Thiago de Pinho: Contabilização dos contratos de terceirização

No dia 24/3/2023, o Tribunal Pleno do STF concluiu o julgamento da ADI 5.598, que trata da constitucionalidade de dispositivos de duas leis do Distrito Federal, a saber, Lei nº 5.695/2016 e Lei nº 5.950/2017, por terem violado os artigos 24, I e II e §1º, e 169, caput, todos da CF/88, tendo em vista que disciplinaram questões de direito financeiro e orçamento de maneira diversa ao tratado pelo artigo 18, §1º, da Lei Complementar Federal nº 101/2000 (LRF), como se vê abaixo:

“Decisão: O Tribunal, por unanimidade, converteu a apreciação do pedido de medida cautelar em julgamento de mérito, 1) julgou prejudicado o pedido de declaração de inconstitucionalidade do artigo 51, §2º, da Lei nº 5.695/2016 do Distrito Federal, e 2) julgou procedentes os demais pedidos para declarar a inconstitucionalidade formal e material do artigo 51, §1º, da Lei nº 5.695/2016 do Distrito Federal e do artigo 53, §1º, da Lei nº 5.950/2017 do Distrito Federal, nos termos do voto da relatora ministra Rosa Weber (presidente). Plenário, Sessão Virtual de 17.3.2023 a 24.3.2023.” [1]

No julgamento acima, o STF entendeu que o artigo 51, §1º, da Lei nº 5.695/2016 do DF e o artigo 53, §1º, da Lei nº 5.950/2017 do DF, possuem vício de inconstitucionalidade formal e material, por terem tratado sobre direito financeiro e orçamento, que são de competência da União, no que tange às suas normas gerais, conforme previsto no artigo 24, I, II e §1º da CF/88, pois, a pretexto de exercer a sua competência suplementar/complementar, o Distrito Federal legislou de  maneira contrária à norma emanada da União.

Ademais, a Corte Suprema entendeu, ainda, que as leis distritais em debate também ofenderam o princípio do equilíbrio fiscal, que está insculpido no artigo 169 da CF/88, ao consubstanciarem norma que consagra a realização de despesa com pessoal em excesso aos limites estabelecidos na LRF.  

Resta saber qual é o efeito imediato desse julgamento aos entes da federação que não fazem parte da demanda judicial, em especial aos municípios que não dispõem de assessorias jurídicas consolidadas (procuradorias gerais municipais), e se ele implica em alguma mudança de comportamento em relação à execução da sua política orçamentária.

Neste ponto, é importante mencionar que o STF, no âmbito da ADI 5.598, mesmo mencionando que os dispositivos legais impugnados trataram de maneira diversa ao disposto no artigo 18, §1º, da LRF, sobre a contabilização dos contratos de terceirização nele previstos em “Outras Despesas de Pessoal”, não esclareceu, o que seria essa modalidade de terceirização, como se observa nos seguintes trechos do voto da ministra relatora:

“Ao propugnar que não se qualificam como substituição de servidores e empregados públicos os contratos de terceirização de mão-de-obra que tenham como objeto o desempenho de atividades com as características mencionadas, a lei distrital se antecipa ao intérprete da legislação federal, e o faz em sentido colidente com a teleologia do artigo 18, §1º, da LRF.

Não bastasse, a pretensão de ressignificar o conteúdo do artigo 18, §1º, da LRF, configura invasão da competência da União para estabelecer normas gerais sobre direito financeiro e orçamentário, a teor do artigo 24, I, II e §1º, da Constituição da República.

(…)

Assim, se a Lei Complementar federal determina que determinada modalidade de contrato (contratos de terceirização de mão-de-obra que se referem à substituição de servidores e empregados públicos) deve ser contabilizada sob determinada rubrica (despesas de pessoal), não pode o legislador do ente federado, a pretexto de suplementar e especificar o sentido da norma geral, alterar o seu significado de modo a afastar a sua incidência sobre hipótese em que deveria incidir.” [2]

Como visto acima, foram utilizados no voto termos que informam que o legislador distrital agiu de maneira contrária ao conteúdo normativo do artigo 18, §1º, da LRF, tais como sentido colidente, ressignificar o conteúdo, alterar o seu significado, porém não houve qualquer determinação ou sequer sugestão pelo STF sobre como o termo “contrato de terceirização de mão-de-obra que se refere à substituição de servidores e empregados públicos” deve ser interpretado e aplicado nos casos concretos, o que gera um ambiente de grande insegurança jurídica aos gestores e servidores públicos em geral, visto que o descumprimento dos limites de gasto com pessoal previstos na LRF pode acarretar ações de responsabilidade e a necessidade de adequação da folha de pagamento dos entes públicos, conforme disposto no artigo 169, §§3º e 4º da CF/88.

Ora, se não houve definição pelo órgão julgador sobre o que se entende por contratos de terceirização de mão de obra que se referem à substituição de servidores e empregados públicos, qual conceito deveremos adotar? Seriam todos os contratos que preveem contratação de pessoal para prestarem serviços públicos? Todos os contratos de limpeza e manutenção de praças e demais logradouros públicos, de recolhimento e tratamento de resíduos sólidos, ainda que precedidos de processo de licitação regular? Os contratos de fornecimento de mão-de-obra de atividades para as quais não há cargo público corresponde no plano de cargos e carreiras? Os contratos de gestão eventualmente celebrados com organizações sociais para gerenciarem unidades hospitalares também seriam ser nele compreendidos?

Vale ressaltar que a LRF também não define ou explica o que vem a ser essa modalidade de contrato, deixando a cargo do Poder Executivo, por meio do seu poder regulamentar, exercer essa incumbência. Ocorre que tampouco foi editado Decreto Federal para disciplinar esse assunto, o que causa mais dúvidas na sua aplicação.

Assim, neste contexto de aparente anomia, a Secretaria do Tesouro Nacional (STN), órgão vinculado ao Ministério da Fazenda, elaborou o Manual de Demonstrativos Fiscais Aplicado à União e aos estados, Distrito Federal e municípios, que foi aprovado pela Portaria STN nº 1.447, de 14 de junho de 2022, e que regulamenta o assunto da seguinte forma:

“2. Outras Despesas com Pessoal decorrentes de contratos de terceirização

(…)

A LRF não faz referência a toda terceirização, mas apenas àquela que se relaciona à substituição de servidor ou de empregado público. Assim, não são consideradas no bojo das despesas com pessoal as terceirizações que se destinem à execução indireta de atividades que, simultaneamente: a) sejam acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade (atividades-meio), na forma de regulamento, tais como: conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática  quando esta não for atividade-fim do órgão ou Entidade – copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações; b) não sejam inerentes a categorias funcionais abrangidas por plano de cargos do quadro de pessoal do órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário, ou seja, relativas a cargo ou categoria extintos, total ou parcialmente; e c) não caracterizem relação direta de emprego como, por exemplo, estagiários.” [3]

Desse modo, uma vez que não há na LRF ou noutra lei ou decreto federal o conceito ou definição do que deve ser compreendido por contratos de terceirização de mão-de-obra que se referem à substituição de servidores e empregados públicos (artigo 18, §1º, LRF), entende-se que os municípios, assim como a União e os estados, deve observar, na elaboração e na execução do seu orçamento, a norma emanada da STN, que está em consonância com o entendimento do Tribunal de Contas da União, como se vê nos acórdãos 2.444/2016 e 1.187/2019.

Por outro lado, vale ressaltar que os dispositivos legais impugnados por meio da ADI 5598 trataram do assunto de maneira similar às orientações expedidas pela STN, salvo pela alínea “c”, do inciso II, do §1º, do artigo 51, da Lei nº 5.695/2016, do Distrito Federal, que trata da declaração da desnecessidade de cargos públicos por meio de ato administrativo, para fins de contratação da mão-de-obra correspondente, que, de certa forma, concedeu maior liberdade para o Distrito Federal contabilizar essas despesas no orçamento sem que houvesse comprometimento dos limites de gasto com pessoal.

Ocorre que esse ponto não foi objeto de análise mais aprofundada pelo STF no julgamento em questão, motivo pelo qual não forneceu maiores elementos interpretativos para os demais aplicadores do direito.

No entanto, tendo em vista que o STF, na ADI 5.598, já sinalizou que os dispositivos impugnados das leis distritais acima promoveram a ressignificação dos comandos normativos previstos no artigo 18, §1º, da LRF, demonstrando, assim, uma possível discordância com a regulamentação proposta pelo Distrito Federal, que seguiu, na sua maioria, os preceitos emanados da STN sobre o assunto, sugere-se, com o fim de garantir maior segurança jurídica aos gestores públicos quanto ao cumprimento dos limites de gastos com pessoal, que as assessorias jurídicas de cada ente da federação interessado apresente consulta aos Tribunais de Contas correspondentes, caso ainda não haja pronunciamento destes, para que esclareçam o real alcance da norma prevista no dispositivo da LRF em voga.

Importante destacar que a resposta à consulta acima, expedida por órgão de controle externo, poderá gerar um ambiente de mínimo conforto aos gestores públicos quanto ao tema, que é de nítido interesse público, até que sobrevenha lei federal de natureza interpretativa ou decisão de tribunais superiores para dar balizas ao que deve ser entendido como contratos de terceirização de mão-de-obra que se referem à substituição de servidores e empregados públicos.

Em razão do cenário de incerteza e insegurança jurídica decorrente da ausência de interpretação clara, seja pelo legislador ou pelos tribunais superiores, acerca do alcance da norma prevista no artigo 18, §1º, LRF, entende-se mais adequado que os entes da federação observem, na elaboração e na execução das suas políticas orçamentárias, as orientações emanadas da STN, até que sobrevenha nova lei do Congresso ou decisão de tribunal superior que disponha do assunto de forma mais abrangente.

______________________

Referência Bibliográfica

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 32º ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2018.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal.

_____. Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Brasília, 2000. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm>. Acesso em: 11 abr. 2023.

_____. Portaria STN nº 1.447, de 14 de junho de 2022. Aprova a 13ª edição do Manual de Demonstrativos Fiscais – MDF. Disponível em: < https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-1.447-de-14-de-junho-de-2022-408494742>. Acesso em: 11 abr. 2023.

______. Supremo Tribunal Federal. ADI 5598. Requerente: Procurador-Geral da República. Interessados: Governador do Distrito Federal; Câmara Legislativa do Distrito Federal. Relatora: ministra Rosa Weber. Brasília, sessão virtual de julgamento de 17.03.2023 a 24.03.2023. Ata de Julgamento publicada, DJE, em 03.04.2023.

Thiago Carvalho de Pinho é procurador do município de Parauapebas-PA, pós-graduado em Ciências Criminais e Direito Tributário e membro da Comissão Nacional da Advocacia Pública da Ordem dos Advogados do Brasil.

Consultor Júridico

Facebook
Twitter
LinkedIn
plugins premium WordPress

Entraremos em Contato

Deixe seu seu assunto para explicar melhor