Suprema Corte rejeita teoria que iria subverter eleições nos EUA

Em uma das decisões mais esperadas deste ano judicial nos EUA, que se encerra em 30 de junho, a Suprema Corte rejeitou uma teoria jurídica que iria subverter as eleições federais no país, que já são complicadas por causa do sistema de colégio eleitoral para eleger o presidente e do sistema de voto distrital para eleger deputados federais.

Por 6 votos a 3, a corte decidiu descartar a “teoria do legislativo estadual independente”, defendida na Justiça por parlamentares republicanos da Carolina do Norte. De acordo com essa teoria, a assembleia legislativa de cada estado deveria ter poder ilimitado para regulamentar as eleições federais em seu território, sem interferência judicial.

Isto é, a assembleia legislativa do estado poderia definir as regras, o processo eleitoral e o mapa distrital de acordo com as conveniências da maioria na Casa e o que decidissem não poderia ser contestado na Justiça, porque as cortes estaduais não teriam qualquer papel a exercer nas eleições, mesmo que as medidas legislativas violassem a Constituição estadual. Nem mesmo o governador ou o secretário de estado (que hoje exercer o papel do TRE) poderiam interferir.

Se a Suprema Corte aceitasse essa teoria, haveria duas consequências mais graves. A primeira é a de que a assembleia legislativa poderia rejeitar o resultado da eleição para presidente no estado, sob a alegação de fraudes, por exemplo. Atualmente, o partido que tiver mais votos populares escolhe o grupo de delegados que irá eleger o presidente no Colégio Eleitoral. Mas se os parlamentares pudessem rejeitar o resultado das urnas, eles mesmos escolheriam os delegados.

Hoje, 30 dos 50 estados do país têm maioria republicana na Câmara e no Senado de suas respectivas assembleias legislativas. Mas, bastaria que apenas dois ou três estados revertessem o resultado da eleição presidencial em seus territórios para garantir a vitória, no Colégio Eleitoral, do candidato que perdeu a eleição. E, assim, subverter as eleições.

A outra consequência seria a institucionalização da manipulação dos mapas distritais, para favorecer o partido com maioria na assembleia legislativa — uma “malandragem” eleitoreira, conhecida como “gerrymandering”. Ela consiste em concentrar todos os eleitores do partido adversário em um só distrito, para que elejam apenas um deputado federal.

Uma outra manobra é dividir a área em que os eleitores adversários moram em várias partes e somar cada uma delas a partes maiores em que se concentram eleitores do partido da situação, para que os adversários não elejam qualquer deputado federal nas áreas manipuladas. A prática do “gerrymandering” pode definir que partido terá maioria na Câmara dos Deputados Federais.

Entendimentos da Corte

A Suprema Corte, em Moore v. Harper, acabou com a festa na Carolina do Norte — como já havia, recentemente, proibido a prática do “gerrymandering” nos estados de Alabama e Louisiana. Outros estados, todos republicanos, têm casos semelhantes tramitando na Justiça e, em vista das decisões da Suprema Corte, deverão redesenhar seus mapas distritais sem usar essa tática.

A defesa do direito da assembleia legislativa de desenhar um mapa distrital como quiser, bem como da “teoria do legislativo estadual independente”, foi levada à Suprema Corte por parlamentares republicanos do estado da Carolina do Norte. Eles alegaram que a Cláusula das Eleições no Artigo 1 da Constituição dos EUA lhes garante esse direito.

A cláusula diz: “As datas, locais e maneira de realizar eleições para senadores e deputados federais devem ser prescritas pelas assembleias legislativas de cada estado” — embora o Congresso possa, a qualquer tempo mudar ou alterar, por lei, tais regulamentações.

Mas a Suprema Corte matou os dois coelhos — a teoria do legislativo independente e o “gerrymandering” — com uma cajadada só: “A cláusula das eleições da Constituição não isenta os legislativos estaduais do exercício ordinário do reexame judicial nos estados. As cortes estaduais retêm a autoridade para aplicar as restrições da Constituição do estado quando os legislativos agem sob o poder que lhes é conferido pela cláusula das eleições.”

 A decisão da maioria, relatada pelo presidente da Suprema Corte, ministro John Roberts, declara: “A Constituição dos EUA permite às cortes nos estados interpretar as Constituições estaduais, para colocar limites nos poderes dos parlamentares. E a cláusula das eleições não garante às assembleias legislativas dos estados autoridade exclusiva e independente para estabelecer regras para as eleições federais.”

A decisão traz, no entanto, uma advertência aos juízes estaduais: “Apesar de concluirmos que a cláusula das eleições não isenta os legisladores estaduais das restrições impostas pela lei, as cortes estaduais não podem transgredir os limites ordinários do reexame judicial, tais como o de se apropriar do poder investido nas assembleias legislativas para regular as eleições federais” [em seu território].

Votaram com o ministro conservador John Roberts as três ministras liberais Sonia Sotomayor, Elena Kagan e Ketanji Brown Jackson, bem como o ministro conservador Brett Kavanaugh e a ministra conservadora Amy Coney Barrett.

O voto dissidente foi dos três ministros mais conservadores da corte: Clarence Thomas, autor do voto, Samuel Alito e Neil Gorsuch. Os três aprovariam a “teoria do legislativo estadual independente”, bem como o direito das assembleias legislativas de elaborar seus mapas distritais como quiserem.

Mas, antes disso, Thomas declarou que o caso perante a Suprema Corte estava prejudicado — ou seja, a corte deveria trancar a ação sem julgá-la, porque a questão já fora resolvida pelo Tribunal Superior da Carolina do Norte.

O que aconteceu na Carolina do Norte foi que, em fevereiro de 2022, o tribunal superior do estado, com maioria de ministros liberais (por 4 a 3) julgou inválido o mapa distrital traçado pela Assembleia Legislativa com maioria republicana.

Os republicanos recorreram à Suprema Corte. Mas novos ministros tomaram posse após as eleições de metade do mandato e a maioria passou para os ministros conservadores (por 5 a 2). Então, em abril, a nova maioria tomou a rara decisão de anular a decisão anterior e aprovar o mapa distrital traçado pelos republicanos.

Em vista dessa decisão, Thomas concluiu que o processo deveria ser trancado. Ele escreveu: “Em síntese, o caso está encerrado e os peticionários ganharam. Assim, a defesa da cláusula das eleições alternativa pelos peticionários não mais requer uma decisão.” Com informações adicionais do Washington Post, Politico, HuffPost, CBS News.

João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.

Consultor Júridico

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