As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.
O entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça na Súmula 479 foi adotado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo para condenar bancos a indenizar clientes que foram vítimas de sequestros-relâmpago e foram obrigados pelos criminosos a fornecer cartões e senhas bancárias.
Em um dos casos, a 24ª Câmara de Direito Privado reformou sentença de primeira instância e condenou um banco a ressarcir os valores descontados indevidamente do cliente. O autor disse que teve que entregar seu cartão e senha aos criminosos, que efetuaram uma transferência comum de R$ 6,5 mil, três transferências via Pix, totalizando R$ 11.719, e mais um empréstimo de R$ 9.120.
Após ser solto, o cliente comunicou o banco sobre o ocorrido, mas não conseguiu o reembolso das operações fraudulentas. Por isso, ajuizou a ação. O relator, desembargador Cláudio Marques, afirmou que a responsabilidade objetiva do banco deve ser analisada à luz do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, e também citou a Súmula 479 do STJ para embasar sua decisão.
“Foram realizadas diversas transações bancárias em curto espaço de tempo, em valores muito elevados, destoando completamente do perfil de consumo do autor, que aufere renda modesta e realiza transações em valores baixos, conforme se depreende dos extratos bancários relativos aos últimos meses. Ademais, o fato do banco autorizar mais de um Pix em seguida para o mesmo destinatário constitui forte indicativo de fraude, que deveria ter sido detectado pelo sistema de segurança.”
Segundo o magistrado, embora o crime tenha ocorrido fora da agência bancária, a falha na prestação dos serviços do banco pode ser evidenciada ao não tomar as providências necessárias para evitar ou, no mínimo, atenuar as frequentes atuações de criminosos, já que não foram adotadas medidas que estavam ao seu alcance, como o bloqueio da conta após a segunda transação seguida para o mesmo destinatário ou entrar em contato com o cliente antes de autorizar as operações.
Para o desembargador, o banco descumpriu seu dever de segurança. “De rigor a declaração da inexistência do débito constituído em desfavor do autor a título de empréstimo e a condenação do réu a restituir o montante das operações impugnadas, na forma simples, diante da ausência de má-fé por parte do banco, já que esta não é presumível”, disse.
Marques, por outro lado, negou o pedido de indenização por danos morais por entender que o autor não sofreu abalo de crédito, nem qualquer restrição cadastral. O relator também não verificou lesão à honra objetiva e subjetiva do cliente, além de não ter havido cobrança vexatória ou humilhante em razão das transações.
“Também não se justifica a aplicação da teoria do desvio produtivo, pois não se verificou perda de tempo útil expressivo, como por exemplo, ausência em dia de trabalho ou perda de compromisso, na tentativa de solução da questão. A ação é parcialmente procedente, uma vez que o autor decaiu da sua pretensão relativa à indenização por dano moral, enquanto o réu decaiu quanto ao pedido declaratório”, concluiu.
Segundo caso
Em um caso semelhante, a 14ª Câmara de Direito Privado manteve sentença de primeiro grau que condenou três bancos a ressarcir R$ 34,8 mil descontados da conta de um cliente que sofreu um sequestro-relâmpago. O autor afirmou ter sido obrigado a fornecer todos os seus cartões e senhas aos criminosos durante o sequestro.
Ao negar provimento ao recurso dos bancos, a relatora, desembargadora Penna Machado, citou a Súmula 479 do STJ e disse que, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, em seu parágrafo 3º, resta claro que o prestador de serviços somente não será responsabilizado quando provar que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste, ou quando houver culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros.
“Na hipótese dos autos, o autor foi vítima de ‘sequestro-relâmpago’, sendo rendido por dois indivíduos armados, sendo obrigado a fornecer senha e acesso as suas contas bancárias, tendo um prejuízo global de R$ 34.879,80, conforme relato no BO, não se enquadrando no seu padrão e muito menos no perfil de sua conta bancária. Em contrapartida, os réus/apelantes tentam se esquivar de suas responsabilidades sustentando inexistência de falhas na prestação de seus serviços”, afirmou.
Para a magistrada, não há que se falar em culpa exclusiva do cliente, pois, ainda que se reconheça que ele não foi cauteloso, “possibilitando aos agentes criminosos meios para se locupletarem às suas custas, como o fornecimento dos cartões e senhas”, houve clara falha na prestação dos serviços das instituições financeiras.
“Isto porque, do conjunto probatório, observa-se que as transações realizadas fugiam totalmente ao perfil do correntista, não sendo possível se concluir pela culpa exclusiva do autor, nos termos do artigo 14, § 3º, II do CDC, a afastar a responsabilidade dos bancos sobre as transferências indevidas. E o BO, bem como a narrativa exposta na inicial, deixam claro que o autor foi vítima do chamado ‘sequestro-relâmpago’, ou seja, foi obrigado com emprego de arma de fogo, a informar senhas e dados pessoais e profissionais.”
Neste cenário, afirmou Machado, era dever dos bancos, por meio de seus sistemas de detecção de fraudes, checar a regularidade e impedir a conclusão das operações, sobretudo porque fugiam ao padrão de gastos do autor: “Sendo assim, evidente a falha no dever de segurança dos requeridos, ocorrendo responsabilidade objetiva, à luz do disposto no artigo 14 e § 1º do CDC e de acordo com as Súmulas 297 e 479 do STJ.”
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Processo 1014571-15.2021.8.26.0004
Processo 1000900-46.2022.8.26.0405