Quando o chefe do Poder Executivo municipal se apropria de um bem público, sem que tenha a devida autorização e em detrimento do interesse público, ele comete o crime descrito no artigo 1º, inciso II, do Decreto-lei nº 201/1967, que dispõe sobre a responsabilidade dos prefeitos e vereadores.
Essa fundamentação foi adotada pela 2ª Câmara Criminal da 1ª Turma do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) ao apreciar o recurso de apelação de um ex-prefeito de Itaberaba. O acórdão manteve sentença que o condenou pela impressão de suas fotografias em carnês do IPTU, na época em que governava a cidade, e por afixar uma faixa promocional à sua gestão em um trator do município estacionado em frente à Prefeitura.
“Existem os requisitos para a consumação da prática delitiva: há a existência de um vínculo funcional entre o agente público e a administração pública; a posse e responsabilidade sobre o bem público; a apropriação do bem pelo agente público e a violação do interesse público”, avaliou o desembargador Júlio Cezar Lemos Travessa, relator do caso.
Conforme o julgador, não há dúvidas de que os carnês foram confeccionados com dinheiro público, bem como a faixa foi afixada em veículo de propriedade da municipalidade. Travessa acrescentou que o “dolo específico” está comprovado, porque o apelante se valeu desses meios para se “autopromover” e se “idolatrar” enquanto prefeito.
O artigo 1º, inciso II, do Decreto-lei nº 201/1967 prevê como crime de responsabilidade dos prefeitos “utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos”. Porém, os fatos atribuídos ao apelante também representam “aviltamento” aos princípios da Administração Pública, destacou o relator.
Descritos no artigo 37 da Constituição Federal, esses princípios são os da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. O parágrafo 1º dessa regra veda o uso de nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos na publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos.
Apesar de manter a condenação, o colegiado deu provimento parcial ao recurso defensivo para redimensionar a pena. Fixada pelo juiz Matheus Martins Moitinho, da 1ª Vara Criminal de Itaberaba, em sete anos e nove meses de reclusão, em regime inicial fechado, a sanção foi reduzida para cinco anos e três meses em regime semiaberto.
“Ostentação autopromocional”
Na ação civil pública por ato de improbidade administrativa que ajuizou contra João Almeida Mascarenhas Filho, o Ministério Público narra que o réu, a pretexto de divulgar as ações governamentais desenvolvidas em 2011, quando era prefeito de Itaberaba, fez uso indevido de seu nome e imagens, beneficiando-se de recursos e serviços públicos em proveito próprio.
A denúncia menciona “ostentação autopromocional e marketing político” do recorrente ao utilizar as suas fotos nos carnês do IPTU e ao colocar uma faixa favorável à sua administração na máquina agrícola pública parada em frente à Prefeitura. “Situações fáticas que destoam da natureza informativa da publicidade institucional permitida legalmente”, dizem os acusadores na inicial.
O réu se defendeu afirmando que não consentiu com a veiculação da sua imagem nos carnês do IPTU e a mera existência da foto não permite a conclusão de que se trata de autopromoção. A defesa pleiteou na apelação o oferecimento de acordo de não persecução penal (ANPP) e, no mérito, sustentou a tese de atipicidade formal e material para requerer a absolvição.
O acórdão rejeitou o pedido de oferecimento do acordo de não persecução penal. “O ANPP é instituto pré-processual, o qual, evidentemente, não cabe após o início da ação penal que se dá com o recebimento da denúncia. No caso dos autos, a denúncia fora recebida em 29/01/2014, tendo o processo, inclusive, já sido, consabido, devidamente sentenciado.”
O colegiado também rechaçou a tese de atipicidade da conduta. “A utilização de sua própria imagem nos carnês de IPTU ou, ainda, de faixa em veículo do município ostentando propaganda de caráter pessoal é, indubitavelmente, utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços público.”
Para afastar a alegação de suposto desconhecimento do réu quanto às fotos no carnê, o relator assinalou que “a responsabilidade do apelante, enquanto gestor público, diante do seu sacrossanto mister de promover balizamento, probidade, moralidade, legalidade, impessoalidade dos bens, rendas e serviços públicos, é absoluta, diante dos fatos elencados”;
0300347-70.2018.8.05.0112