STJ julga se lei permite superar coisa julgada sobre direitos autorais

A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça começou a julgar nesta terça-feira (26/9) se a entrada em vigor da Lei 9.610/1998 permite afastar os efeitos de uma sentença definitiva que, sob a legislação anterior, proibiu o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) de cobrar direitos autorais pelas trilhas sonoras dos filmes exibidos em unidades da rede de cinemas Cinemark de todo o país.

Impedido de cobrar por trilhas sonoras dos filmes sob a égide da lei anterior, Ecad segue em batalha contra a rede Cinemark

Reprodução

O caso que formou a coisa julgada se deu em uma ação declaratória ajuizada pela matriz da Cinemark, em 1997, com o objetivo de impedir o Ecad de fazer a cobrança nas salas de cinema que inauguraria no Rio de Janeiro.

Já a entidade pediu o reconhecimento da legalidade da cobrança de direitos autorais e a condenação da rede Cinemark a indenizar pelas violações praticadas. Esse pedido foi feito em reconvenção — a possibilidade que o alvo de uma ação tem de fazer pedidos próprios.

Em primeiro grau, o Ecad venceu a ação. Mas, no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), acabou derrotado. O acórdão declarou a entidade parte ilegítima para cobrar direitos autorais, uma vez que não comprovou a filiação ou autorização dos autores nacionais ou estrangeiros das músicas usadas nas trilhas sonoras, como exigia a Lei 5.988/1973.

No ano seguinte, entrou em vigor a Lei 9.610/1998, que atualizou e consolidou a legislação sobre direitos autorais no Brasil. O artigo 99, parágrafo 2º, acabou com qualquer dúvida sobre a legitimidade do Ecad, autorizando-o a atuar como substituto processual dos titulares dos direitos a eles vinculados.

Após a derrota no Rio, o Ecad ajuizou uma série de ações requerendo a condenação de diferentes filiais da Cinemark ao pagamento de direitos autorais. Essas ações acabaram rejeitadas para evitar ofensa à coisa julgada no primeiro caso.

O recurso levado ao STJ é de uma dessas ações. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) extinguiu o processo com o mesmo argumento: evitar ofensa à coisa julgada formada na primeira ação, no Rio de Janeiro.

Há, ainda, uma ação em que o mérito do pedido do Ecad chegou a ser enfrentado. Isso ocorreu em São Paulo, onde o pedido de condenação da Cinemark foi julgado improcedente.

Para ministro Raul, coisa julgada pode ser superada porque a Lei 9.610/1998 mudou a situação da cobrança de direitos autorais

Lucas Pricken

Lucas Pricken

O caso foi apreciado já sob a Lei 9.610/1998, mas a conclusão foi que os direitos autorais não eram exigíveis porque as músicas integram a obra cinematográfica de forma indivisível, não configurando utilização indevida pelos exibidores.

Em ao menos uma oportunidade, a 3ª Turma do STJ, que também julga temas de Direito Privado, negou provimento ao recurso do Ecad. O colegiado entendeu que, para analisar a existência da coisa julgada, seria preciso invadir fatos e provas, medida inviável em recurso especial.

Nesta terça-feira, o ministro Raul Araújo, relator do processo na 4ª Turma, propôs uma nova solução. Para ele, a entrada em vigor da Lei 9.610/1998 instituiu um novo regime jurídico de proteção dos direitos autorais, o que deu ao Ecad a possibilidade de propor ações e pedir a cobrança à rede Cinemark.

Assim, ele votou por dar provimento ao recurso especial e devolver o caso ao TJ-SC. Se esse voto prevalecer, a corte catarinense poderá analisar o mérito da questão, considerando que não há ofensa à coisa julgada. O magistrado foi acompanhado pela ministra Isabel Galloti.

Abriu a divergência o ministro Marco Buzzi, que seguiu a linha da 3ª Turma para manter a vigência da coisa julgada no caso da Cinemark. Pediu vista o ministro Antonio Carlos Ferreira.

Pode superar

Para o ministro Raul Araújo, não seria admissível impedir uma nova analise do pedido do Ecad, agora sob a égide da nova lei, sob o pretexto de violação à coisa julgada. Primeiro porque a sentença definitiva, no julgado no Rio, foi constituída em ação declaratória, que não se presta a regular situações hipotéticas ou relações jurídicas futuras.

No momento em que houve o primeiro julgamento, cabia ao Ecad demonstrar a filiação ou autorização dos autores nacionais ou estrangeiros. Em teoria, se obtivesse tal comprovação, a entidade poderia ajuizar uma nova ação para fazer o pedido.

Já sob a nova lei, esse requisito deixou de existir. Houve a modificação da situação fático-jurídica existente, o que permite a flexibilização e até a superação da coisa julgada, segundo a análise feita pelo ministro Raul Araújo. “Ao admitir o contrário, se estaria conferindo aplicação futura a uma lei revogada”, disse ele.

Ao acompanhar o relator, a ministra Isabel Gallotti destacou que a coisa julgada deve ser encarada de acordo com a situação de fato e de direito existente à época em que proferida a sentença. E ela apontou para uma consequência econômica grave do julgamento.

“Seria uma grave distorção do mercado se entendermos que apenas um cinema do país possa se eximir de pagar contribuições devidas ao Ecad de forma indefinida e à revelia de mudança substancial no ordenamento jurídico, que ocorreu enquanto as demais salas de exibição se submetem a essa cobrança.”

A existência da coisa julgada na ação de São Paulo, que enfrentou o mérito da questão e rejeitou o pedido do Ecad, foi o que motivou o pedido de vista do ministro Antonio Carlos Ferreira.

REsp 1.799.345

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