vale salientar, por final, que mesmo no caso de a empresa recorrer à recuperação judicial, os credores podem ainda continuar cobrando as dívidas dos sócios avalistas, o que acaba por criar uma situação paradoxal em que a empresa ganha um fôlego para se recuperar financeiramente, mas seus sócios seguem enfrentando a pressão de cobranças pessoais por dívidas originadas pelos negócios da empresa. Ou seja, nem a proteção legal prevista na Lei 11.101/2005 para recuperar a atividade empresarial possui a prerrogativa de aliviar a vida do sócio avalista.

Diante desse cenário, podemos afirmar que empreender no Brasil representa hoje, acima de tudo, um ato de coragem e resiliência, que beira até mesmo a insanidade. Em um país onde os riscos são uma constante, colocar o patrimônio pessoal de uma vida toda ou arriscar-se a ter o seu nome marcado para sempre como “sujo”, para fim de colocar um empreendimento empresarial em pé, verdadeiramente, não é para qualquer um.

Ou seja, se as autoridades brasileiras não tomarem uma atitude diante da efetiva realidade do empreendedorismo no Brasil, é possível que, dentro de pouco tempo, os empreendedores brasileiros, especialmente pequenos e médios, sejam classificados como uma “espécie em extinção”.

Sergio Schmidt é advogado com atuação em Direito Empresarial, mediador e administrador judicial.

Consultor Júridico

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