Supostos prejuízos à honra e à vida privada em decorrência de reportagem jornalística devem ser aferidos a posteriori, não sendo cabível medida judicial em caráter liminar que imponha o recolhimento de exemplares quando não houver motivo que afaste tal regra geral.
Com base nesse entendimento, o ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu uma decisão que determinava que a revista piauí suprimisse trecho de texto sobre o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O processo contra a revista foi ajuizado por um casal citado em uma reportagem sobre a atuação de Bolsonaro nos programas Mais Médicos e Médicos Pelo Brasil. Os autores pediram a retirada de seus nomes. A decisão favorável, na prática, levava à alteração do texto na versão digital e ao recolhimento de exemplares da edição física.
Para Zanin, a decisão contra a piauí viola o que foi definido pelo Supremo no julgamento da ADPF 130, que em 2009 derrubou a Lei de Imprensa.
“A autoridade reclamada não explicita de que maneira o conteúdo da matéria jornalística teria incorrido em abuso ou má-fé no direito de informar. Na espécie, a liberdade de imprensa aparentemente foi colocada em segundo plano em relação aos direitos de intimidade dos autores, invertendo-se o regime de prioridade que ficou estabelecido no acórdão da ADPF 130/DF”, diz a decisão.
“Em regra, eventual prejuízo à honra e a vida privada dos atingidos pela reportagem jornalística deve ser aferido a posteriori, não sendo cabível medida judicial que imponha o recolhimento liminar de todos os exemplares físicos de uma edição de uma revista de caráter nacional. No caso específico, não existem motivos para afastar tal regra geral”, prossegue o ministro.
O texto da piauí narra a atuação do governo Bolsonaro para desidratar o programa Mais Médicos e supostas irregularidades em seu substituto, o Médicos pelo Brasil.
A reportagem, publicada na edição de junho deste ano, traz relatos de que haveria nepotismo e assédio moral envolvendo a agência responsável pelo Médicos pelo Brasil. A parte suprimida cita um casal contratado pela agência. Foi esse casal que acionou a Justiça pedindo a retirada de seus nomes e que a revista fosse proibida de fazer novas menções a eles em textos futuros.
Em primeira instância, o juiz Hilmar Castelo Branco Raposo Filho, da 21ª Vara Cível do Distrito Federal, considerou “plausível” o argumento do casal de que a reportagem causava “dano à honra”. Também disse que não foi possível verificar se “a matéria questionada” seguiu “parâmetros éticos da atividade” jornalística.
“Analisando os autos verifico que os fundamentos apresentados pela
parte são relevantes e amparados em prova idônea, eis que apresentadas
telas dos conteúdos questionados não foi possível verificar que a matéria
questionada tenha seguido os parâmetros éticos da atividade. Em que pese a denúncia realizada, a parte autora não foi ouvida acerca dos fatos e
tampouco houve oferta de espaço para a versão da pessoa atingida”, escreveu o juiz (clique aqui para ler a decisão de primeiro grau).
A piauí recorreu, mas o desembargador Robson Teixeira de Freitas, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, manteve a decisão de primeira instância. Ele entendeu que a revista não apontou de forma clara e objetiva o risco de demora que justificaria a concessão de liminar.
Clique aqui para ler a decisão de Zanin
RCL 61.516