No último dia 5 de julho, o Senado aprovou o Projeto de Lei 4.188/2022, conhecido como Marco Legal das Garantias, o qual visa diminuir a inadimplência e o custo do crédito. No entanto, apesar das boas intenções, o projeto de lei traz uma série de violações a direitos e garantias fundamentais.
Dentre as diversas legislações que altera, o projeto dispõe sobre a busca e apreensão extrajudicial de bens em garantia de contratos de alienação fiduciária. Regulada pela Lei 9.514/1997, consoante preconiza o artigo 22, a alienação fiduciária trata-se do “negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel”.
Ou seja, ao tomar empréstimo, o devedor oferece como garantia do adimplemento do contrato, bem móvel, de modo que a propriedade é transferida ao credor, ficando o devedor com a posse do bem.
Pela lei, atualmente é possível executar extrajudicialmente contratos que tenham por garantia um bem imóvel. O Marco Legal das Garantias visa estender a execução extrajudicial também para aqueles cuja garantia sejam bens móveis.
Pelo procedimento da alienação fiduciária, estando inadimplente e devidamente constituído em mora, o credor poderá executar de forma extrajudicial o contrato, através de intimação pelo Oficial de Registro de Imóveis para purgação da mora no prazo de 15 dias. Se a mora for paga no prazo, convalesce o contrato e, caso não seja, a propriedade do bem será consolidada em nome do credor, o qual em seguida poderá tomar as providências para leilão do bem.
Além de estender para os bens móveis, o Marco Legal das Garantias também prevê a adoção do procedimento de execução extrajudicial para os contratos garantidos por hipoteca e quando houver concurso de credores na garantia imobiliária. Com isso, prevê a inclusão dos artigos 33-G e 33-H na Lei 9.514/97.
Outra alteração importante é a do artigo 3º, da Lei 8.009/1990, que trata sobre o bem de família. O Marco Legal das Garantias altera a disposição do inciso V, para a seguinte redação:
“V – para excussão de imóvel oferecido como garantia real, independentemente da obrigação garantida ou da destinação dos recursos obtidos, mesmo quando a dívida for de terceiro;”.
Em que pese o intuito de reduzir o risco de inadimplência e o custo das tomadas de crédito, é possível identificar, em contrapartida, que o Marco Legal das Garantias apresenta claras violações a direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, tais como a dignidade da pessoa humana, propriedade e moradia, o acesso à Justiça, devido processo legal, contraditório e ampla defesa.
É preciso levar em consideração que a inadimplência não é uma questão simples e prática como aparenta, mas decorre de fatores que atingem a capacidade financeira de uma pessoa.
O mundo viveu recentemente uma situação atípica que impactou diretamente no setor econômico que foi a pandemia da Covid-19. Até dois anos atrás ainda vivíamos restrições e, em que pese a reabertura do comércio e retomada das atividades, muitas pessoas e empresas ainda sofrem com os reflexos daquele período e tentam arduamente se restabelecer.
Em que pese medidas terem sido implementadas à época para auxílio do pagamento de débitos, muitas também foram no sentido de manter empregos, o que afetou o caixa de empresas cuja atividade não era considerada essencial e precisou parar integralmente suas atividades.
Para tanto, muitos contratos foram novados, à novas taxas de juros, com imposição de apresentação de garantias contratuais, levando os devedores e sócios de empresas, seja por medo ou pressão das instituições financeiras, ofertarem o próprio imóvel residencial como garantia.
A desjudicialização da execução civil, assim, se mostra um procedimento arbitrário, vez que o único critério é simplesmente o vencimento da prestação.
Pelo procedimento extrajudicial, não se verifica a regularidade do cálculo apresentado pelo credor, a correta aplicação das taxas de juros e demais encargos contratuais, se a taxa de juros está dentro da prática de mercado, o que pactua com as muitas abusividades e ilegalidades que são diariamente praticadas pelas instituições financeiras.
Pode-se indagar que o devedor pode valer-se de ação revisional para discussão das cláusulas contratuais, entretanto, é preciso considerar
1) o ajuizamento de processo judicial prescinde de pagamento de custas e despesas processuais;
2) a revisão contratual requer a demonstração das ilegalidades contidas no contrato e cálculo das parcelas, o que demanda a contratação de um profissional;
3) no curso do processo, quando deferido pelo magistrado, pode ser realizada perícia contábil, demandando o pagamento dos honorários periciais;
4) para a concessão da uma tutela de urgência a fim de impedir qualquer ato expropriatório por parte do credor, pode ser imposta a apresentação de uma caução;
Como é possível verificar, um processo judicial não é barato e para quem já está em débito, não é uma via de fácil e simples acesso.
Desta forma, é possível verificar que as supostas boas intenções do Marco Legal das Garantias vêm maquiadas de violações severas à preceitos fundamentais, deixando os devedores em extrema vulnerabilidade ao serem submetidos a procedimentos que não passam pela fiscalização do Poder Judiciário.
Thaís Barbosa é especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) e em Direito Médico e Hospitalar pela Escola Paulista de Direito (EPD), mestranda em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e advogada no escritório Granito, Boneli e Andery Advogados (GBA Advogados Associados).