O Estatuto do Idoso, instituído pela Lei nº 10.741/03, disciplina o direito das pessoas com idade igual ou superior a 60 anos. Dispõe seu artigo 2º que “o idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurando-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”. Ainda no âmbito da proteção global ao idoso, diz o artigo 4º que “nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligencia, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentados aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei”.
É visando dar efetiva proteção a tais direitos que a lei tipificou diversas condutas (artigos 96 ao 108), que serão apresentadas especificamente em nossos próximos textos. Nestas considerações iniciais, deve ser ressaltado que, em função da situação de vulnerabilidade da vítima, não é aplicada nenhuma escusa absolutória (artigos 95 — Crimes cometidos por ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro). Inclusive, a Lei nº 10.741/03, além de estabelecer a vedação de tais imunidades em seu texto, inseriu norma congênere no artigo 183, III, CP, excluindo-se as imunidades das pessoas citadas no artigo 181, CP, em caso de crime patrimonial contra pessoa idosa.
Todos os delitos são de ação penal pública incondicionada e o rito processual será o sumaríssimo (artigo 94. Aos crimes previstos nesta lei, cuja pena máxima privativa de liberdade não ultrapasse 4 anos, aplica-se o procedimento previsto na Lei nº 9.099/95, e, subsidiariamente, no que couber, as do Código Penal e do Código de Processo Penal). Ressalte-se que o rito sumaríssimo será seguido apenas a partir do oferecimento da denúncia, objetivando dar maior celeridade processual ao feito, não sendo aplicados os benefícios da fase preliminar, como a composição civil e a transação penal.
Acerca do tema, decidiu o STF na ADI 3.096 que deverá ser dada interpretação conforme à Constituição ao artigo 94, Lei nº 10.741/03, no sentido de “suprimir a expressão do Código Penal) e aplicação apenas do procedimento sumaríssimo previsto na Lei nº 9.099/95: benefício ao idoso com a celeridade processual. Impossibilitando a aplicação de quaisquer medidas despenalizadoras e de interpretação benéfica ao autor do crime”.
São quatro as conclusões que podem ser extraídas da análise do artigo 94: a. afasta-se o rito sumário em detrimento do sumaríssimo, após o oferecimento da denúncia, para as infrações com pena máxima em abstrato maior que 2 e menor que 4 anos, no que tange apenas ao seu procedimento; b. afasta-se o rito ordinário em detrimento do sumaríssimo, apenas em sua parte procedimental, nos crimes com pena máxima em abstrato igual a 4 anos; c. aplica-se o rito comum ordinário nos crimes com pena máxima em abstrato maior que 4 anos e; d. aplica-se a totalidade do rito sumaríssimo aos crimes com pena máxima em abstrato não superior a 2 anos.
Outro ponto fulcral na análise da Lei nº 10.741/03 são as disposições contidas nos artigos 110 a 113, responsáveis por introduzir inúmeras modificações no Código Penal. Dentre elas, citamos a inserção da agravante genérica do artigo 61, II, h, CP, referente ao crime cometido em face de pessoa maior de 60 anos, exceto se tal circunstância constituir elementar, qualificadora ou causa de aumento de pena. Desta feita, tal agravante não incidirá em nenhuma das figuras típicas do Estatuto do Idoso, sob pena de bis in idem.
Caso a vítima seja pessoa maior de 60 anos em crime de homicídio ou de lesão corporal dolosa, a pena deverá ser aumentada em 1/3 (artigos 121, § 4º e 129, § 7º, CP). Também deverá ser aumentada a pena em 1/3 se no crime de abandono de incapaz a vítima for pessoa idosa (artigo 133, § 3º, III, CP). Nessa mesma fração deverá ser aumentada a pena se pessoa idosa for caluniada ou difamada (artigo 141, IV, CP). No que tange às qualificadoras, o crime de injúria apresenta uma nova pena base se a vítima for pessoa idosa e a ofensa for relacionada a essa condição (artigo 140, § 3º, CP). Também encontramos a qualificadora do artigo 148, § 1º, III, CP, concernente ao sequestro ou cárcere privado de pessoa maior de 60 anos. Em caso de cometimento do delito de extorsão contra vítima idosa, também estaremos diante da figura qualificada do artigo 159, § 1º, CP.
Diga-se, ainda, que os ascendentes passaram a ser sujeitos ativos do crime de abandono material contra idoso (artigo 244, CP) e a contravenção penal de vias de fato também apresenta causa de aumento de pena de 1/3 em caso de vítima idosa (artigo 21, LCP). Há também modificação na legislação penal espacial, tal como o aumento de pena de 1/6 a 1/3 quando idoso for vítima de tortura (artigo 1º, § 4º, II, L. nº 9.455/97).
Nossa Constituição veda, expressamente, qualquer tipo de tratamento discriminatório entre os cidadãos, instituindo como objetivo da República a promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3º, IV) e determinando a punição de qualquer discriminação atentatória a direitos e liberdades fundamentais (artigo 5º, XLI). No âmbito infraconstitucional, a proibição de tratamento discriminatório também está presente no Código de Defesa do Consumidor, notadamente no direito básico do artigo 6º, II: “São direitos básicos do consumidor: II – a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações” e na prática abusiva do artigo 39, II: “recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes”. Inclusive, dispõe o artigo 2º, I, da Lei nº 1.521/51 que é crime recusar individualmente em estabelecimento comercial a prestação de serviços essenciais à subsistência; sonegar mercadoria ou recusar vende-la a quem esteja em condições de comprar a pronto pagamento.
De igual forma, estabelece o artigo 7º, VI, da Lei nº 8.137/90 que é crime contra as relações de consumo negar insumos ou bens, recusando-se a vende-los a quem deseja compra-los nas condições publicamente ofertadas, ou retê-los para o fim de especulação.
No que tange especificamente à discriminação contra o idoso, estabelece o artigo 96 da Lei nº 10. 741/03 (Estatuto do Idoso), que é crime discriminar pessoa idosa, impedindo ou dificultando seu acesso a operações bancárias, aos meios de transporte, ao direito de contratar ou por qualquer outro meio ou instrumento necessário ao exercício da cidadania, por motivo de idade (pena: reclusão, de 6 meses a 1 ano, e multa). Exemplos de tal conduta são os obstáculos colocados para o idoso na abertura de uma conta bancária ou aplicação financeira; na entrada de ônibus, avião, metro ou trem; nos contratos de compra e venda ou qualquer outra relação referente ao exercício de sua cidadania.
Trata-se de crime comum, todavia, se o autor for responsável pelos cuidados da vítima, a pena será aumentada em 1/3 (artigo 96, § 2º). O crime se consuma com o impedimento ou dificuldade com fim discriminatório, independentemente da ocorrência de qualquer resultado. Ressalte-se, ainda, que o § 1º equipara a figura do artigo 96 àquele que desdenhar, humilhar, menosprezar ou discriminar o idoso por qualquer motivo.
Também constitui crime, apenado com detenção de seis meses a um ano e multa, a omissão de socorro a idoso, conforme art. 97 do Estatuto do Idoso: “deixar de prestar assistência ao idoso, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, em situação de iminente perigo, ou recusar, retarda ou dificultar sua assistência à saúde, sem justa causa, ou não pedir, nesses casos, o socorro de autoridade pública”. A objetividade jurídica do delito é a preservação da vida, saúde e integridade física das pessoas idosas. O crime pode ocorrer de múltiplas formas, sendo a primeira delas na modalidade falta de assistência imediata, consubstanciada pela inércia do agente que, podendo prestar socorro, não o faz.
É o caso típico de uma pessoa que vê o idoso escorregar ao atravessar a via pública e, podendo facilmente levantá-lo, nada o faz; ou até mesmo a situação do idoso estar se afogando em parte rasa de uma praia e as pessoas ao redor, sabendo nadar, ficam inertes quanto ao seu salvamento. Ressalte-se que a lei não exige de ninguém ato de heroísmo, sendo devida a prestação do socorro se a situação não acarretar risco ao agente, salvo se este tiver o dever legal de cuidado ou estiver na situação de garante, ocasião em que terá o dever de agir (ex: bombeiro, salva-vidas ou professor de natação).
A segunda modalidade é a falta de assistência mediata, que se dá na impossibilidade do agente prestar socorro direto à vítima e na negativa de pedido de ajuda das autoridades públicas, tendo meios para tanto. Trata-se do dever subsidiário de comunicação, no qual todo cidadão, não podendo auxiliar diretamente o idoso necessitado, terá que comunicar o fato para autoridade competente.
Aqui temos o clássico exemplo da pessoa que não sabe nadar e vê o idoso se afogando, devendo imediatamente comunicar o fato ao salva-vidas, policial ou bombeiro mais próximo. A última modalidade é a recusa, retardo ou dificuldade injustificada de assistência à saúde de pessoa idosa. Normalmente tal hipótese se configura nos hospitais ou postos de saúde, onde médicos ou enfermeiros não prestam atendimento preferencial ao idoso, deixando-o por longo tempo em fila de atendimento, sem diagnóstico ou remoção para atendimento adequado.
É crime comum, podendo o agente ser qualquer pessoa. Por sua vez, a vítima será a pessoa maior de 60 anos. O delito se consuma com a inércia do agente, independentemente de efetivo prejuízo à saúde da vítima, porém, se da conduta resultar lesão corporal grave, a pena será aumentada em ½, podendo ser triplicada se causar a morte. Por se tratar de crime omissivo próprio, não se admite tentativa.
Fernando Capez é procurador de Justiça do MP-SP, mestre pela USP, doutor pela PUC, autor de obras jurídicas, ex-presidente da Assembleia Legislativa de SP, presidente do Procon-SP e secretário de Defesa do Consumidor.