Tatiana Chiaradia: O governo tarda, mas não falha

O primeiro semestre de 2023 foi tumultuado com as expectativas do julgamento do Superior Tribunal de Justiça acerca da tributação das subvenções para investimento pelo Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). O governo federal utilizou de sua força política junto aos tribunais superiores e o resultado foi a decisão proclamada pelo STJ tão comentada pela imprensa.

Resumidamente, o tribunal reconheceu que o crédito presumido concedido pelos estados não deve ser tributado pelo IRPJ/CSSL, em respeito ao princípio federativo, em que a “receita fictícia” recebida dos entes não poderia ser tributada pela União.

O STJ também decidiu que os demais benefícios fiscais, tais como redução de base de cálculo e alíquota, isenções, diferimento, seriam normalmente tributados, já que representam uma parcela redutora do lucro. Na oportunidade, afirmou que quando esses benefícios atenderem aos requisitos previstos no artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, poderão ser deduzidos da base de cálculo do IRPJ/CSSL.

Na oportunidade, o governo divulgou na imprensa ter obtido um grande ganho nos tribunais. Mas, na verdade, a decisão do STJ nada mais fez do que esclarecer o que já estava expressamente previsto na legislação pós Lei Complementar 160: qualquer benefício fiscal somente poderia ser deduzido da base de cálculo do IRPJ/CSLL quando devidamente contabilizado como reserva de lucro, não distribuível aos sócios.

Logo após essa decisão, o governo inclusive intimou diversos contribuintes, especialmente aqueles listados e acompanhados por fiscalização especial, a reconhecerem os débitos aproveitados em desacordo com a decisão do STJ e recolherem os valores sem multa, numa espécie de “denúncia espontânea”, pretendendo arrecadar os valores previstos inicialmente, o que não se concretizou, haja vista que a maioria dos contribuintes optou por assumir o risco da futura discussão desse tema acobertados pela posição da jurisprudência do STJ.

E qual foi a nossa surpresa: no final de agosto de 2023 fomos todos surpreendidos com a edição da Medida Provisória nº 1.185/2023, que expressamente revoga o artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, afastando por completo a possibilidade de exclusão dos benefícios fiscais da base de cálculo do IRPJ/CSSL, que havia sido utilizado como fundamentação para a decisão do STJ.

Por sorte, se for aprovada, a MP somente terá vigência a partir de 2024, possibilitando a todos os contribuintes avaliarem com calma os seus impactos e decidirem o melhor caminho a seguir a partir de então.

A MP formaliza uma vontade bem antiga do governo em diferenciar as subvenções para investimento e custeio, que haviam sido equiparadas no artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, após a edição da Lei Complementar nº 160, reservando a partir de agora o benefício federal somente às subvenções compreendidas como de investimento conforme interpretação conferida há anos pela Receita Federal.

De acordo com a MP, as subvenções passam a ser tributadas regularmente pelo IRPJ/CSLL. A novidade é o surgimento da possibilidade de o contribuinte apurar um “crédito fiscal de subvenção para investimento” quando receber subvenção de outro ente da federação (União, estados, Distrito Federal e municípios), desde que observados os seus requisitos.

A MP traz novas definições, prevendo a necessidade de prévia habilitação do contribuinte, resumida na necessidade de demonstrar e comprovar as condições da concessão da subvenção para investimento, especialmente exigindo as contrapartidas de implantação e expansão do empreendimento econômico da pessoa jurídica.

O valor do “crédito fiscal” será o resultado da multiplicação das receitas da subvenção pela alíquota do IRPJ, observando as competências contábeis. Os valores a serem aproveitados somente serão aqueles decorrentes das receitas relacionadas à implantação ou expansão do empreendimento econômico e que sejam reconhecidas após a conclusão da implantação/expansão e depois do protocolo do pedido de habilitação.

O aproveitamento desses valores poderá se dar mediante compensação com outros tributos administrados pela Receita ou ressarcimento em dinheiro, dependendo o respectivo pedido da entrega da escrituração contábil fiscal (ECF) em que será demonstrado o direito creditório a partir do ano seguinte do reconhecimento das receitas de subvenção. A única vantagem é que esse crédito fiscal não será tributado por IRPJ/CSLL nem PIS/Cofins.

A MP expressamente consigna que os valores que já foram contabilizados como reserva de lucro nos termos do revogado artigo 30 da Lei nº 12.973/2014 somente poderão ser aproveitados para aumento do capital social ou absorção de prejuízos desde que anteriormente já tenham sido totalmente absorvidas as demais reservas de lucros, com exceção da reserva legal.

A atitude do governo, era esperada, tendo em vista que seus esforços para conduzir o julgamento do STJ e para atrair os contribuintes a se regularizarem não surtiram muito efeito no primeiro semestre. Entretanto, lembramos que se trata de uma canetada do Poder Executivo, que ainda precisa ser debatida e aprovada pelo Poder Legislativo e, eventualmente validada pelo Poder Judiciário.

Destacamos a importância de se acompanhar de perto a eventual aprovação da MP pelo Congresso. Os impactos da MP alcançarão todos os contribuintes que já se organizaram e se planejaram dentro de um cenário que ficará totalmente distorcido a partir de 2024 em caso de sua aprovação.

A título de exemplo, serão prejudicados os contribuintes que possuíam decisão judicial autorizando a utilização do benefício nos termos do revogado artigo 30 e aqueles que investiram suas atividades prevendo o retorno fiscal calculado e programado.

Não fosse só isso, ao permitir a tributação dos benefícios fiscais estaduais, a MP traz mais um capítulo para a guerra fiscal em desrespeito ao princípio federativo, e, claro, provavelmente causará um fomento ao contencioso administrativo e judicial dentro dos inúmeros questionamentos que surgirão, tal como a revogação das disposições definidas no artigo 30 da Lei nº 12.973/2014 pela Lei Complementar nº 160, além dos fundamentos jurídicos colacionados pelo STJ em suas decisões.

Como se pode ver, o governo demorou, mas foi implacável na guinada dada à decisão do STJ. Agora nos resta apenas acompanhar para ver se dentro do Congresso essa guinada será validada, além de nos organizarmos para estarmos preparados para implementação das novas regras e eventualmente questioná-las judicialmente.

Consultor Júridico

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