STJ avalia se juiz pode vedar Defensoria de cobrar honorários baixos

O Judiciário tem o poder de negar seguimento a um cumprimento de sentença requerido pela Defensoria Pública para cobrar honorários de sucumbência em valores tão baixos que sequer superariam os custos do processo e os gastos para movimentar a máquina pública?

R$ 58,37 cobrados na execução iriam para fundo para aparelhamento da Defensoria

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A questão gerou empate em julgamento da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, na última terça-feira (25/4). Como o colegiado está desfalcado após a morte do ministro Paulo de Tarso Sanseverino, o caso será resolvido por voto de desempate do ministro Humberto Martins, que a partir de 5 de maio integrará a a turma.

O precedente é importante para a atuação das Defensorias de todo o Brasil, uma vez que os valores cobrados a título de sucumbência vão para fundos geridos por elas próprias para aparelhamento e capacitação profissional de seus membros e servidores.

O caso concreto trata de honorários relativos a uma ação de alimentos em que o réu foi julgado à revelia. No cumprimento de sentença, a Defensoria Pública do Tocantins buscou cobrar verba de R$ 58,37. A Justiça Estadual negou seguimento ao pedido.

No STJ, duas linhas de entendimento se formaram. A relatora, ministra Nancy Andrighi, afirmou que não cabe ao Judiciário impedir a cobrança de honorários por execução de sentença. Não há lei que autorize nem critérios definidos para quais hipóteses isso seria cabível. Votou com ela o ministro Marco Aurélio Bellizze.

Abriu a divergência o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, para quem o Judiciário pode impedir a movimentação da máquina pública, em observância a princípios constitucionais relacionados à eficiência e racionalização do uso de recursos públicos. Ele aponta que há outros meios mais adequados para cobrar a verba. Votou com ele o ministro Moura Ribeiro.

Cobrança irracional

Cueva destacou que, a partir da Lei Complementar 132/2009, que permitiu às Defensorias executar e receber verbas sucumbenciais, muitas delas se organizaram em núcleos e centrais para cobrar e gerir esses valores. E definiram parâmetros e critérios para faze-los, o que inclui até mesmo abrir mão de tais valores.

Assim, as próprias Defensorias Públicas sabem que devem obedecer as regras que impõe a maior eficiência e racionalidade no uso de verbas públicas. No caso da instituição tocantinense, há resolução que admite dispensa de execução para cobrança de honorários e resolução de questões por meios administrativos.

Para ministra Nancy Andrighi, não cabe ao Judiciario se imiscuir na decisão da Defensoria de cobrar os honorários

Gustavo Lima/STJ

“Postular um cumprimento de sentença de R$ 57,37 configura, assim, uma escolha irracional, porque leva o estado a movimentar a máquina judiciária para cobrança de um valor que não supera os próprios custos do processo, o que vai de encontro com a boa utilização de recursos e desconsidera consequências práticas da conduta, quando há alternativas mais eficientes”, defendeu.

Já a ministra Nancy Andrighi aponta que, ainda que as próprias Defensorias possam estabelecer critérios para a cobrança das verbas honorárias, não cabe ao Judiciário se imiscuir nesse assunto. Principalmente para retirar delas a única possibilidade coercitiva para receber tais valores. “O devedor não paga alimentos. Vai pagar honorários da Defensoria?”, indagou.

Qual é o limite?

Ainda segundo a relatora, a posição da divergência vai trazer graves consequências para o sistema de Justiça. Uma delas é gerar uma explosão de manifestação da devedores apontando que os valores que devem são bastante reduzidos e, por isso, não devem ser cobrados judicialmente.

Isso vai colocar as instâncias ordinárias e o próprio STJ na posição de ter de definir qual é o custo mínimo do processo suficiente para permitir uma execução; quais critérios sociais, econômicos ou regionais devem ser observados para separar as causas passíveis de execução; e se questões pessoais como renda do devedor deveriam ser consideradas.

Também grave é o fato de que não são raros os casos em que a Defensoria Pública, na qualidade de representante dos hipossuficientes e vulneráveis, tem direito a honorários de sucumbência de valores módicos. Tirar a possibilidade de executar esses valores causará impacto financeiro.

Ministro Cueva entende que ajuizar ação para cobrar R$ 58 é escolha irracional

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Política pública

Para o ministro Cueva, nenhum desses argumentos justifica a falta de racionalidade em gastar mais dinheiro do Estado para cobrar um valor menor em favor de um órgão que pertence ao próprio Estado. “O verdadeiro acesso à Justiça àquele que a necessita só é garantido se houver uso racional da máquina”, defendeu.

A ministra Nancy Andrighi concorda que realmente deve haver uma solução melhor para a gestão das finanças públicas do que executar uma sentença para receber R$ 58,37. Ainda assim, avalia que não cabe ao Poder Judiciário fazer dessa definição, sem lei que autorize nem estudos técnicos.

“Será o processo o local correto para formulação de política pública?  O voto divergente traz um estudo sobre racionalidade e sobre o custo do processo. Penso que estaríamos tratando do problema em local inadequado”, concordou o ministro Marco Aurélio Bellizze. “Não estaríamos resolvendo um problema com essa decisão e, talvez, criando tantos outros”, complementou.

REsp 2.041.163

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