STJ eleva penas de PMs por repercussão negativa do ‘caso Amarildo’

A repercussão internacional negativa gerada pelo “caso Amarildo” e o fato de o corpo do pedreiro jamais ter sido encontrado para sepultamento levaram a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça a agravar as penas de oito dos 12 policiais militares condenados por tortura seguida de morte e ocultação de cadáver.

A medida atendeu a recurso especial ajuizado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, que considerou a punição imposta pelo Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) insuficiente em relação à magnitude do crime, ocorrido em 2013, na Favela da Rocinha.

Pedreiro Amarildo foi detido, torturado e morto por policiais na Rocinha em 2013

Na tarde desta terça-feira (22/8), a 6ª Turma do STJ também analisou os recursos de oito dos 12 condenados, sem chegar a enfrentar o mérito, por causa de óbices processuais. A situação levou o relator, ministro Rogerio Schietti, a destacar que o recurso especial não serve para rediscutir fatos e provas, ao contrário do que pleitearam as defesas.

A condenação se refere ao desaparecimento de Amarildo de Souza, que foi detido por PMs na porta de sua casa, em julho de 2013, durante uma operação de combate ao tráfico de drogas. Segundo denúncia anônima, ele teria a chave do local onde traficantes estariam armazenando entorpecentes e armas.

O pedreiro foi levado à Unidade de Polícia Pacificadora da comunidade, onde foi torturado e morto. Seu corpo desapareceu e nunca foi encontrado. Ao todo, 25 policiais foram investigados e denunciados, com 12 condenações.

Onde está Amarildo?

No recurso ao STJ, o MP-RJ alegou que as penas deveriam ser majoradas porque o cometimento dos crimes de tortura seguida de morte e ocultação de cadáver afetou a credibilidade da segurança pública do Rio, em um momento em que os réus, integrantes de unidades pacificadoras, representavam o resgate da cidadania por uma nova polícia.

O ministro Schietti apontou que, embora algumas torturas possam ser mais cruéis do que outras, o acórdão do TJ-RJ não elencou elementos que mostrassem especial reprovabilidade na conduta dos PMs. Em vez disso, usou expressões genéricas que se amoldam ao próprio tipo penal, sem gravidade exacerbada.

Por outro lado, ele entendeu que a repercussão negativa do caso, inclusive internacional, não pode ser atribuída exclusivamente aos interesses políticos e econômicos que teriam influenciado a imprensa à época. Portanto, segundo ele, era cabível a majoração da pena.

“Trata-se de um caso notório pela gravidade do caso, que configurou um emblemático episódio de violência policial contra integrante da população preta e periférica do Rio de Janeiro, a provocar abalos sociais na comunidade, no país e na comunidade internacional”, disse o ministro.

Relator, ministro Schietti levou em consideração repercussão negativa do caso para autorizar aumento da pena dos réus

Gustavo Lima/STJ

Quanto à ocultação do cadáver, o TJ-RJ entendeu que houve menoscabo à integridade física e psicológica da vítima e, ainda, falta de respeito pelos familiares, que não puderam se despedir ou sepultar o ente querido. Ainda assim, o ponto não foi considerado na pena-base, uma vez que ela permaneceu no mínimo legal.

“Ainda que a ocultação de cadáver seja crime permanente, a ausência de recuperação do corpo autoriza o aumento da sanção. O fato de o corpo, dez anos depois, ainda não ter sido encontrado, de modo a impedir o sepultamento, é circunstância mais gravosa e que enseja exasperação da pena base”, afirmou o ministro.

Fraude processual

Por outro lado, a 6ª Turma do STJ afastou o pedido do MP-RJ para condenar os réus por fraude processual, conforme previsto no artigo 347, parágrafo único, do Código Penal. O tipo pune pela alteração de estado de lugar, de coisa ou de pessoa durante o processo, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito.

Segundo o órgão acusador, a conduta foi praticada por quatro dos PMs, que, sabendo que determinada linha telefônica estava grampeada, forjaram conversas para levar a crer que Amarildo foi morto por traficantes. O ministro Schietti explicou que a conduta não serviu para alterar ou inovar a cena do crime ou a localização do cadáver.

A votação foi unânime. Acompanharam o relator os ministros Antonio Saldanha Palheiro, Sebastião Reis Júnior e Laurita Vaz, e o desembargador convocado Jesuíno Rissato.

Penas finais:

  • Major Edson Raimundo dos Santos: 16 anos, 3 meses e 6 dias;
  • Tenente Luiz Felipe de Medeiros: 12 anos, 8 meses e 3 dias;
  • Soldado Douglas Roberto Vital Machado: 13 anos, 8 meses e 14 dias;
  • Soldado Marlon Campos Reis: 9 anos, 5 meses e 15 dias;
  • Soldado Jorge Luiz Gonçalves Coelho: 9 anos, 5 meses e 15 dias;
  • Soldado Anderson César Soares Maia: 9 anos, 5 meses e 15 dias;
  • Soldado Wellington Tavares da Silva: 9 anos, 5 meses e 15 dias;
  • Soldado Felipe Maia Queiroz Moura: 9 anos, 5 meses e 15 dias.

REsp 2.082.894

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