Suprema Corte dos EUA deverá julgar moderação nas redes sociais

As divergências entre os juízes dos EUA sobre o direito das empresas de tecnologia de executar suas políticas de uso em suas plataformas de mídia social — como as de bloquear desinformação e discurso de ódio  — começa com o uso do verbo: para os juízes do Tribunal Federal de Recursos da 11ª Região, o que as companhias fazem é “moderar” (o conteúdo); para os juízes do Tribunal Federal de Recursos da 5ª Região, é “censurar”.

Suprema Corte dos EUA avaliará limites da moderação nas redes sociais

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No entanto, a Suprema Corte terá de decidir bem mais que isso — e provavelmente o fará no próximo ano judicial, que começa na primeira segunda-feira de outubro — porque os dois tribunais tomaram decisões contrárias (uma situação chamada nos EUA de “circuit split”) sobre a moderação ou censura de postagens dos usuários.

O tribunal da 11ª região decidiu, em 2021, que as empresas de tecnologia têm o direito constitucional de moderar conteúdo do usuário. O da 5ª região decidiu, em 2022, que não. E as partes descontentes recorreram à Suprema Corte.

Em pauta estão duas leis similares, uma da Flórida e outra do Texas, aprovadas por Assembleias Legislativas com maioria republicana e sancionadas por governadores republicanos, que proíbem as empresas de mídia social de censurar o discurso baseado em ponto de vista do usuário.

Para o tribunal da 5ª região, “as empresas de mídia social são concessionárias comuns, tais como as companhias telefônicas, não diferentes da Verizon ou AT&T, e estão sujeitas às leis antidiscriminação”. Os republicanos argumentaram que as empresas de mídia social bloqueiam injustamente conteúdos de líderes e jornalistas conservadores.

Para o tribunal da 11ª região, a lei da Flórida “Stop Social Media Censorship Act” viola a Primeira Emenda da Constituição, que, entre outras coisas, garante a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão.

“As ações de moderação de conteúdo pelas empresas de mídia social em suas plataformas constituem o exercício protegido da função editorial de uma empresa privada, sobre o qual o governo não tem poder. Da mesma forma que o governo não pode dizer a um jornal ou a uma emissora de TV o que publicar ou transmitir, ele não pode dizer a uma empresa de mídia social que conteúdo deve permitir em sua plataforma”.

“As plataformas não devem sofrer quaisquer restrições diretas ou indiretas do governo em sua capacidade de distribuir conteúdo do usuário, constitucionalmente protegido, mesmo que tal conteúdo seja desagradável ou censurável” , diz a decisão do tribunal.

“Mas as plataformas também devem ter a flexibilidade de estabelecer suas próprias políticas, sem coerção do governo, e criar os ambientes que acreditam ser o melhor para seus usuários. O livre mercado — e não o governo — deve recompensar ou punir tais decisões empresariais”, declarou o Tribunal Federal de Recursos da 11ª Região, que cobre os estados da Geórgia (sede), Flórida e Alabama, em NetChoice v. Attorney General of Florida.

Por sua vez, o Tribunal Federal de Recursos da 5ª Região, que cobre os estados de Louisiana (sede), Texas e Mississippi — e é considerado o mais conservador do país —, declarou, em NetChoice v. Paxton, que essa foi uma decisão às avessas:

“Rejeitamos a tentativa das plataformas de extrair o direito de censurar da garantia de liberdade de expressão da Constituição. As plataformas não são jornais. Sua censura não é [liberdade de] expressão. As plataformas parecem acreditar que podem evitar as obrigações das empresas de telecomunicações e discriminar contra os clientes”.

A organização NetChoice, que representa as empresas de tecnologia, citou em suas petições o precedente criado pela Suprema Corte em Reno v. ACLU. No processo, a corte revogou uma lei federal que restringia a transmissão online de imagens indecentes.

Nesse caso, o governo federal argumentou que, da mesma maneira que pode proibir as emissoras de televisão de transmitir conteúdo indecente, pode limitar a publicação de material semelhante na então nascente internet. Mas a corte discordou: “A internet é um meio único e inteiramente novo da comunicação humana em todo o mundo”.

A corte concluiu que a internet não é semelhante à televisão e merece as proteções da Primeira Emenda em todo seu escopo.

“Como uma matéria de tradição constitucional, e na ausência de provas em contrário, presumimos que a regulamentação governamental de conteúdo de expressão irá, mais provavelmente, interferir na livre troca de ideias do que encorajá-la. O interesse de encorajar a liberdade de expressão em uma sociedade democrática pesa mais do que o teórico, mas não provado, benefício da censura.

Moderação contestada

O tribunal da 11ª região citou, por sua vez, o precedente estabelecido em Manhattan Community Access Corp. V. Halleck:

“Quaisquer que sejam as dificuldades de aplicar a Constituição à tecnologia em constante mudança, os princípios básicos de liberdade de expressão e de imprensa, tal como a Primeira Emenda comanda, não varia quando surge um meio de comunicação novo e diferente”.

“Um desses princípios básicos — na verdade o mais básico dos básicos –— é que a cláusula da liberdade de expressão da Primeira Emenda refreia os atores governamentais e protege os atores privados. Para simplificar, com pequenas exceções, o governo não pode dizer a uma pessoa ou entidade privada o que dizer e como dizê-lo”.

A corte citou ainda o precedente criado em Miami Herald Publishing Co. v. Tornillo de 1974. Nesse caso, a corte julgou uma lei da Flórida que exigia que um jornal, que publicasse qualquer notícia crítica a um candidato, deveria dar o mesmo espaço em suas páginas para a resposta do político.

“As decisões de um jornal sobre que conteúdo deve publicar e seu tratamento de questões públicas e de autoridades públicas, sejam justas ou injustas, constituem o exercício de controle e julgamento editoriais, que a Primeira Emenda foi projetada para salvaguardar. A tentativa de compelir o jornal a publicar o que a razão diz que não deve ser publicado é inconstitucional e uma intrusão na função dos editores”.

A corte também rejeitou o argumento de que as empresas de mídia social devem fornecer uma explicação detalhada para cada conteúdo excluído de suas plataformas, por ser inconstitucional, de acordo com a Primeira Emenda, bem como por ser excessivamente oneroso [para as empresas] e, provavelmente, restringir a liberdade de expressão.

“O YouTube, por exemplo, removeu mais de um bilhão de comentários em um único trimestre de 2021. Assim, uma lei que requeira uma explicação escrita e uma justificação completa para cada uma dessas decisões resulta em uma implementação significativa dos custos e expõe as plataformas de mídia social a uma enorme responsabilização — até US$ 100 mil em indenização por danos por queixa”, diz a decisão.

Os dois casos que deverão ser julgados pela Suprema Corte no próximo ano judicial diferem dos dois casos que foram decididos em maio deste ano (Twitter v. Taamneh e Gonzalez v. Google). Nesses casos, a Suprema Corte decidiu por unanimidade que as plataformas de mídia social não podem ser responsabilizadas civilmente por postagens de seus usuários – nem mesmo por recomendações de conteúdo.

Isto é, as pretensões são contrárias. Nos dois casos anteriores, os demandantes queriam obrigar as empresas de mídia social a moderar (ou censurar) conteúdos e responsabilizá-las pela falha de o fazerem. Nos dois novos casos, as leis da Flórida e do Texas pretendem proibir as empresas de mídia social de moderar ou censurar conteúdo.

João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.

Consultor Júridico

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