Thaís Martin: A tese do próximo século

Aos 30 de maio de 2023, foi publicada a Lei n.º 14.592/2023, fruto da Medida Provisória nº 1.147/2022, que  dentre as diversas alterações na legislação da Contribuição ao PIS e da Cofins  positivou a exclusão do ICMS da base de cálculo do crédito das contribuições sociais.

Convém relembrar que a MP não tratava inicialmente da exclusão do ICMS da base de cálculo do crédito da contribuição ao PIS e da Cofins. Tal previsão era da Medida Provisória nº 1.159/2023. Aliás, caminho um tanto estranho que conduz o pensamento de que pode ter tido um aproveitamento do período da anterioridade nonagesimal iniciado pela outra MP.

Não é à toa que já surgem alguns questionamentos sobre as impropriedades da normativa, seja em relação à (indevida) utilização da MP em matéria tributária, dada a falta de urgência e relevância quanto ao recorte normativo do direito ao crédito, quanto à falta de observância da anterioridade nonagesimal para a Lei nº 14.592/2023, o que permitiria sua eficácia apenas a partir de 31 de agosto de 2023.

No entanto, por serem temas que não são o objeto específico desta investigação, oportuno mencionar que este artigo se limitará à análise da (incorreta) vinculação entre a forma de apuração de débitos da Contribuição ao PIS e da Cofins com a pretensão de incluir na sua base de cálculo o ICMS computado no cálculo dos créditos dessas contribuições.

Para tanto, voltemos à MP nº 1.159/2023. Segundo a exposição de motivos [1], uma vez que o valor destacado na nota fiscal não integra a venda do produto, deveria ser feita a exclusão do valor do ICMS destacado na nota fiscal de aquisição, com fundamento na sistemática da não-cumulatividade. A medida tem por objetivo equilibrar os efeitos da “tese do século”, na qual foi decidido pelo STF, no âmbito do RE 574.706 (Tema nº 69), que o valor do ICMS que incidiu nas operações geradoras de receitas não integra a base tributável das contribuições sociais.

No entanto, do contrário que se pretende com alteração legislativa, a nova lei, no tocante ao direito ao crédito das aquisições, promove uma distorção do princípio da não-cumulatividade, pois, não confundamos a regra de apuração do crédito com a regra de apuração do débito — regras totalmente autônomas.

A não-cumulatividade da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins (status constitucional conferido por meio da Emenda Constitucional nº 42/2003) foi implementada pelas Leis nºs 10.637/2002 e 10.833/2003, de modo a permitir a dedução de créditos, calculados com base no custo de aquisições de bens e serviços relacionados com a atividade do contribuinte [2], dos valores devidos a título de PIS [3] e Cofins [4].

Observa-se, de forma patente, a existência de dois cortes distintos: 1) a regra que estipula o nascimento do direito ao desconto (“crédito”) que, com propriedade, professor Paulo de Barros Carvalho sintetiza seguinte forma: dada a entrada de bem ou serviço, deve ser o direito do adquirente ao crédito do PIS e da Cofins; e 2) a regra que instaura a relação jurídica-tributária entre o contribuinte e o ente tributante (“débito”), também construída pelo jurista paulista como: dado o ingresso de receita, deve ser o pagamento à União da pessoa jurídica titular da receita, na alíquota estabelecida pela legislação [5].

Claro está, portanto, que o direito ao crédito não decorre diretamente da incidência tributária. Muito embora possa nascer simultaneamente ao fato jurídico tributário, a regra-matriz de incidência tributária está direcionada para o nascimento do crédito tributário, que tem por objeto o pagamento da contribuição ao PIS e da Cofins, ao passo que a regra do direito ao crédito encontra sua eficácia no fato da aquisição de bens e serviços relacionados com a atividade do contribuinte.

Tanto a regra que estipula o nascimento do direito ao crédito é autônoma em relação à norma de imposição do tributo que o legislador prevê que o crédito deve ser calculado sobre o preço do bem ou do serviço adquirido, não confundindo, portanto, com o conceito de receita, vinculado com a incidência tributária.

 Também é possível vislumbrar a independência entre a regra-matriz de incidência tributária e a regra-matriz do direito ao crédito ao fato de que as empresas optantes do lucro real e sujeitas a não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da Cofins podem calcular o crédito nas aquisições, à alíquota da não-cumulatividade, realizadas de pessoas jurídicas optantes pelo regime tributário do Simples Nacional [6], submetidas à alíquota diferenciada.

O que não pode ser confundido é o direito ao crédito (que nasce com a entrada do bem) com a compensação entre a relação do direito ao crédito e a relação jurídica tributária (que nasce com a saída do bem), sendo que a compensação é apenas a forma pela qual é exercitado o direito ao crédito. Analisando a fenomenologia da não-cumulatividade, somente é possível atingir a eficácia da não-cumulatividade quando realizada a compensação.

Todo o exposto permite alcançar o entendimento de que está ausente o critério jurídico que sustenta a tese de que não havendo incidência da contribuição ao PIS e da Cofins sobre o ICMS, este estaria excluído do valor do bem adquirido e, consequentemente, da base de cálculo do crédito apurado.

Além do mais, quando o legislador elegeu a base de cálculo do crédito como a “aquisição”, sua pretensão foi alcançar com o direito ao crédito, todos os fatores que contribuem para a formação do valor do bem adquirido.

Nesse aspecto, são vários fatores que contribuem para formação do valor do bem adquirido, além do custo de produção e da margem de lucro, tem-se a repercussão econômica da tributação incidente, que é o caso do ICMS, repassado às etapas seguintes até a venda efetiva ao consumidor final. Ou seja, mais uma distorção à sistemática não-cumulativa: o ICMS seguirá compondo o valor do bem adquirido para venda.

Seguindo essa linha de raciocínio, a nova legislação ao determinar a exclusão do ICMS no cálculo dos créditos da contribuição ao PIS e da Cofins, em decorrência da exclusão do imposto da apuração do débito das contribuições sociais  fato sem relevância para a formação do direito ao crédito  incorre em patente violação ao princípio da não-cumulatividade, dando mais combustível para uma nova discussão, que poderá perdurar por muitos anos.

Thaís de Branco Valério Martins é advogada, mestranda e especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet).

Consultor Júridico

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