TJ-MG anula condenação por decisão contrariar evidência dos autos

O artigo 621 do Código de Processo Penal autoriza a revisão de decisão que contraria a evidência dos autos. 

Cruzeirense que agrediu e tentou arrancar camisa de atleticano havia sido condenado a cinco anos de prisão pelo crime de roubo

Flickr/CC

Esse foi o fundamento adotado pelo juízo da 1º Grupo de Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça de Minas Gerais para revogar decisão que acatou recurso do Ministério Público e condenou um homem a cinco anos e oito meses de prisão por roubo, em regime semiaberto. 

A decisão foi provocada por pedido da defesa que pediu a nulidade da condenação por ausência da materialidade do crime de roubo. 

No caso concreto, o acusado — que é torcedor do Cruzeiro — agrediu e arrancou a camisa de um torcedor do Atlético-MG, além de tentar puxar a vítima de um carro em movimento. 

Em seu voto, a relatora, desembargadora Beatriz Pinheiro Caires, acolheu a tese defensiva. “Como cediço, além do elemento subjetivo geral, qual seja, a vontade consciente de subtrair a coisa, o delito de roubo requer a comprovação do elemento subjetivo especial, consistente no especial fim de apoderar-se da coisa subtraída, para si ou para outrem. É o denominado animus furandi ou animus rem sibi habendi”, registrou. 

A relatora comparou a versão do acusado com a da vítima e constatou que em nenhum dos dois relatos existe qualquer menção a assalto ou a exigência de qualquer bem do torcedor rival por parte do réu. 

“Sendo esse o contexto probatório, não vislumbro a existência sequer de indícios de molde a demonstrar a intenção do réu de subtrair a camisa que a vítima vestia, para dela se apossar. A conclusão por mim alcançada, após o exame que fiz da prova coletada no feito originário, é no sentido de que a retirada da camisa da vítima decorreu da tentativa do réu de retirar a vítima à força do interior do veículo onde ela se encontrava”, ponderou. 

Por fim, a magistrada explicou que as circunstâncias poderiam induzir o reconhecimento dolo homicida por parte do acusado, ainda que eventual. Isso porque ao tentar retirar a vítima do veículo em que ela estava, a consequência natural caso ele tivesse sucesso seria que o ofendido fosse espancado por uma horda de ensandecidos. 

“Assim, por considerar que, ao reconhecer a prática pelo réu do crime de roubo simples, mesmo diante da inexistência de prova nos autos do dolo específico necessário à configuração do referido tipo penal, opto, renovando pedido de vênia aos integrantes da Turma Julgadora que apreciou a espécie, pela absolvição do réu, com fundamento no artigo 386, III, do Código de Processo Penal”, finalizou. O entendimento da relatora prevaleceu por maioria de votos.

Intimação pessoal

A julgadora rejeitou a preliminar de nulidade do processo em razão de o réu não ter sido intimado pessoalmente da sentença absolutória. Ela justificou que o acusado apresentou contrarrazões ao recurso de apelação do MP, demonstrando ciência inequívoca da decisão de primeiro grau. Além disso, conforme o artigo 392, inciso I, do CPP, a intimação pessoal somente é exigida a réu preso e para ciência da sentença condenatória.

Acompanharam o voto de Beatriz Caires os desembargadores Nelson Missias de Morais, Matheus Chaves Jardim, Maria Luíza de Marilac, Bruno Terra Dias, Glauco Fernandes, Paulo Tamburini e Marco Antônio de Melo. A maioria deferiu o pedido de revisão criminal para absolver o réu com base no artigo 386, inciso III, do CPP (não constituir o fato infração penal).

Divergência

O desembargador revisor Fortuna Grion abriu a divergência. Além de não vislumbrar “a propalada injustiça na condenação”, ele apontou que a falta de cabimento da revisão criminal. “É que a referida questão posta na sentença de piso foi, minudentemente, reanalisada em segundo grau de jurisdição pela augusta 6ª Câmara Criminal deste sodalício, quando do julgamento da apelação interposta pelo Ministério Público.”

Grion frisou que a revisão criminal não comporta o reexame de questões já enfrentadas, sob pena de ter a sua natureza rescisória de julgados desvirtuada, para ser indevidamente manejada como se fosse uma “segunda apelação”. Conforme o desembargador, eventuais interpretações diferentes sobre o caso ou a valoração das provas não autorizam o acolhimento de um pedido revisional.

O desembargador Jaubert Carneiro Jaques seguiu o revisor, acrescentando que o roubo simples se revestiu de êxito, porque a camisa subtraída não foi recuperada, apesar da prisão em flagrante do acusado. Os desembargadores Rubens Gabriel Soares, Octavio Augusto de Nigris Boccalini, Franklin Higino e Paula Cunha e Silva também acompanharam a divergência.

O suposto roubo ocorreu em dia de clássico Cruzeiro e Atlético Mineiro. Integrante da torcida atleticana Galoucura, a vítima estava em um carro. Membro da Máfia Azul, torcida cruzeirense, o réu arrancou a camisa do ofendido através da janela do veículo. O acusado foi absolvido em primeiro grau, mas o MP apelou e a 6ª Câmara Criminal do TJ-MG o condenou a cinco anos, oito meses e nove dias de reclusão, em regime semiaberto.

Clique aqui para ler a decisão

Processo 1.0000.22.247560-0/000

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