O plenário do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) foi unânime ao decidir que a entidade deveria solicitar ingresso em uma das ações mais impactantes para a soberania do Estado brasileiro, atualmente em análise pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Trata-se da ADPF 342, que discute a possibilidade de empresas com capital majoritariamente estrangeiro adquirirem imóveis rurais, de forma contrária ao disposto pelo parágrafo primeiro do artigo primeiro da Lei 5.709/1971.
O centro dessa discussão é o risco de o Brasil renunciar a qualquer controle sobre o processo de estrangeirização de terras no país. A liberação desse processo, em que vence o mais forte, o mais rico, significa a consolidação da marginalização de grupos nacionais que, historicamente, foram alijados do acesso à terra, como os quilombolas e os sem terra. Além disso, a grandeza e a riqueza territorial do Brasil passarão a estar, de vez, a serviço unicamente da exportação de commodities, desconsiderando a segurança alimentar da nossa própria população.
O pedido da OAB foi embasado em minucioso parecer elaborado pela Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que tenho a honra de presidir. Entendemos que o item legal mencionado, que consta da Lei 5.709/1971, foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 e apontou a relevância do tema para a soberania nacional, a proteção do meio ambiente, das populações rurais, da soberania alimentar, valores constitucionalmente assegurados. Esses pontos foram base para o pedido de ingresso apresentado pelo CFOAB, na condição de amicus curiae, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 342.
Importante destacar que o ingresso da OAB, aceito pelo ministro André Mendonça, não inaugurou nenhuma nova ação, ocorrendo em processo que já tinha a contribuição, no mesmo sentido dos argumentos da Ordem, da Advocacia-Geral da União (AGU) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). A Procuradoria-Geral da República (PGR) também se manifestou, como os demais órgãos, apontando inconsistências jurídicas e prejuízos sociais caso prospere o pleito dos que pretender ver liberada a estrangeirização desenfreada de nossas terras.
Para além das questões jurídico-processuais e de soberania, há ainda os notórios efeitos prejudiciais da ausência de controle sobre aquisição de terras por empresas de capitais majoritariamente estrangeiro, para o Estado e para a sociedade brasileira, conforme pleiteado na ADPF 342. Os prejuízos de tal política foram constatados por pesquisadores de diferentes áreas.
Cientistas desfiam um rosário de efeitos nocivos, sobretudo para os movimentos sociais e sindicais, comunidades indígenas, comunidades remanescentes de quilombo e povos tradicionais. Esses prejuízos vão partem da soberania alimentar e do domínio sobre a produção de alimentos necessários para a sobrevivência da população levando ao fenômeno descrito como neocolonização, em que o país, sem controle sobre essas áreas, delegaria a empresas e Estados estrangeiros a decisão por priorizar atividades agrícolas em detrimento de outras.
Conforme demonstrado pelo parecer produzido pela CNDH, a ausência de restrições teria como efeito a prática de o estrangeiro interessado em adquirir propriedade rural no Brasil constituir empresa brasileira, estabelecer controle acionário, para, dessa forma, adquiri-la de forma irrestrita. Assim, fugiria das limitações legais que lhe seriam impostas caso pretendesse realizar a compra diretamente, sem a intermediação de empresa brasileira equiparada à estrangeira, uma clara burla ao Artigo 190 da Constituição de 1988.
Maior entidade civil do país, com 1,3 milhão de advogadas e advogados, a OAB tem por missão, segundo o Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994), princípios diretamente afetados pelo tema em análise pela ADPF 342. A estrangeirização de terras diz respeito à garantia da soberania nacional, da ordem econômica, da distribuição de terras, da função social da propriedade, da soberania alimentar, entre outros temas cruciais para a democracia brasileira e que permeiam o múnus público da Ordem. É por isso que, por deliberação do seu Conselho Federal, a entidade não se furtará em defender o arquivamento da ADPF 342.
Silvia Souza é advogada, conselheira federal pela OAB-SP e presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB.