Neste mês de maio de 2023, a Lei nº 13.288/06 (Lei de Integração), que disciplina o contrato de integração vertical, comemora sete anos de vigência, ainda com alguns desafios na sua efetividade, especialmente no que diz respeito às Comissões para Acompanhamento, Desenvolvimento e Conciliação da Integração (Cadecs).
Na relação entre indústrias processadoras de alimentos e produtores rurais verificou-se que o modelo contratual tradicional da compra e venda de matérias-primas para serem transformadas em produtos finais era inapropriado. A teoria dos custos de transação [1] revelou a necessidade de manutenção de uma relação jurídica permanente, protraída no tempo, com supervisão de uma entidade sobre a outra e a produção de matéria-prima em larga escala com qualidade e quantidade pré-definidas [2]. Foi assim que esses agentes econômicos reorganizaram suas relações comerciais para reduzir os custos e segmentar os riscos biológicos na produção dos bens de origem animal e vegetal.
Foi nesse contexto que surgiu a integração, que pode ser conceituada como um fenômeno econômico, social e jurídico, no qual a indústria (integrador) se compromete a adquirir, com exclusividade, todas as matérias-primas produzidas pelo produtor rural (integrado), por meio de um contrato de longa duração, com intercâmbio financeiro, tecnológico, técnico, sanitário e ambiental, assegurando que exerça controle de qualidade, quantidade, origem, procedimento e homogeneidade dos bens [3].
Na perspectiva da indústria integradora, ela exerce fiscalização sobre o integrado, oferece suporte financeiro, técnico, tecnológico, ambiental e sanitário. Sua intervenção direta tem previsão contratual e se justifica para assegurar o recebimento contínuo da matéria-prima nas condições necessárias para transformá-la em produto final, mantendo sua economia de larga escala na produção de alimento [4]. O produtor rural, por sua vez, disponibiliza suas instalações e equipamentos, realiza o manejo sobre a matéria-prima e fornece alguns insumos, tais como água e energia elétrica. Apesar de dependente da atividade industrial, porque venderá sua produção de forma exclusiva, essa relação lhe garante acesso à fonte de recurso financeiro; incorpora tecnologia à sua atividade; desenvolve seu parque de produção e assegura a venda da matéria-prima, não havendo risco de perda do que foi produzido [5].
Há, para ambos os contratantes, segurança e segregação de riscos [6].
Atualmente, segundo a Associação Brasileira de Proteína Animal (Abpa) [7], cerca de 90% da produção de aves e suínos ocorre por meio da integração, o que representa a produção anual de 14 milhões de toneladas de frango e quatro milhões de toneladas de carne suína, com o valor total bruto de produção de R$ 140 bilhões e exportações para 151 países.
Todavia, até 2016 gravitava sobre essa relação uma grande insegurança jurídica, porque não existia um marco legal para disciplinar direitos e obrigações. Discutiu-se, por exemplo, se haveria relação trabalhista entre eles. Foi assim que foi promulgada a Lei nº 13.288 que disciplina os seus aspectos obrigacionais.
O contrato de integração é típico, porque previsto em lei; bilateral, pois há obrigações recíprocas; oneroso, pois buscam benefício econômico; de trato sucessivo ou execução continuada, pois a execução se protrai no tempo; por adesão, porquanto o integrado predetermina as cláusulas contratuais; agrário, porque no cumprimento da prestação do produtor rural deve-se observar os riscos biológicos do animal ou vegetal; e relacional onde se considera como essencial, na interpretação, os fatores associados à intrincada interlocução social entre os agentes, a complexidade das prestações, as especializações das respectivas atividades e os interesses reais dos contratantes [8].
Nestes sete anos de vigência da Lei de Integração, destaca-se o seu papel no combate ao abuso econômico e a importância do fortalecimento das Cadecs.
O contrato de integração possui particularidades que tornam ainda mais complexa a execução e o desfazimento dessa relação. Primeiro, porque há um abismo econômico entre integrador e integrado, de maneira que as indústrias processadoras de alimentos são formadas, em geral, por multinacionais que faturam bilhões de dólares por dia [9], enquanto os produtores rurais são formados, em sua maioria (77%), porque pequenos produtores [10]. Não bastasse a diferença no porte econômico, ainda há uma absoluta predominância técnica e jurídica dos integradores sobre os integrados, o que conduz à estandardização dos contratos com a submissão aos termos contratuais, especialmente sobre as questões financeiras e obrigacionais [11].
O produtor rural que sofre com cláusulas ou práticas abusivas se vê num beco, porque a resolução contratual não é a saída, vez que isso ocasionaria o encerramento da sua própria atividade. Todas essas relações são marcadas por uma intensa concentração econômica dos integradores com poucas indústrias processadoras de alimentos próximas ao integrado [12]. Partir para briga é decretar sua autofalência.
Pensando nisso, a Lei de Integração estabeleceu uma teia de proteção do integrado, com parcial dirigismo econômico, que se extrai de cinco eixos normativos de contrabalanceamento, os quais podem ser assim resumidos: o primeiro eixo recai sobre o controle do resultado econômico, ao determinar a distribuição justa dos resultados (artigo 3º); o segundo, sobre a relação pré-contratual com o Documento de Informação Pré-Contratual (DIPC); o terceiro, sobre a constituição da obrigação, com dezesseis cláusulas obrigatórias (artigo 4º); o quarto, sobre a execução, com a obrigatoriedade de fornecimento do Relatório de Informação da Produção Integrada (Ripi); e o quinto, sobre o apoio externo à relação obrigacional com a criação do Fórum Nacional de Integração (Foniagro) e da Comissão para Acompanhamento, Desenvolvimento e Conciliação da Integração (Cadec).
Não há nada parecido com a Cadec no direito privado brasileiro.
As Cadecs [13] são fóruns privados que exercem funções descritas na Lei de Integração, as quais podem ser categoricamente divididas em três grandes blocos.
No primeiro estão as funções informativas, tais como elaborar estudos, definir intervalos, etc; no segundo bloco estão as atribuições de apoio, cujas ações colaboram na execução do pactuado, por exemplo, com a avaliação do atendimento dos padrões de qualidade; no terceiro bloco está a sua função como solucionadora de conflito mediante acordo [14]. Percebe-se, a partir das suas funções, que possui natureza jurídica de disput board, servindo como lugar de orientação e deliberação dos conflitos [15].
A Cadec é composta paritariamente de representantes escolhidos diretamente pelos produtores integrados, de indicados pela integradora, de indicados pelas entidades representativas dos produtores integrados e de indicados pelas entidades representativas das empresas integradoras. Não fixa a quantidade mínima ou máxima de membros que a integrarão, cabendo isso ao regimento interno. Porém, utiliza-se do advérbio paritariamente para demonstrar que sua formação deverá observar a existência de número igual de elementos a fim de obter um equilíbrio entre os interesses dos envolvidos.
Ela é, portanto, um órgão interno da integração, sem personalidade jurídica e serve como testemunha ocular da relação entre integrador e integrado. Sua composição plúrima e técnica, com profissionais que conhecem as atividades desenvolvidas, permite que suas avaliações e deliberações sejam tomadas com base em informações seguras.
Sobre a efetividade das Cadecs, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), por meio da Comissão Nacional de Aves e Suínos realizou, entre novembro e dezembro de 2022, uma pesquisa de satisfação entre os produtores integrados e integradores, cujo objetivo era avaliar a relação entre eles e o papel da Cadec. Participaram da pesquisa 94 Cadecs localizadas em oito Estados (RS, SC, PR, SP, MG, MS, MT e GO) [16].
A pesquisa causa preocupação em razão do descompasso normativo e o que o produtor rural está vivendo na vida real. Para se ter uma ideia, 51% dos produtores rurais responderam que seus representantes nas Cadecs foram retaliados ou perseguidos por terem manifestado em sua defesa; 37% responderam que as reuniões das Cadecs são espaços de imposição de vontade pela integradora; e 56% disseram que as decisões sobre remuneração do produtor e custos de produção são impostas unilateralmente pela integradora.
Para piorar, 62% dos produtores disseram que os acordos realizados nas Cadecs nem sempre são cumpridos pelas integradoras e todas as vezes que foram solicitados os Ripis em 70% das vezes eles não foram entregues. Ademais, 68% dos produtores disseram que as integradoras não enviam os parâmetros técnicos e econômicos à Cadec para validação e uso no estudo de viabilidade do projeto de financiamento do empreendimento. Sobre a participação dos produtores rurais, foram perguntados sobre o manual de boas práticas das Cadecs e 22,3% disseram desconhecer e 42,6% disseram que conhecem mas não fazem uso.
Diante desses dados, o desafio que se coloca é tornar as funções das Cadecs efetivas no mundo real. Não se pode transformar as comissões em extensões das indústrias processadoras de alimentos com o emprego do medo e da ameaça como instrumentos de imposição de vontade unilateral nas negociações e avaliações submetidas ao seu crivo.
Uma correta assessoria jurídica dos produtores rurais; a elaboração e difusão de um manual de boas práticas; a construção de um regimento interno por todos os agentes envolvidos; a profissionalização dos técnicos que atuarão nas Cadecs e o apoio técnico e jurídico das entidades sindicais ou associativas dos produtores rurais são fatores capazes de diminuir a inefetividade das Cadecs, tornando-as lugares de criação de identidade da integração e, com isso, capazes de fornecer informações corretas e avaliações seguras no desenvolvimento econômico e financeiro do contrato.
Thiago Soares Castelliano Lucena de Castro é juiz de Direito no Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, mestre em Direito do Agronegócio e Desenvolvimento pela Universidade de Rio Verde, especialista em U.S. Legal System pela Fordham University (EUA), ex-diretor da Escola Superior da Magistratura do Estado de Goiás e autor do livro A Avaliação da Cadec e a Presunção Legal no Contrato de Integração, pela editora Thoth.