Recentemente, os consumidores foram surpreendidos pela notícia de que companhias aéreas passarão a cobrar uma nova taxa referente à prioridade na acomodação de bagagens de mão, garantindo espaço dentro da cabine da aeronave para que não sejam despachadas.
Na prática, trata-se de uma cobrança adicional que permite ao passageiro furar a fila de embarque e acomodar sua bagagem de mão, pois, no caso de lotação dos compartimentos, aqueles que ficaram por último precisam necessariamente despachar o volume.
A iniciativa está amparada pela Resolução nº 400/2016, da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), segundo a qual as companhias aéreas podem oferecer serviços opcionais.
De fato, malgrado o código de Defesa do Consumidor (CDC) vede uma série de práticas abusivas, a cobrança para prioridade na acomodação de bagagem de mão não é disciplinada pelo dispositivo legal.
A questão deve ser vista com muita cautela pelo poder público: por mais que exista um vazio normativo, a elaboração de estratégias comerciais, por meio de serviços opcionais, não pode colocar o consumidor em uma situação de onerosidade excessiva.
O setor de aviação civil é marcado pelo oligopólio, ou seja, o market share da oferta do transporte aéreo está concentrado em poucas empresas que controlam o mercado, em virtude de significativas barreiras à entrada de novos players — fator que inibe a concorrência.
Como ensina o economista italiano Sylos Labini, figura-chave no debate econômico pós segunda guerra mundial, no oligopólio tem-se a ideia de não atrair nenhum novo concorrente ao mercado e, ao mesmo tempo, fazer com que nenhuma empresa participante seja expulsa.
Nesse cenário, não é absurdo dizer que as companhias aéreas exercem um alto nível de controle sobre os consumidores e algumas iniciativas adotadas visam tão somente à maximização de lucro, a qualquer custo.
Feita esta breve digressão, é importante destacar que a compra de passagem aérea já garante ao passageiro a possibilidade de carregar consigo, dentro da cabine, um volume, desde que caiba embaixo do assento, assim como uma bagagem de mão, obedecendo as medidas oficiais estabelecidas pela Anac.
Portanto, permitir a criação de uma taxa adicional para que passageiros tenham prioridade na acomodação de bagagens de mão apenas contribui para premiar a má prestação dos serviços, por parte das companhias aéreas, que cobrarão para fornecer um mínimo de conforto aos passageiros.
Há de se dizer que, não obstante seja oferecido à guisa de serviço opcional, os consumidores sentem-se efetivamente obrigados a adquiri-lo, uma vez que, ocorrendo eventual lotação dos compartimentos, os que ficarem por último terão que despachar a bagagem.
É evidente que estamos diante de mais uma estratégia elaborada para que as companhias aéreas continuem prestando serviços reconhecidamente defeituosos, enquanto os preços das passagens só aumentam.
O consumidor será constrangido a adquirir a prioridade para acomodar sua bagagem de mão, pois já existe no Brasil uma aceitação institucionalizada de que o serviço prestado pelas companhias aéreas é, por natureza, problemático.
É necessária a regulamentação específica em relação aos problemas enfrentados pelos passageiros, pois, no formato atual, as companhias aéreas têm autonomia excessiva para a criação de privilégios e cobranças, dando azo a iniciativas que desrespeitam os direitos dos consumidores.
A Anac deve acompanhar de perto as iniciativas adotadas pelas companhias aéreas, para impedir que serviços extras sejam elaborados com o intuito exclusivo de maquiar a total incapacidade de fornecer um serviço básico de qualidade.
Se existe a previsão de que cada passageiro pode carregar consigo uma bagagem de mão, desde que observe as medidas oficiais estabelecidas pela própria Anac, por que seria necessária a criação de um “serviço adicional” para prioridade na acomodação?
A resposta é simples: a violação aos direitos básicos dos passageiros está sendo utilizada como verdadeira estratégia de marketing, para a criação de um novo produto que, em sua essência, já está contemplado no contrato de transporte aéreo, configurando, assim, uma prática abusiva.
Se passageiros adquiriram bagagens de mão dentro das medidas oficiais estabelecidas pela Anac, justamente para evitar contratempos, é minimamente afrontoso o fato de que isso não seja visto como um direito.
É preciso reconhecer que a Anac atuou ativamente para resolver problemas envolvendo atrasos de voo, extravio de bagagens e cancelamentos; contudo, no que tange ao que as companhias aéreas podem cobrar (ou cobrar a mais), é injustificável que ainda fique na seara da liberdade contratual.
Se não houver um controle rígido e efetivo por parte da Anac, os passageiros continuarão enfrentando expedientes inaceitáveis.
A situação fica ainda mais preocupante, considerando estudo divulgado pela Embraer, cuja perspectiva de mercado é de que a demanda global por viagens aéreas crescerá 3,2 % ao ano, pelos próximos 20 anos.
Além da regulamentação, é imprescindível que o poder público atue no sentido de privilegiar a livre concorrência, com iniciativas para aumentar o número de companhias aéreas em operação no país, permitindo o aumento da qualidade, diversificação da oferta e redução de preços.
Não há como garantir a defesa da concorrência sem o controle das iniciativas adotadas pelas companhias aéreas atuantes no país, que atualmente mantém o consumidor subjugado como um verdadeiro refém.
Como bem disse John Maynard, a verdadeira dificuldade não está em aceitar novas ideias, mas em conseguir escapar das antigas.
Stéfano Ribeiro Ferri é fundador do Stéfano Ferri Advocacia, pós-graduando em direito corporativo pelo Ibmec, assessor da 6ª Turma do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP e membro da Comissão de Direito Civil da OAB – Campinas.