Yamazaki e Alkimin: Documentos instrutivos de operação aduaneira

O AFC (acordo de facilitação do comércio) está prestes a fazer cinco anos desde a sua internalização no Brasil pelo Decreto 9.326/2018. A partir de então, passou a ter força de lei e as autoridades públicas (especialmente as aduaneiras) estão vinculadas às suas disposições.

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O acordo trouxe previsões específicas sobre o tratamento dos documentos por parte da aduana e dos importadores. Exemplo disso é o seu artigo 10, item 2.1, que informa que “cada membro envidará esforços, quando for o caso, para aceitar cópias impressas ou eletrônicas de documentos instrutivos exigidos para as formalidades de importação, exportação ou trânsito”.

Para atender essa finalidade do AFC, o país buscou construir um conjunto legislativo que viabilizasse o uso de documentos eletrônicos nas tratativas perante o Poder Público (dos quais a atividade aduaneira se encontra), prova disso foi a edição da Lei nº 13.874/2019, conhecida como Lei da Liberdade Econômica.

O artigo 2º-A, §2º [1], da Lei 12. 682/2012, com redação dada pela Lei Liberdade Econômica, indica que os documentos digitalizados possuem o mesmo valor que os originais, inclusive para atender ao poder fiscalizatório do Estado, desde que sejam assinados por meio do modelo da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras (ICP-Brasil) (artigo 18, II [2]), que dará autenticidade ao documento, e atendam aos demais requisitos previstos no Decreto 10.278/2020 e Lei 14.063/2020.

Nesse sentido, a Receita Federal editou as Notícias Siscomex 17/2020 e 18/2020, que dispõe, juntas, que os “os documentos originais instrutivos do despacho aduaneiro de importação em meio físico (via original do conhecimento de carga, via original da fatura comercial e etc.), que forem digitalizados conforme o disposto no Decreto n° 10.278, de 18 de março de 2020, terão os mesmos efeitos legais dos documentos originais, sendo dispensada a sua apresentação em meio físico para fins de despacho de importação”.

Essa nova dinâmica dada ao procedimento de despacho de importação é uma extensão do que já ocorre com o processo administrativo no âmbito da Receita, que determina que a assinatura eletrônica representa prova de autenticidade e integridade dos documentos originais que estão na posse da empresa (artigo 11, §3º [3], IN RFB 2.022/2021). No entanto, isso não exime os importadores de atenderem aos requisitos de preenchimento dos documentos aduaneiros, como é o caso da fatura comercial, cujos requisitos estão previstos no artigo 557, do Decreto 6.759/2009 (regulamento aduaneiro).

A despeito da modernização promovida pela Receita  especialmente com o advento do Portal Único de Comércio Exterior (Pucomex), em que os documentos são entregues mediante dossiê digital , ainda há casos em que fiscais aduaneiros exigem a entrega de documentos em papel. As mencionadas Notícias Siscomex foram editadas justamente para pacificar esse assunto e buscar afastar essa prática ilegal.

Tanto é assim que a Lei da Liberdade Econômica permite a destruição dos documentos originais (em papel) após a sua digitalização (artigo 2º-A, §1º [4], da Lei 12.682/2012, alterado pela Lei 13.874/2019), o que torna os documentos físicos desnecessários para fins legais. Com isso, a Receita não pode mais exigir das empresas a apresentação de documentos aduaneiros físicos, sob pena de ilegalidade de seus atos.

Nesse sentido, a utilização e a guarda dos documentos digitalizados e nato-digitais pelas empresas têm amparo na lei e é suficiente para atender aos requerimentos do Poder Público (como ocorre em fiscalizações aduaneiras), por essa razão, não há necessidade de as empresas terem o custo de manter arquivos de documentos físicos em seus estabelecimentos.

Portanto, o que se percebe é que as últimas publicações normativas que tratam do tema da digitalização e guarda de documentos, estão em linha com o processo de modernização encampado pelo AFC, promovendo maior agilidade e facilitando as operações de comércio exterior. E, apesar das dúvidas geradas em algumas situações por fiscais aduaneiros, em contradição com a legislação, fato é que a lei indica que os documentos digitalizados e nato-digitais são legítimos e devem ser recebidos pela aduana em todos os procedimentos aduaneiros, sem que, para isso, as empresas precisem manter arquivos de documentos físicos.


[1] Lei 12.682/2012, artigo 2º-A.  Fica autorizado o armazenamento, em meio eletrônico, óptico ou equivalente, de documentos públicos ou privados, compostos por dados ou por imagens, observado o disposto nesta Lei, nas legislações específicas e no regulamento.

(…)

§2º  O documento digital e a sua reprodução, em qualquer meio, realizada de acordo com o disposto nesta Lei e na legislação específica, terão o mesmo valor probatório do documento original, para todos os fins de direito, inclusive para atender ao poder fiscalizatório do Estado.

[2] Lei 13.874/2019, artigo 18. A eficácia do disposto no inciso X do caput do artigo 3º desta Lei fica condicionada à regulamentação em ato do Poder Executivo federal, observado que:

I – para documentos particulares, qualquer meio de comprovação da autoria, integridade e, se necessário, confidencialidade de documentos em forma eletrônica é válido, desde que escolhido de comum acordo pelas partes ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento; e

II – independentemente de aceitação, o processo de digitalização que empregar o uso da certificação no padrão da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) terá garantia de integralidade, autenticidade e confidencialidade para documentos públicos e privados.

[3] IN RFB 2.022/2021, artigo 11. Em caso de atendimento presencial, nas hipóteses previstas nesta Instrução Normativa, o interessado ou o procurador de que trata o §3º do artigo 7º deverá apresentar os documentos necessários à análise do processo ou os exigidos para a obtenção do serviço requerido, para que seja realizada a solicitação de juntada ao processo digital.

(…)

§3º A assinatura eletrônica constitui prova de autenticidade e integridade dos documentos originais sob a guarda do interessado, dos quais foram gerados os documentos digitais entregues à unidade de atendimento, nos termos do artigo 6º do Decreto nº 8.539, de 2015.

[4] Lei 12.682/2012, “Artigo 2º-A.  Fica autorizado o armazenamento, em meio eletrônico, óptico ou equivalente, de documentos públicos ou privados, compostos por dados ou por imagens, observado o disposto nesta Lei, nas legislações específicas e no regulamento.

§1º Após a digitalização, constatada a integridade do documento digital nos termos estabelecidos no regulamento, o original poderá ser destruído, ressalvados os documentos de valor histórico, cuja preservação observará o disposto na legislação específica”.

Yuna Yamazaki é especialista em Direito Aduaneiro, sócia e head da área de Customs Law da Lira Advogados.

Michel Alkimin é advogado especialista em Direito Aduaneiro da área de Customs Law da Lira Advogados.

Consultor Júridico

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