Simão e Merlo: Tomada de crédito sobre o IPI não recuperável

O aproveitamento de créditos de PIS e Cofins sempre foi tema controverso na doutrina e jurisprudência. Isso porque faz parte da sistemática não cumulativa dessas contribuições a possibilidade de tomada de créditos sobre certos custos e despesas, tais como o IPI não recuperável, que era admitido pela Receita Federal.

Entretanto, com a entrada em vigor da Instrução Normativa (IN) RFB nº 2.212/2022, alterada pela Instrução Normativa RFB nº 2152/2023, houve alteração significativa no tratamento dado aos créditos de PIS e Cofins, tendo em vista que o artigo 171, parágrafo único, inciso III [1], passou a prever que não geram direito a crédito de PIS e Cofins o IPI incidente na venda de bem, sem, contudo, excetuar o IPI não recuperável.

Por consequência, a Receita acabou contrariando seus entendimentos anteriores e trazendo um cenário de grande insegurança aos contribuintes.

Mas afinal, o que é o IPI não recuperável?

O IPI não recuperável é o que o valor desse imposto recolhido pelo fornecedor ou pela indústria que não pode ser compensado, na operação posterior, com débitos do mesmo tributo pelo adquirente.

Assim, diante da impossibilidade de aproveitamento dos créditos de IPI em suas operações próprias, o imposto torna-se não recuperável na escrita fiscal do adquirente, o que permitia, até a entrada em vigor da Instrução Normativa RFB nº 2.212/2022, a inclusão do IPI não recuperável nos créditos de PIS e Cofins.

A razão para a inclusão desses valores na base de créditos das contribuições ao PIS e a Cofins se dá pela própria lógica da sistemática não cumulativa e pelo fato de o IPI não recuperável integrar o custo de aquisição de bens.

Qual era o entendimento da Receita até a entrada em vigor da IN 2.212?

Antes da entrada em vigor da Instrução Normativa RFB nº 2.212/2022, as INs que regulavam o PIS e Cofins não cumulativos previam expressamente que o IPI não recuperável iria compor o cálculo dos créditos das contribuições. É o caso da IN SRF nº 247/2002 [2] e da IN SRF nº 404/2004 [3] e, posteriormente, a IN SRF nº 1911/2019 [4], que revogou as Instruções Normativas mencionadas anteriormente.

Além desses dispositivos legais, a Receita já havia se posicionado sobre a inclusão do IPI não recuperável no cálculo dos créditos de PIS e Cofins tanto por meio do “Perguntas e Respostas – Declaração de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (2012)” [5] quanto por meio da Solução de Consulta Cosit nº 579/2017 [6] e, mais recentemente, a Solução de Consulta Cosit nº 30/2023 [7].

Nos dois casos, a Receita foi expressa ao admitir que o IPI não recuperável constitui custo de aquisição das mercadorias revendidas no caso de estabelecimentos não industriais ou equiparados a industrial, ou seja, não contribuintes de IPI.

Contudo, com a IN 2.212, ao não excepcionar as parcelas referentes ao IPI não recuperável, a Receita acabou por extrapolar a sua competência regulatória e, com posição divergente de seus entendimentos anteriores, alterou a forma de cálculo dos créditos e levou a um aumento da carga tributária de PIS e Cofins.

Quais as controvérsias da IN nº 2.212/2022 para fins de tomada de créditos de PIS e Cofins sobre o IPI não recuperável?

Conforme mencionado, a impossibilidade de tomada de crédito de PIS e Cofins sobre as parcelas referentes ao IPI não recuperável tem como consequência um aumento, para os adquirentes, do custo tributário relacionado a essas contribuições. Contudo, a entrada em vigor da IN RFB nº 2.212/2022 traz uma série de discussões do ponto de vista tributário, especialmente, no que diz respeito à ofensa a diversos princípios constitucionais.

Em primeiro lugar, vale mencionar que as alterações previstas pelo artigo 171, parágrafo único, inciso III, da IN, representam ofensa direta aos princípios da legalidade e não cumulatividade, uma vez que permanecem inalterados tanto o artigo 3º, I da Lei nº 10.637/02 quanto o artigo 3º, I da Lei nº 10.833/03 [8], que permitem a possibilidade de tomada de créditos sobre despesas irrecuperáveis.

É importante destacar que o IPI, quando não recuperável na escrita fiscal, integra o custo de aquisição desses bens, conforme se extrai do conceito de custo de aquisição previsto no artigo 301, §3º do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto nº 9.580/18) [9].

Ou seja, se os impostos recuperáveis por meio de créditos na escrita fiscal não integram o custo de aquisição, não é correto admitir que o IPI não recuperável deixe de integrá-lo, sobretudo ao se considerar que não é possível que o adquirente (não contribuinte do IPI) “recupere” o ônus econômico gerado. A contrariedade da disposição da IN RFB nº 2.121/2022 às Leis nº 10.637/02 e nº 10.833/03 representaram claro conflito entre normas, uma vez que uma norma infralegal traz previsões contrárias à Lei Ordinária.

Além da violação ao princípio da legalidade (artigo 37, caput, da Constituição e artigo 97, II do CTN), é possível verificar que a  IN RFB nº 2.121/2022 acaba por ferir também o princípio da capacidade contributiva. A razão para isso é que, conforme já mencionado, a vedação à inclusão do IPI não recuperável na base dos créditos de PIS e Cofins representa uma majoração indireta da carga tributária dessas contribuições.

Adicionalmente, faz-se necessário ressaltar que, por ocasionar um aumento da carga tributária, o mencionado dispositivo deve observância, ainda, ao princípio da anterioridade nonagesimal, conforme preveem os artigos 150, inciso III, alínea “c” e o artigo 195, §6º, da Constituição de 1988.

Sob esse ponto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 5.277/DF [10], já entendeu que a redução e a majoração das alíquotas das contribuições ao PIS e Cofins, realizadas por ato infralegal expedido por Decreto do Poder Executivo, não afasta a necessidade de observância ao Princípio da Anterioridade Nonagesimal. No entanto, o artigo 811 da Instrução Normativa RFB nº 2.121/2022 previu que as alterações realizadas passassem a vigorar na data de sua publicação, em total descompasso também com o princípio da anterioridade nonagesimal.

O que os tribunais vêm entendendo sobre o assunto?

O IN RFB nº 2.121/2022 tenha vedado a possibilidade de creditamento de PIS e Cofins sobre o IPI não recuperável, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) [11]  responsável pelo julgamento de recursos administrativos no âmbito da Receita  em momento anterior a publicação da IN RFB nº 2.121/2022, havia proferido entendimento quanto à possibilidade de inclusão do IPI não recuperável na base dos créditos de PIS e Cofins.

No Judiciário, após a publicação da IN RFB nº 2.121/2022, é possível observar diversas ações discutindo a questão. Recentemente, foram proferidas decisões no Tribunal Regional da 3ª Região, reconhecendo a ilegalidade do dispositivo da IN RFB nº 2.121/2022, reconhecendo a possibilidade de creditamento de PIS e Cofins sobre o IPI não recuperável [12].

No TRF-6 e no TRF-1, identificam-se tanto decisões favoráveis [13] quanto desfavoráveis [14] sobre o creditamento de PIS e Cofins relativamente à parcela de IPI não recuperável.

Por fim, embora a possibilidade de creditamento de PIS e Cofins sobre o IPI não recuperável ainda não tenha alcançado o Superior Tribunal de Justiça (STJ), pode-se identificar semelhanças com as tratativas sobre a inclusão ou não do ICMS-ST na base de cálculo do PIS e da Cofins. Sobre esta discussão, cabe lembrar o posicionamento favorável aos contribuintes no âmbito da primeira turma do STJ [15].

Assim como o IPI não recuperável, a discussão envolvendo o ICMS-ST diz respeito a inclusão do imposto no custo de aquisição de mercadorias e, por consequência, na base de cálculo dos créditos de PIS e Cofins. Desse modo, o reconhecimento de que o imposto está incluído no custo de aquisição de uma mercadoria  tal como já fez a Receita em inúmeros posicionamentos anteriores  tem como consequência lógica que tais valores sejam passíveis de creditamento para fins de apuração das contribuições ao PIS e a Cofins.

Nesse sentido, considerando os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais violados, bem como o entendimento consolidado no âmbito da Receita , até a publicação da IN RFB nº 2.121/2022, a perspectiva é que a discussão envolvendo a possibilidade de inclusão do IPI não recuperável no cálculo dos créditos  de PIS e Cofins ganhe ainda mais força no Judiciário.

De qualquer modo, ainda se aguarda um posicionamento expresso da Receita — seja por meio de Solução de Consulta ou pela edição de nova Instrução Normativa – sobre a questão, reconhecendo a possibilidade de tomada de créditos de PIS e Cofins sobre as parcelas referentes ao IPI não recuperável.

Pedro Simão é mestrando em Direito Tributário pelo IBDT, contador, advogado e sócio da área tributária do Freitas Ferraz Advogados.

Consultor Júridico

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